Os homens com tatuagens nazistas fotografados em uma praia são húngaros, não refugiados ucranianos

Circulam nas redes sociais fotografias de dois homens com tatuagens nazistas com a afirmação de que são refugiados ucranianos em uma praia da Croácia. As publicações foram compartilhadas milhares de vezes, em múltiplos idiomas, desde 16 de julho de 2022. No entanto, os dois homens são húngaros e conhecidos na cena do rock “skinhead”.

“Refugiados ucranianos na Croácia”, diz uma das publicações que circulam no Facebook (1, 2) e Twitter (1, 2).

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Captura de tela feita em 1 de agosto de 2022 de uma publicação no Twitter ( . / )

Conteúdo similar circula em espanhol, francês, alemão e croata.

Tatuagens de símbolos nazistas na costa croata

Desde a invasão russa na Ucrânia, em fevereiro de 2022, circulam nas redes informações falsas nas quais ucranianos são acusados de serem nazistas, reverberando um dos argumentos de Moscou, que alega ter invadido o país vizinho para “desnazificá-lo”.

Segundo um relatório de julho de 2022 do Observatório Europeu de Mídias Digitais, os refugiados ucranianos que fugiram do conflito são um dos grandes alvos da desinformação.

A AFP recebeu estas fotos de Michael Colborne, analista do site de investigação Bellingcat e especialista no batalhão ucraniano de Azov. Colborne compartilhou estes tuítes e uma publicação de 16 de julho de 2022 do site croata Antifašistički Vjesnik que afirma que os dois homens são húngaros e que o mais alto tocou na banda de rock Fehér Törvény.

Segundo o artigo do Antifašistički Vjesnik, os dois homens foram fotografados no bar Morski Prasac em Rijeka. A AFP pode comprovar essa informação ao comparar fotos do bar publicadas no Google Maps com a viralizada.

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Comparação de capturas de tela realizada em 1 de agosto de 2022
de uma publicação no Twitter e uma imagem no Google Maps ( . / )

Depois que o Antifašistički Vjesnik publicou as fotos, a polícia croata disse ao meio de comunicação local Dnevnik que, em 13 de julho de 2022, recebeu uma denúncia sobre os dois homens tatuados e agentes foram ao bar para fazer uma investigação. O mesmo foi confirmado pela autoridade à AFP em 20 de julho de 2022.

“Imediatamente depois do relato, os policiais foram enviados à praia. Ao falar com o pessoal do restaurante, foram informados de que os homens mencionados haviam estado nesta praia, mas dez dias antes”, disse um porta-voz da administração do condado croata de Primorsko-goranska. Ele acrescentou que, naquele momento, não possuíam informação sobre sua identidade.

O Antifašistički Vjesnik afirmou que encontrou o homem com o rosto tatuado em fotos do site Blood and Honour Hungria. Uma foto datada de 2018 o mostra com menos tatuagens no rosto, tocando guitarra e vestindo uma camiseta com o lema “Blood and Honour” ("Sangue e Honra”, em português).

Segundo o Counter Extremism Project, organização internacional que combate movimentos extremistas, o Blood and Honour é um grupo que defende a supremacia branca e que e tem grupos afiliados em vários países, incluindo a Hungria e a Croácia.

De acordo com uma mensagem publicada em 3 de julho de 2022 no grupo de Telegram “Blood and Honour Hungary”, um dia antes havia ocorrido um show na Croácia com três bandas, incluindo uma de nome húngaro: “Fehér Törvény” (“Lei Branca”). Isto coincide com a informação de que os dois homens foram vistos na praia “dez dias antes” da polícia croata receber a denúncia, em 13 de julho.

Publicações anteriores no grupo do Telegram mostram que o evento acontece anualmente na Croácia.

Integrantes da cena musical húngara

Nos comentários de uma publicação da Antifašistički Vjesnik no Facebook, o grupo AntifaInfo Budapest reconheceu os dois homens como húngaros e identificou o indivíduo com o rosto tatuado como “Anka Kristóf, membro da banda ‘Hunnia’”.

Uma busca no YouTube pela palavra “Hunnia” levou a vídeos da banda nos quais o homem alto da foto pode ser visto tocando guitarra (1, 2).

A AFP encontrou um perfil no Facebook de nome Kristóf Anka com fotos mais recentes do mesmo homem, com as mesmas tatuagens no rosto. A conta deste usuário na rede social não está mais disponível.

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Comparação entre capturas de tela feitas em 2 de agosto de 2022 entre uma foto de perfil do Facebook e uma publicação no Twitter ( . / )

Nesta foto em preto em branco, o homem usa uma camiseta com o nome do grupo Fehér Törvény. No seu perfil também compartilhou um cartaz para um show do qual essa banda e a banda Hunnia participaram.

Na página do Facebook da banda Hunnia foi encontrado uma foto do mesmo homem com o rosto tatuado sobre um palco junto a outros indivíduos e a descrição em húngaro: “Obrigado Balázs, Romer, RockStrand!”. A mesma página mostra várias fotos do mesmo indivíduo (1, 2, 3).

A banda Fehér Törvény se apresentou na cidade húngara de Velence em 1º de julho de 2022 para um show chamado Rock Strand, o mesmo ao qual a foto da Hunnia faz referência e que foi publicada no Facebook nesse mesmo dia.

Em nenhuma parte do perfil de Kristóf Anka, que não está mais disponível publicamente, havia alguma menção à Ucrânia ou se usava o idioma ucraniano, somente o húngaro.

As duas bandas, Féher Törvény e Hunnia, somente lançaram canções em húngaro e ocasionalmente em inglês, segundo sites especializados em música (1, 2).

No perfil no Facebook de um dos “amigos” de Anka - perfil que também não está mais disponível - foram encontradas fotos do homem mais baixo visto nas imagens viralizadas, identificado como Ádám Tóth. Nesta foto, publicada em 24 de junho de 2022, ele aparece com um microfone na mão e está em frente a um cartaz que diz Fehér Törvény. Em outra foto, publicada cinco dias antes, ele veste uma camisa com a palavra “fehér”.

Várias tatuagens, como os símbolos na panturrilha direita e a teia de aranha no cotovelo direito, assim como o boné preto e o alargador na orelha, coincidem com os do homem fotografado na Croácia.

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Comparação entre capturas de tela feitas em 2 de agosto de 2022 de publicações no Facebook ( . / )

A parte pública do perfil do Facebook de Tóth, que foi eliminado e não está mais disponível, também estava em húngaro e não mencionava a Ucrânia. Os comentários estavam escritos em húngaro, e não em ucraniano.

A AFP verificou outras publicações que apontam soldados e cidadãos ucranianos como sendo nazistas e inclusive o presidente do país, Volodimir Zelensky.

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