Viagem de Bill Gates a Cingapura é falsamente associada a lei sobre “obrigatoriedade” de vacinação

Em maio de 2025, Bill Gates esteve em Cingapura, onde anunciou a abertura de um escritório da sua entidade filantrópica. Desde então, publicações com mais de 800 interações nas redes afirmam que, após a visita do empresário, Cingapura aprovou uma lei para “tornar obrigatória a vacinação e prender os não vacinados”. Mas nenhuma nova legislação sobre o tema foi aprovada desde então. De acordo com a lei de doenças infecciosas do país, autoridades só podem impor a obrigatoriedade da vacinação se determinarem que um surto é iminente e que as inoculações são necessárias para a segurança pública.

“Cingapura aprova lei que torna obrigatória a vacinação e prende os não vacinados — dias após a visita de alto nível de Bill Gates”, é a legenda das publicações no Facebook

Conteúdo semelhante também circula no Telegram, no X e em publicações em inglês.

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Captura de tela feita em 9 de junho de 2025 de uma publicação no Facebook (.)

Algumas postagens são acompanhadas por uma captura de tela de um artigo do site The People’s Voice, já verificado anteriormente pela AFP por difundir desinformação (1, 2, 3).

“Logo após Bill Gates e Tedros Ghebreyesus, da OMS, concluírem visitas de alto nível com os principais líderes do país, mudanças radicais foram discretamente implementadas no sistema jurídico nacional — mudanças que agora tornam crime a recusa em tomar vacinas obrigatórias do governo”, diz um trecho do artigo. 

O conteúdo circula após Bill Gates visitar a cidade-Estado e anunciar, em 5 de maio de 2025, a abertura de um escritório em Cingapura da Fundação Gates, sua organização filantrópica. 

O anúncio de Gates repercutiu na imprensa internacional (1, 2), mas não foi localizada qualquer matéria ou nota oficial do governo de Cingapura anunciando as supostas mudanças na legislação sobre vacinas do país. 

Procurado pela AFP, o Ministério da Saúde de Cingapura disse que as alegações são falsas.

“Cingapura não aprovou nenhuma lei sobre vacinação após a recente visita do Sr. Gates”, afirmou a pasta em uma declaração enviada por e-mail em 3 de junho de 2025.

Baixa probabilidade de obrigatoriedade vacinal

Algumas das publicações, em português e inglês, fazem referência às seções 47, 65 e 67 da Lei de Doenças Infecciosas de Cingapura, apresentada originalmente em 1976. 

De acordo com uma linha do tempo disponível no site do governo de Cingapura, essas seções foram incluídas na legislação do país em 30 de março de 1987 e sofreram algumas alterações ao longo dos anos — mas todas anteriores à visita de Gates. 

A última alteração da seção 47 foi em 1º de maio de 2023, enquanto a seção 65 foi revista em 31 de dezembro de 2021. Já a última alteração da seção 67 foi em 9 de abril de 2024

Esses trechos da legislação estabelecem que, em “caso de surto ou suspeita de surto de qualquer doença infecciosa em qualquer área”, o diretor-geral de Saúde pode, “por despacho, ordenar que qualquer pessoa ou grupo de pessoas não protegidas ou vacinadas contra a doença se submetam à vacinação ou outra profilaxia” quando “um surto de uma doença infecciosa” for iminente e se for “necessário ou conveniente fazê-lo para garantir a segurança pública” da cidade-Estado.

“As autoridades devem demonstrar que esses dois requisitos foram atendidos antes de poderem impor qualquer obrigatoriedade de vacinação”, disse à AFP em 29 de maio de 2025 Eugene Tan, professor associado de Direito na Universidade de Administração de Cingapura.

De acordo com as emendas da legislação, as penalidades por não se vacinar incluem uma multa de até 10 mil dólares de Cingapura (cerca de R$ 43 mil) e uma pena de prisão de até seis meses na primeira infração, enquanto uma segunda infração dobraria a punição.

Tan destacou, no entanto, que essas penalidades só seriam aplicadas quando houvesse uma obrigatoriedade de vacinação em vigor, embora a “probabilidade de tal cenário seja muito baixa”

Ele acrescentou que os dispositivos legais tornam uma obrigatoriedade geral de vacinação algo “altamente excepcional por serem medidas extremamente invasivas e as pessoas não podem ser obrigadas a se vacinar”.

Referências

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