Funcionária prepara dose da vacina da Pfizer Comirnaty Omicron XBB 1.5 contra a covid-19 em uma farmácia em Ajaccio, na França, em 5 de outubro de 2023 ( AFP / Pascal POCHARD-CASABIANCA)

Posts deturpam o maior estudo do mundo sobre segurança das vacinas contra covid-19

Em fevereiro de 2024, uma iniciativa internacional que contou com o apoio de oito países publicou o maior estudo revisado por pares do mundo sobre a segurança das vacinas contra a covid-19. Desde então, publicações compartilhadas mais de 7 mil vezes nas redes sociais alegam que o artigo mostra que os imunizantes não são seguros. Mas autores do estudo e especialistas independentes afirmam que a pesquisa demonstra que os efeitos adversos à vacinação são raros e têm menos riscos do que a infecção pela covid-19.

“Estudo maciço revela mais más notícias para os vacinados contra a Covid. Os ‘teóricos da conspiração’ tinham razão mais uma vez. Existem enormes riscos para a saúde decorrentes da vacina, por muito que os meios de comunicação social tentem minimizá-los”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook, no Instagram, no X e no Telegram.

Alegações similares também circulam em inglês, espanhol e francês.

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Captura de tela feita em 29 de fevereiro de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

O conteúdo pode ser encontrado em diferentes versões. Uma das mais recorrentes compartilha um vídeo de Del Bigtree, dirigente de uma das organizações antivacina mais bem financiadas nos Estados Unidos. Na gravação, ele comenta os resultados de um estudo publicado em 12 de fevereiro de 2024 na revista Vaccine, que analisou a segurança dos imunizantes contra a covid-19 em oito países. 

As alegações fazem parte da mais recente onda de desinformação sobre as vacinas contra a covid-19, que, segundo pesquisadores, salvaram milhões de vidas.

O epidemiologista Anders Peter Hviid, um dos autores do estudo, disse à AFP que os resultados confirmam pesquisas anteriores e não devem impedir que as pessoas recebam os imunizantes.

“O que nós concluímos é que as campanhas de vacinação contra a covid-19 têm sido muito efetivas para prevenir doenças graves”, ele afirmou em fevereiro de 2023. “Os poucos efeitos colaterais que nós observamos neste e em outros estudos têm sido raros.”

Riscos cardíacos

A Global Vaccine Data Network coordenou a pesquisa citada nas redes, que inclui registros de mais de 99 milhões de pessoas vacinadas em países como Austrália, Canadá, França, Dinamarca, Escócia, Argentina, Finlândia e Nova Zelândia.

Pesquisadores compararam a variação de 13 efeitos adversos após a vacinação contra a covid-19 com a incidência das mesmas condições entre 2015 e 2019, antes da pandemia. Os autores identificaram cada evento adverso para o qual a ocorrência foi maior que 1,5 vezes a taxa esperada — o que os especialistas calculam ser observado por acaso após a vacinação — como um “sinal de segurança”, embora notem que isso não significa uma “relação causal”.

Esse foi o caso para a miocardite, uma inflamação do músculo cardíaco, e a pericardite, uma inflamação da membrana que envolve o coração.

Dados da França e do Canadá já haviam indicado um risco maior de complicações cardíacas, particularmente para homens mais jovens que receberam vacinas de RNA mensageiro (mRNA). Mas Hviid afirmou que tais associações são “raras e possuem bons prognósticos”.

Outro autor do estudo, Jeff Kwong, concordou com Hviid, acrescentando que as conclusões do artigo não o fazem hesitar em recomendar a vacinação.

“Na verdade, esse estudo reforça que as vacinas contra a covid-19 são muito seguras”, disse à AFP em 27 de fevereiro.

Kwong, diretor associado do Centro de Doenças Preveníveis por Vacinas da Universidade de Toronto, afirmou que a pesquisa comprovou a habilidade dos sistemas nacionais de monitoramento de detectar efeitos adversos raros — e que, portanto, riscos mais comuns já teriam sido identificados.

Ele reiterou que pacientes também devem considerar os maiores riscos associados à infecção de covid-19.

Uma metanálise de 22 artigos, publicada em agosto de 2022, descobriu uma chance sete vezes mais alta de indivíduos infectados com a covid-19 desenvolverem miocardite do que aqueles que receberam a vacina.

Riscos de coágulos

Além de riscos cardíacos, o estudo confirmou o potencial para trombose venosa cerebral — coágulos que impedem a drenagem de sangue no cérebro. 

Indivíduos vacinados com o imunizante da AstraZeneca possuíam um risco três vezes maior do que o esperado. Mas a condição é rara: pesquisadores observaram apenas 69 casos entre as 99 milhões de pessoas vacinadas, em comparação a 21 casos esperados.

Já em abril de 2021, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês) indicava que coágulos sanguíneos deveriam ser listados como efeitos colaterais “muito raros” da vacina AstraZeneca.

A autoridade sanitária canadense Health Canada também conduziu uma revisão de segurança em 2021 e ajustou os rótulos dos produtos para incluírem o risco de coágulos, enquanto continuou fornecendo o imunizante da AstraZeneca para pessoas acima de 18 anos.

Casos raros de trombose após a vacinação com imunizantes com vetor de adenovírus, como o da AstraZeneca, também foram reconhecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em junho de 2021.

Riscos neurológicos

O estudo publicado na Vaccine identificou “um aumento estatisticamente significante” de casos da síndrome de Guillain Barré, uma doença autoimune que ataca o sistema nervoso. Dentro de 42 dias após a primeira dose de AstraZeneca, 190 casos foram observados, em contraste com os dois esperados.

Tais resultados motivaram uma manchete enganosa da agência RT: “Pessoas vacinadas contra a covid têm maior risco de doenças neurológicas”.

A agência de notícias russa atualizou o artigo desde então, mas a alegação enganosa continuou a se espalhar por capturas de tela no Facebook e em outros sites.

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Captura de tela feita em 26 de fevereiro de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

Hviid, do Statens Serum Institut na Dinamarca, disse que a pesquisa em questão “não prova uma ligação de causa e efeito” entre doenças neurológicas e a vacinação. Ele acrescentou que ele e seus co-autores só descobriram esse “mínimo risco em potencial” devido à escala massiva de seu estudo.

“Esses indicativos foram para as primeiras doses das vacinas da AstraZeneca e da Moderna”, ele adicionou. “Nós não os vimos após outras doses dessas duas vacinas contra a covid-19, nem depois de qualquer dose do imunizante da Pfizer/BioNTech, que tem sido o mais utilizado”.

A epidemiologista Katrine Wallace afirmou em uma publicação em seu blog que o estudo está longe de ser a “bomba” mencionada em alguns círculos anti-vacinas, apontando dados que mostram que a maioria das pessoas que recebem uma vacina contra a covid-19 “ou não apresentam qualquer reação, ou apresentam reações leves e autolimitadas (febre, calafrios, cansaço, e dores de cabeça etc)”.

Outros médicos já afirmaram repetidamente à AFP que, apesar de alguns efeitos colaterais raros, os benefícios da vacinação contra a covid-19 superam os riscos. 

Referências

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