Pesquisa sobre aprovação de Putin na França é falsa; Le Figaro não publicou reportagem com dados

Após o aumento das tensões entre países europeus e a Rússia desde o início de março de 2025, uma suposta reportagem circula nas redes sociais com a afirmação de que “mais de 71% dos franceses” consideram “que sua vida seria melhor” se Putin fosse presidente da França. Mas os dados não foram encontrados no site do Ifop - instituto de opinião que os teria produzido -, e um profissional do jornal Le Figaro - que teria divulgado o conteúdo - informou que a identidade do veículo foi fraudada.

“Mais de 71% dos franceses têm certeza de que sua vida seria melhor se Putin fosse presidente da França - mostra uma pesquisa social na França”, afirma uma publicação visualizada cerca de 4 mil vezes no X, acompanhada de um vídeo supostamente feito pelo jornal francês Le Figaro. A alegação também circula no Facebook e no Telegram

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Captura de tela feita em 14 de abril de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

O vídeo já havia circulado na Europa no final de março e foi difundido em particular por contas e sites abertamente pró-Rússia. 

Um desses foi o "Pravda.fr", a versão francesa de um veículo com vários sites semelhantes a portais de notícias, mas que regularmente difundem conteúdo falso ou enganoso, alguns dos quais foram verificados pela AFP (1, 2, 3). 

De acordo com o serviço francês especializado em rastrear interferências digitais estrangeiras, Viginum, este site pertence a uma rede "estruturada e coordenada" de 193 portais que disseminam propaganda russa direcionada a países europeus e aos Estados Unidos. 

Vídeo falso 

O vídeo viral reproduz o logotipo, o design e até cita nomes de pessoas que trabalham para Le Figaro. Mas buscas avançadas usando palavras-chave em francês no Google e no site do veículo não identificaram nenhum conteúdo relacionado à suposta pesquisa compartilhada por usuários.

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Captura de tela feita em 4 de abril de 2025 de uma pesquisa no site do jornal Le Figaro (.)

No entanto, a busca mostra uma matéria publicada em maio de 2017 pelo jornal em que citou uma pesquisa do instituto Odoxa para o Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris) e o Le Parisien-Aujourd'hui en France, que indicava que “quase 71% dos franceses acreditam que o presidente russo desempenha um papel negativo no cenário internacional”. 

Romain Courcier, gerente de redes sociais do jornal Le Figaro, cujo nome é citado como o jornalista por trás da suposta reportagem viralizada, também compartilhou em sua conta no X duas verificações que mostraram que o vídeo é falso: uma da France 24 e outra do Konkret24, portal de checagem de fatos polonês, em que Courcier afirmou que o conteúdo não havia sido feito “nem por ele e nem pela equipe editorial” do jornal francês.  

Uma nova pesquisa, usando palavras-chave incluindo “Ifop”, instituto que supostamente produziu os dados compartilhados no vídeo viral, tampouco levou a resultados correspondentes.

O conteúdo menciona que "mais de 71% dos franceses" são a favor de Vladimir Putin e que a pesquisa entrevistou “pessoas de 21 a 85 anos”, dois detalhes incomuns porque os institutos de pesquisa geralmente mencionam porcentagens exatas em seus resultados (e não "mais de"). Além disso, para uma amostragem composta por adultos, o mais usual é que se entrevistem pessoas acima de 18 anos.

No site do Ifop, foi possível encontrar menção a uma pesquisa publicada em 7 de março de 2025, com o objetivo de medir “a visão francesa do conflito russo-ucraniano”. No entanto, a página de apresentação da sondagem apresenta números completamente diferentes dos viralizados.

"Vladimir Putin (...) é amplamente rejeitado, com apenas 10% de opiniões favoráveis, um número extremamente baixo, acompanhado por uma rejeição massiva de 84%, em que 66% expressam uma opinião muito negativa", lê-se no relatório.

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Captura de tela feita em 9 de abril de 2025 de texto no site do Ifop, com parágrafo assinalado pela AFP (.)

Outra pesquisa sobre “os franceses e a guerra na Ucrânia”, publicada  dias antes pelo instituto Elabe, apontava na mesma direção. De acordo com a página de apresentação do relatório, “86% [dos franceses] têm uma imagem ruim de Vladimir Putin”, “incluindo 69%” que indicaram ter “uma imagem muito ruim” do presidente russo. 

Mimetização da mídia tradicional

A desinformação contra a Ucrânia e seus apoiadores europeus se intensificou após as críticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao seu homólogo ucraniano, Volodimir Zelensky, e à postura mais conciliatória de Washington em relação à Rússia.

As tensões também persistem entre os líderes europeus e o presidente russo devido a divergências sobre os termos de um cessar-fogo na Ucrânia. 

A mimetização da mídia tradicional em peças de desinformação faz parte da gama de técnicas usadas na vasta operação de influência pró-Rússia conhecida como Doppelgänger, revelada em 2022 pela EU DisinfoLab, uma organização especializada no combate à desinformação. 

Referências

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