Nenhum tribunal europeu ordenou que médicos respondam por "mortes e ferimentos causados" pelas vacinas anticovid

As vacinas contra a covid-19 são consideradas seguras e os efeitos colaterais que podem ocorrer raramente são graves. Mas, desde fevereiro de 2025, posts com dezenas de interações nas redes sociais compartilham a alegação de que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) teria decidido que médicos “devem ser responsabilizados criminalmente” por “mortes” e “ferimentos” supostamente causados pelos imunizantes. Isso é falso. Especialistas disseram à AFP que não há registros de tal decisão e que a responsabilidade por reações adversas às vacinas é direcionada aos fabricantes, e não aos médicos.

“Tribunal de Justiça Europeu: Médicos devem ser RESPONSABILIZADOS criminalmente por mortes e ferimentos causados por 'vacinas' da Covid”, diz a legenda de uma publicação no Facebook. Alegação semelhante também é compartilhada no Instagram e no X

O conteúdo também circula em espanhol, inglês e sérvio, com postagens que atribuem o texto ao Natural News, um site identificado como fonte de desinformação que já foi checado anteriormente pela AFP.

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Captura de tela feita em 2 de junho de 2025 de uma publicação no Facebook (.)

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) é responsável por resolver disputas judiciais entre Estados-membros e interpretar a legislação.

Uma busca em seu site não exibiu nenhuma sentença relevante proferida neste ano com esse teor, seja na lista de decisões, nos comunicados à imprensa ou na página que destaca as decisões mais importantes da Corte.

Uma busca no Google mostrou apenas uma decisão de 2017, anterior à pandemia de covid-19, em que se explicava como os pacientes podem demonstrar em um tribunal a relação causal entre um produto defeituoso e uma doença.

“O Tribunal de Justiça determinou que a deficiência da vacina e a relação causal entre essa deficiência e a doença podem ser demonstradas com provas sérias, concretas e consistentes, na ausência de consenso científico sobre a relação causal”, explicaram os advogados especialistas em direito médico do escritório Van Bael & Bellis.

A advogada belga Catherine Longeval disse à AFP que a alegação compartilhada nas redes sociais é uma “notícia falsa perigosa” cujo objetivo é “assustar o público em geral para que desista de se vacinar contra a covid-19” e “amedrontar os médicos para que se neguem a vacinar seus pacientes”.

“Não tenho conhecimento de nenhuma jurisprudência que determine que médicos que recomendaram ou administraram vacinas contra a covid-19 sejam criminalmente responsáveis pelas consequências”, afirmou.

De acordo com cientistas, as vacinas contra a covid-19 evitaram milhões de mortes em todo o mundo.

Embora esses imunizantes, como outras vacinas e medicamentos, possam ter efeitos colaterais indesejados, eles raramente são graves.

Como especialistas, médicos e pesquisadores explicaram à AFP anteriormente, os raros efeitos colaterais graves da vacinação são monitorados e os benefícios da imunização superam os riscos da sua aplicação.

Existem sistemas em muitos países que permitem que os pacientes busquem indenização por danos relacionados a vacinas de diversas formas. No entanto, isso é diferente de ações judiciais contra médicos por erro ou negligência. 

Uma busca pelo nome “Giovanni Frajese”, mencionado em algumas das publicações, levou a uma sentença emitida em 27 de julho de 2023, pela Quinta Seção do Tribunal, e ratificada em 30 de janeiro de 2025.

Frajese contestou a aprovação das vacinas Spikevax da Moderna e Comirnaty da Pfizer, mas seus argumentos foram rejeitados.

No parágrafo 24 da primeira decisão, o TJUE afirmou que os médicos não são obrigados a “reavaliar a segurança ou eficácia” das vacinas, pois essa é uma responsabilidade da Agência Europeia de Medicamentos (EMA).

“Em nenhuma dessas decisões os tribunais abordaram a potencial responsabilidade dos médicos”, explicou Longeval.

A pedido da AFP, Ivana Simonovic, doutora e professora associada da Faculdade de Direito de Nis, na Sérvia, analisou a decisão. Para ela, a sentença “explica claramente a ausência de efeitos jurídicos vinculantes para os médicos que realizam a vacinação”.

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Uma menina recebe a vacina Pfizer-BioNTech contra a covid-19 em uma escola em Medellín, na Colômbia, em 7 de setembro de 2021, em meio à pandemia do coronavírus (AFP / JOAQUIN SARMIENTO)

Direitos do paciente

Simonovic explicou que qualquer reclamação relacionada a um incidente supostamente causado por um produto defeituoso ou erro médico deve ser avaliada caso a caso, de acordo com as leis vigentes (criminais e civis) sobre a responsabilidade do médico por erro médico e/ou do fabricante (da vacina) por um defeito no produto.

Ela acrescentou que os médicos têm a obrigação de ajudar os pacientes a tomarem decisões informadas. “Em circunstâncias normais, a decisão sobre qualquer tratamento médico, incluindo a vacinação, é tomada pelo paciente após consulta com o médico, que tem a obrigação de informá-lo integralmente sobre as razões, benefícios e riscos do tratamento recomendado”

No entanto, ela observou que é legítimo “questionar o quão comuns foram as circunstâncias durante a pandemia e se os médicos tiveram a oportunidade de discutir em detalhes com os pacientes as vantagens e desvantagens do uso de vacinas que não passaram por ensaios clínicos padrão”.

As vacinas contra a covid-19 foram desenvolvidas e testadas em tempo recorde, graças à cooperação científica e aos procedimentos de emergência para autorização de comercialização; por exemplo, na União Europeia, onde cerca de 1 bilhão de doses foram administradas, de acordo com a Agência Europeia de Medicamentos. “Se um paciente sofrer um evento adverso grave como resultado da administração de uma vacina, ele pode processar o fabricante da vacina (não o médico que o tratou). Isso aconteceu em toda a UE”, disse Longeval.

Com base nos Acordos Antecipados de Compra  e Acordos de Compra  “celebrados pela Comissão Europeia com os fabricantes de vacinas contra a covid-19 (...), os fabricantes podem solicitar compensações à Comissão Europeia para se defenderem ou encerrar tais reivindicações apresentadas pelos pacientes”, explicou.

Referências

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