Robert Kennedy Jr. não ganhou processo com decisão de que imunizantes anticovid “não são vacinas”

A Suprema Corte dos Estados Unidos não decidiu a favor do secretário de Saúde norte-americano, Robert Kennedy Jr., em um processo que supostamente determinou que os imunizantes contra a covid-19 de RNA mensageiro "não são vacinas". No entanto, publicações visualizadas dezenas de vezes nas redes sociais desde 1° de maio de 2025 difundem essa alegação e acrescentam que a Corte reconheceu que os imunizantes são “terapias genéticas” que causam “danos irreparáveis”. Na verdade, não há registro de tal decisão do tribunal e as vacinas de mRNA não podem modificar genes humanos. 

“Robert F. Kennedy Jr. ganhou um processo contra todos os lobistas farmacêuticos. Vacinas co-vid NÃO são vacinas. O Supremo Tribunal afirma em sua decisão que os danos causados por terapias genéticas mR--N--A para a covid são irreparáveis. Como a Suprema Corte é a mais alta jurisdição dos Estados Unidos, não há recurso e todas as opções de recurso foram esgotadas”, afirmam publicações compartilhadas no Facebook. A alegação também circula em outros idiomas, como francês,alemão, croata, holandês, tcheco e húngaro.

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Captura de tela de uma publicação no Facebook, feita em 30 maio de 2025 (.)

Robert Kennedy Jr. foi nomeado secretário de Saúde dos Estados Unidos em janeiro de 2025 pelo presidente do país, Donald Trump, apesar das preocupações de muitos cientistas e profissionais da área devido aos questionamentos feitos pelo político à eficácia e aos efeitos das vacinas, além do apoio a teorias da conspiração.

Há vários anos, o secretário divulga uma falsa teoria que estabelece uma ligação entre a vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) e o autismo. A maneira como lidou com a epidemia de sarampo nos Estados Unidos - onde mais de mil casos foram registrados desde o início do ano - também foi muito criticada.

O advogado é acusado de repercutir teorias com informações falsas, como quando afirmou na Fox News, em março passado, que a vacina era "a causa de todas as doenças que o próprio sarampo causa: encefalite, cegueira”, entre outras coisas, como noticiado pela AFP. 

No entanto, as alegações virais — que foram compartilhadas de forma idêntica em 2023 e verificadas na época pela AFP — são falsas.

Sem registro na Suprema Corte dos Estados Unidos

As decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos estão disponíveis em seu site. 

Desde o início da pandemia de covid-19, em 2020, e a aprovação emergencial da vacina desenvolvida pelas farmacêuticas Pfizer-BioNTech, em dezembro daquele ano, Kennedy Jr. só esteve envolvido em um caso na Suprema Corte. 

A decisão, proferida em 29 de abril de 2025, diz respeito a uma ação judicial movida por hospitais referente a pagamentos a pacientes de baixa renda e sem seguro. Os termos "covid", "coronavírus" e "vacina" não aparecem no documento judicial.

Em 7 de maio de 2025, o Departamento de Saúde dos Estados Unidos negou a existência de uma decisão da Suprema Corte sobre as vacinas contra a covid-19, quando consultado pela AFP sobre o assunto. 

Falsa comparação com terapias genéticas

Em 2024, a  AFP verificou uma alegação falsa similar — que não mencionava Robert Kennedy Jr. — de que um tribunal dos Estados Unidos havia decidido que as injeções contra a covid-19 não seriam vacinas porque não “impediriam efetivamente a propagação” da infecção, mas apenas aliviariam os sintomas. No entanto, esse argumento foi um dos apresentados pelos autores da ação, e não na decisão oficial do tribunal.

Nas versões mais recentes, as publicações alegam que a Suprema Corte também confirmou que "os danos causados pelas terapias genéticas de mRNA da covid são irreparáveis", o que - além da ausência de uma decisão judicial sobre o assunto - também é falso.

Contatado pela AFP em 8 de maio de 2025, o Instituto Paul Ehrlich (PEI) — instituto federal alemão de vacinas e medicamentos biomédicos — explicou que as vacinas de mRNA, como outros imunizantes, são "usadas exclusivamente para a prevenção ou tratamento de doenças infecciosas" e que não têm "efeito de alteração genética".

No centro de muitas pesquisas e testes desde a década de 1990, as terapias genéticas geralmente consistem em substituir diretamente um gene defeituoso no corpo (in vivo) por um gene funcional, ou em modificar células geneticamente em laboratório antes de reinjetá-las no paciente (ex vivo), conforme explicado nesta matéria da AFP em 2021, que abordou essa falsa comparação entre vacinas de RNA mensageiro e terapias genéticas.

Assim, as terapias "modificam a informação genética para tratar ou prevenir doenças", o que não se aplica às vacinas de mRNA, explica o Instituto Paul Ehrlich. "De acordo com todo o conhecimento disponível, o RNA mensageiro contido nas vacinas não modifica o genoma humano".

Isso ocorre porque o mRNA presente nas vacinas não penetra no núcleo da célula, onde o material genético está localizado.

Na terapia genética, "toma-se cuidado para garantir que nenhuma resposta imune seja induzida, porque então a terapia não seria permanente", disse Ulrike Protzer, professora de virologia na Universidade Técnica de Munique e pesquisadora do Centro Alemão de Pesquisa de Infecções, à AFP em 7 de maio de 2025.

Portanto, as vacinas de mRNA fazem exatamente o oposto da terapia genética: “Ao contrário da terapia genética, elas são projetadas para desencadear uma resposta imunológica específica", explicou Protzer.

"As vacinas de mRNA não modificam os genes humanos, o que seria o objetivo da terapia genética", concordou Marcus Altfeld, diretor científico do Instituto Leibniz de Virologia e chefe do Departamento de Imunologia dos Vírus, entrevistado pela AFP em 8 de maio de 2025.

Efeitos colaterais raros 

Em relação aos supostos danos "irreparáveis" causados pelas vacinas de mRNA, o Instituto Paul Ehrlich informou que "o banco de dados disponível de ensaios clínicos envolvendo dezenas de milhares de participantes e um número excepcionalmente alto de vacinações, com as vacinas contra a covid-19 aprovadas no Espaço Econômico Europeu [União Europeia e Islândia, Liechtenstein e Noruega], mostram que as vacinas são seguras, eficazes e geralmente bem toleradas".

Por sua vez, Ulrike Protzer lembrou que a ocorrência de sintomas persistentes após a vacinação com vacinas de mRNA só ocorre "em casos muito raros". E, em todo caso, "o dano não é causado diretamente pela vacina de mRNA, mas, normalmente, por uma resposta imunológica excessiva ou uma reação inflamatória", explicou.

A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) é responsável por coletar - por meio do banco de dados EudraVigilance - "notificações de reações adversas suspeitas de estarem relacionadas a medicamentos" autorizados no Espaço Econômico Europeu e publicá-las em seu site.

De acordo com a EMA, aproximadamente um bilhão de doses da vacina contra a covid-19 foram administradas no Espaço Econômico Europeu até dezembro de 2023. Os efeitos colaterais suspeitos mais comuns relatados para esses imunizantes são dores de cabeça e musculares, fadiga e febre. “Eles geralmente são leves ou moderados e melhoram alguns dias após a vacinação”, diz a agência.

Também foram identificados casos raros de paralisia facial periférica (perda parcial da função de parte dos músculos faciais), miocardite/pericardite (inflamação do músculo cardíaco), sangramento menstrual intenso e eritema multiforme (erupção de manchas na pele).

Referências

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