
Falsa reportagem sobre propriedades de Zelensky usa indevidamente a identidade de uma jornalista britânica
- Publicado em 29 de setembro de 2025 às 20:04
- 6 minutos de leitura
- Por Eduard STARKBAUER, AFP Eslováquia
- Tradução e adaptação AFP Colombia , AFP Brasil
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“Uma funcionária fugitiva do Escritório Nacional de Luta Contra a Corrupção da Ucrânia, o NABU, descobriu mais de 100 propriedades no valor de 1,2 mil milhões de dólares, pertencentes a Zelensky - London Telegraph”, é a legenda de uma publicação no Facebook. Conteúdo semelhante também circula no Telegram e em outros idiomas, como eslovaco, tcheco, croata, sérvio, alemão, romeno, francês, inglês, espanhol e italiano.
A alegação circula junto a um vídeo que mostra a imagem oculta de uma mulher e duas gravações de áudio de “Olena K”, uma suposta funcionária do Nabu. Na gravação, a mulher afirma que o presidente ucraniano e três pessoas próximas a ele compraram propriedades na Espanha, Reino Unido, França, Itália e Emirados Árabes Unidos. Ao final, a suposta reportagem mostra o logotipo do site “London Telegraph”.

A equipe de checagem da AFP já verificou diversos conteúdos falsos e enganosos relacionados à guerra na Ucrânia. De acordo com um relatório do governo francês, a Rússia conduz uma campanha organizada de guerra de informações para legitimar e obter apoios em seu conflito contra a Ucrânia.
Uma busca reversa no Google pela captura de tela da gravação levou à fonte citada nas postagens: o artigo de um site chamado London Telegraph, publicado em 26 de agosto de 2025.
O texto afirma que uma ex-investigadora do Escritório Nacional Anticorrupção da Ucrânia (Nabu), identificada como “Olena K”, teria descoberto uma suposta rede de propriedades ligada a Zelensky.
De acordo com o artigo, “Olena K” supervisionava uma força-tarefa que monitorava transferências de dinheiro para uma rede de empresas fantasmas, usadas para adquirir propriedades de luxo para o presidente ucraniano e seus aliados próximos.
Os documentos exibidos no vídeo supostamente comprovam a compra de 26 imóveis na Espanha, 14 no Reino Unido, 21 na França, 34 nos Emirados Árabes Unidos e oito na Itália. No entanto, não são fornecidos detalhes específicos que permitam verificar essa informação.
Por meio de uma nova busca reversa de imagens no Google, foi possível determinar que os supostos documentos se referem a um caso diferente.
A mesma foto de papéis sobre uma mesa foi encontrada em um artigo sobre uma investigação por traição contra Fedor Christenko, membro do parlamento ucraniano. Os documentos originais foram publicados no site da Procuradoria-Geral da Ucrânia e não têm ligação com o presidente Zelensky ou com as pessoas mencionadas no artigo do London Telegraph. O texto desfocado dos documentos impossibilita sua leitura.

O Centro de Combate à Desinformação, órgão do Conselho de Segurança Nacional e Defesa da Ucrânia, alertou sobre essa reportagem falsa. A organização NewsGuard, que monitora a disseminação de desinformação, e uma fonte próxima ao governo francês confirmaram que essa alegação é parte de uma operação de influência russa conhecida como Storm-1516.
❗️Information about "100 real estate properties of Volodymyr Zelensky worth $1.2 billion" — FAKE. pic.twitter.com/K1jK7jzyep
— Center for Countering Disinformation (@CforCD) August 27, 2025
Uso indevido de identidade
Nenhuma das publicações apresenta evidências ou documentos específicos sobre as supostas transações imobiliárias. Todas as acusações são baseadas no depoimento de “Olena K”.
Uma busca avançada por palavras-chave no Google não resultou em nenhum artigo publicado pela imprensa sobre uma descoberta semelhante.
Uma análise feita com a ferramenta WhoIS, site que fornece informações sobre domínios na internet, mostrou que a página do London Telegraph foi criada em 14 de agosto de 2025, duas semanas antes da publicação do artigo. As últimas postagens no site datam de 27 de agosto de 2025.
Os links para os perfis em redes sociais da página não redirecionam para contas ativas, mas para um modelo da plataforma de criação de sites WordPress.
O nome do site, o domínio e o logotipo exibidos no vídeo viralizado são semelhantes à identidade gráfica do jornal britânico The Daily Telegraph.

No texto do London Telegraph, o nome da suposta autora do artigo, Charlotte Davies, aparece ao lado da fotografia de uma mulher. Uma busca reversa no Google pela imagem revelou que, na verdade, a foto pertence à jornalista Helen Brown.
Brown confirmou à AFP, em 10 de setembro de 2025, que ela não é a autora do artigo.
“Ao longo da minha carreira, principalmente no jornalismo de arte, me dediquei a informar de forma honesta e aprofundada”, disse em 13 de setembro.
“Por isso, fiquei horrorizada ao ver que meu perfil foi usado de forma indevida por pessoas desconhecidas e associado a um nome falso e a uma publicação falsa. Nunca escrevi sobre Zelensky nem sobre seus negócios financeiros. Os leitores devem estar atentos ao ler esse tipo de publicação nas redes sociais”, afirmou.

Após a divulgação da reportagem falsa, The Daily Telegraph publicou uma entrevista com Brown em 14 de setembro de 2025, na qual ela explica como sua identidade foi usada indevidamente no site falso London Telegraph.
A AFP entrou em contato com o Nabu para verificar a existência de “Olena K”, a suposta informante mencionada no artigo. Em um e-mail enviado em 10 de setembro de 2025, o porta-voz da instituição confirmou que, embora exista um “Departamento de Desenvolvimento Organizacional, Analítico e Estratégico” — citado no vídeo e no artigo —, essa pessoa não trabalha e nunca trabalhou no órgão.
Além disso, o porta-voz afirmou que o Nabu não tem conhecimento de descobertas semelhantes, tampouco de vazamentos de contratos de compra ou transferências bancárias relacionadas às pessoas mencionadas no texto e no vídeo.
Deepfakes em áudio e outras inconsistências técnicas
Uma análise do áudio do vídeo, usando a ferramenta Deepfake Total do Instituto Fraunhofer, utilizada para avaliar a autenticidade do som, revelou que as vozes masculina e feminina foram geradas digitalmente.

Uma nova análise, usando a ferramenta de detecção de áudio gerado por inteligência artificial do InVID WeVerify, indicou 99% de probabilidade de uso de IA.

O vídeo com as acusações contra Zelensky usa, além do mais, um template disponível gratuitamente em várias plataformas (1, 2) e não pertence a nenhum veículo de comunicação.