Um profissional de saúde segura um frasco de ivermectina em Cali, na Colômbia, em 21 de julho de 2020 (AFP / Luis ROBAYO)

Especialistas advertem que não há evidências científicas que apoiem o uso de ivermectina contra o câncer ou outras doenças

Não há evidências científicas que apoiem o uso de ivermectina para curar o câncer ou tratar outras doenças. No entanto, uma lista de supostos benefícios desse medicamento foi compartilhada mais de 3 mil vezes nas redes sociais até maio de 2025. Especialistas alertam que é “perigoso” administrar o remédio fora de seus usos aprovados e ressaltam que pesquisas sobre possíveis aplicações alternativas ainda estão em andamento.

“Lembram quando a mídia riu e disse que Ivermectina era só para cavalos e vacas? Eles sabiam que era feito para humanos desde 1987. Aqui está o que não te contaram”, afirmam publicações no Facebook, no Instagram e no Telegram

A alegação é compartilhada junto a uma imagem que mostra um frasco de ivermectina com o desenho de animais no rótulo. Mais adiante, o texto menciona supostos benefícios contra o câncer, doenças autoimunes, insuficiência cardíaca, “medicamentos criados com tecnologia de mRNA [RNA mensageiro], entre outros. 

O mesmo conteúdo também circula em espanhol, húngaro, tcheco, holandês e bósnio.

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Captura de tela feita em 13 de maio de 2025 de uma publicação no Facebook (.)

A ivermectina é um medicamento antiparasitário geralmente usado em animais. Em humanos, o ele é aprovado para o tratamento de infecções causadas por alguns vermes parasitas e piolhos, bem como para doenças de pele, como a rosácea.

A AFP já verificou anteriormente publicações que apresentam esse medicamento como um “remédio milagroso”, especialmente durante a pandemia de covid-19 (1, 2), quando o fármaco foi estudado como uma possível opção para tratar e prevenir a doença. Entretanto, os resultados obtidos não demonstraram sua eficácia.

Dessa vez, as postagens virais mencionam que a ivermectina cura diversas doenças autoimunes, reduz a inflamação, fortalece os músculos, pode tratar a doença de Crohn e alergias. Além disso, afirmam que o medicamento protege o coração, regenera o sistema nervoso e regula os níveis de insulina e colesterol.

Mas “a ivermectina não é indicada para as condições mencionadas anteriormente”, afirmou à AFP em 29 de abril de 2025 Markus Zeitlinger, diretor da Clínica Universitária de Farmacologia Clínica em Viena, na Áustria.

Akos Heinemann, chefe de pesquisa do Departamento de Farmacologia da Universidade Médica de Graz, na Áustria, por sua vez, explicou na mesma data que se a ivermectina “fosse realmente adequada” para tratar essas doenças, “a indústria farmacêutica certamente não deixaria passar essa oportunidade: os estudos clínicos relevantes teriam sido realizados e as respectivas preparações teriam sido aprovadas”.

O especialista acrescentou que esse medicamento só demonstrou eficácia clínica contra certas infecções por vermes e sarna. “Qualquer outra coisa é especulação infundada, baseada em dados cientificamente insustentáveis ou simplesmente fabricada”. E também alertou: “Prescrever ou tomar ivermectina fora de suas indicações aprovadas é extremamente negligente”.

Contatada pela AFP em 29 de abril, Monika Redlberger-Fritz, pesquisadora do Centro de Virologia da Universidade Médica de Viena, concordou com os especialistas. “A ivermectina só deve ser usada conforme o autorizado; todos os outros usos não são indicados”, afirmou.

Pesquisas que continuam

As publicações virais também alegam, sem apresentar evidências, que a ivermectina mata células cancerígenas e previne a sua propagação.

Em conversa com a AFP em março do mesmo ano, Jérôme Hinfray, chefe de informação científica da Liga Francesa Contra o Câncer, observou: “Os cientistas demonstraram que a molécula poderia ter propriedades antiproliferativas, que retardam o desenvolvimento das células cancerígenas, e propriedades antimetastáticas, que impediriam a propagação do câncer nos organismos dos animais que foram usados no experimento”.

No entanto, “em nenhuma circunstância podemos transpor dados de um modelo experimental em ratos para um tratamento em humanos”, disse Claude Linassier, oncologista e diretor da Unidade de Prevenção, Organização e Vias de Cuidado do Instituto Nacional do Câncer da França. “Antes que qualquer medicamento possa ser usado no tratamento do câncer, ele deve ser testado em três tipos de ensaios clínicos”, explicou.

O especialista também destacou que as alegações de que a ivermectina pode curar o câncer “são falsas ou fantasiosas e não se baseiam em nenhum dado científico”. Também alertou que esse tipo de desinformação “é especialmente perigosa” porque frequentemente inclui recomendações de doses incomuns que podem ser tóxicas.

Atualmente, a eficácia desse medicamento no tratamento do câncer é uma das linhas de pesquisa dos cientistas, mas está longe de ser considerada uma alternativa aos tratamentos existentes, como explicaram especialistas à AFP em janeiro de 2025.

Possíveis efeitos colaterais 

O texto viral afirma que a ivermectina “só tem efeitos positivos”, mas, na realidade, ela também apresenta efeitos colaterais

A agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) especifica que uma sobredose desse medicamento “pode causar náuseas, vômitos, diarreia, hipotensão (pressão arterial baixa), reações alérgicas (coceira e urticária), tonturas, ataxia (problemas de equilíbrio), convulsões, coma e até a morte”.

A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) aponta que, embora a ivermectina seja “geralmente bem tolerada em doses aprovadas para outras indicações”, no caso de doses mais altas “a toxicidade não pode ser descartada”

Em 2020, o Escritório Nacional de Segurança da Cadeia Alimentar da Hungria alertou que a ivermectina destinada a uso veterinário pode ser perigosa e não deve ser tomada sob nenhuma circunstância.

Danos causados pela vacina?

A publicação viral também afirma que a ivermectina previne “danos causados por medicamentos criados com tecnologia de mRNA” e “bloqueia a entrada da proteína Spike nas células”. A AFP já desmentiu essas alegações em verificações publicadas em diferentes idiomas (1, 2).

A EMA considera que as vacinas de mRNA são seguras e eficazes, com base em dados coletados após bilhões de doses administradas em todo o mundo, conforme explicado pela AFP em uma checagem publicada em março de 2025.

Referências 

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