Homem vota no segundo turno das eleições presidenciais em Bucaramanga, na Colômbia, em 19 de junho de 2022 ( AFP / Raul Arboleda)

Participação, e não abstenção, influenciou resultados eleitorais na Colômbia e no Chile

Publicações compartilhadas mais de 10 mil vezes nas redes sociais ao menos desde 19 de junho de 2022 apontam supostas altas taxas de abstenção como decisivas para a vitória da esquerda na Colômbia, com Gustavo Petro, e no Chile, com Gabriel Boric. Mas dados oficiais mostram que mais eleitores participaram do último pleito nos dois países, ainda que o voto não seja obrigatório em ambos os casos. À AFP, analistas locais apontaram esse como um dos fatores que impactaram nos resultados, ao contrário da abstenção.

“Em outubro não deixe de ir votar. A abstenção de votos fez a esquerda vencer no Chile e na Colômbia”, dizem as mensagens, compartilhadas no Facebook, Twitter e Instagram. “Muito estranho será que a fraude está nessas ABSTENÇÕES!”, indagam outros usuários.

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Captura de tela feita em 29 de junho de 2022 de uma publicação no Twitter ( . / )

Mas os números mostram que as taxas de abstenção nos pleitos presidenciais de junho de 2022, na Colômbia, e de dezembro de 2021, no Chile, foram mais baixas nos dois países se comparadas com as eleições anteriores.

“Em nenhum desses dois países o resultado da eleição vem da abstenção”, comenta Marta Lagos, cientista política chilena e fundadora do órgão de medição da opinião pública Latinobarómetro. Ela acrescenta que, na verdade, ocorreu o contrário:

Colômbia

Mais de 22 milhões de colombianos votaram no segundo turno da disputa presidencial entre Gustavo Petro, senador e ex-prefeito de Bogotá, e Rodolfo Hernández, ex-governante de Bucaramanga, em 19 de junho de 2022. O número corresponde a 58,09% de participação, um aumento se comparado às eleições de 2018, quando 53,11% saíram para votar no país onde não há essa obrigação.

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Captura de tela feita em 1º de julho de 2022 do site do órgão eleitoral colombiano ( . / )

A eleição de Petro, portanto, aconteceu em um contexto de maior participação, e não o oposto.

O órgão eleitoral colombiano ressaltou um marco histórico: “No segundo turno presidencial de 2022, foi registrada a menor abstenção dos últimos 24 anos”.

Mauricio Jaramillo, professor da Faculdade de Estudos Internacionais Políticos e Urbanos da Universidade do Rosário, na Colômbia, afirmou à AFP que a abstenção é um fator importante na cultura política colombiana, e que em algumas eleições ela foi relevante, mas não determinante. Ele disse que o resultado das últimas eleições não pode ser atribuído a isso “de forma alguma”.

“Devemos lembrar que quase 58-59% da participação foi alcançada, e para a tendência colombiana é um resultado notável, superado apenas pela eleição de 1998, que teve um recorde histórico de participação”, acrescentou Jaramillo.

Yann Basset, que leciona na mesma faculdade, concorda: “Realmente, mais que a abstenção, é a participação e como se participou que explica o resultado”.

De acordo com Jaramillo, houve um engajamento de eleitores da esquerda para eleger um presidente desse espectro pela primeira vez na história do país, aumentando a participação.

Isso se explica pelo fato de que, em geral, trata-se de um público mais difícil de ser mobilizado em uma eleição, comentou Basset.

“São os mais pobres nas periferias, são áreas mais distantes do centro do país, no Pacífico, no Caribe e no sul do país. E são os jovens, que em geral votam menos”, e que participaram mais nessa ocasião, disse o professor.

No entanto, de acordo com o órgão eleitoral, a taxa de abstenção geral teve uma redução de 4,24 pontos “em relação ao segundo turno das eleições presidenciais de 2018”. Portanto, não foi decisiva, como lembram os especialistas consultados pela AFP.

Chile

O caso do Chile, onde o voto passou a ser voluntário em 2012, foi similar. Nas eleições presidenciais de 2021, encabeçadas pelo atual presidente, Gabriel Boric, e por José Antonio Kast, mais de 8 milhões de pessoas saíram para votar no segundo turno, número equivalente a 55,64% dos eleitores habilitados.

Um movimento parecido com o que aconteceu na Colômbia levou os chilenos a votarem em maior peso. “Boric ganha porque consegue aumentar o nível de participação eleitoral. Em ambos os casos [Boric e Petro], mobiliza-se uma parcela do eleitorado que estava adormecida, que é o que produz a mudança na balança no segundo turno”, explicou a chilena Marta Lagos.

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Gabriel Boric em ato após divulgarem os resultados oficiais do segundo turno da eleição presidencial, em Santiago, em 19 de dezembro de 2021 ( AFP / Javier Torres)

Em 2017, mais de 7 milhões de chilenos, 49,01% das pessoas habilitadas, votaram na disputa presidencial de segundo turno, o que equivale a cerca de 6 pontos percentuais a menos de participação em comparação com o pleito de 2021.

“Boric foi o presidente com a maior quantidade de votos na história do país e o segundo turno foi o pleito com maior participação desde o voto voluntário”, destacou Gonzalo Espinoza, cientista político chileno e coordenador do Observatório Político Eleitoral da Universidade Diego Portales (UDP).

Ele citou algumas razões que explicariam por que a abstenção em eleições chilenas recentes não favoreceu candidatos de determinado espectro político: “Por um lado, se poderia supor que a quantidade de votos foi tão grande que representou as preferências dos que se abstiveram. Portanto, não teria alterado o resultado. Por outro lado, as eleições pós-outubro de 2019 foram marcadas por campanhas que se polarizaram. Esse tipo de eleição desperta o interesse dos cidadãos, levando as pessoas a se tornarem ativas e participarem politicamente”.

Assim, completou, quem não votou não o fez porque definitivamente não tem interesse em questões de política institucional, ou porque se absteve conscientemente.

A AFP já verificou diversos conteúdos a respeito dos pleitos eleitorais na Colômbia (1, 2, 3) e no Chile (1, 2, 3).

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