É montagem o vídeo de oficial ucraniano admitindo a participação do país no ataque em Moscou

Em 22 de março de 2024, um atentado na casa de shows Crocus, nos arredores de Moscou, atribuído ao grupo jihadista Estado Islâmico (EI), deixou mais de 140 mortos. Neste contexto, publicações com centenas de interações nas redes sociais compartilham um vídeo em que o então secretário-geral do Conselho de Segurança e Defesa da Ucrânia, Oleksiï Danilov, parece afirmar que o seu país é responsável pelo ataque. Mas isso é falso: a sequência é uma montagem que mistura duas gravações anteriores ao ataque.

“Danilov sobre ataque terrorista em Moscow: ‘Está divertido em Moscou hoje? Eu acho que está muito divertido. Espero que nós continuemos a ter esse tipo de diversão com mais frequência. Afinal, são nossos "irmãos" e devemos alegrá-los e visitá-los mais vezes.’ O que acham?”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook e no X.

O conteúdo também circula em espanhol, francês, alemão e inglês. Além disso, foi difundido em russo pelo canal NTV, como indica o portal Meduza, sediado na Letônia, em um artigo que verifica a autenticidade do vídeo.

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Captura de tela feita em 2 de abril de 2024 de uma publicação no X (.)

Em 22 de março, atiradores abriram fogo na casa de shows Crocus City Hall, nos arredores de Moscou, e incendiaram o edifício. Esse atentado, o mais letal dos últimos 20 anos na Rússia, deixou pelo menos 144 mortos e 551 feridos, incluindo crianças.

Após o ataque, 12 suspeitos foram detidos, incluindo quatro supostos autores do crime, que permanecem em prisão preventiva.

A Rússia acusou a Ucrânia e seus aliados ocidentais de terem facilitado o atentado, mesmo após o Estado Islâmico (EI) ter assumido a autoria.

Em 26 de março, Oleksiï Danilov, mencionado nas publicações, foi destituído de seu cargo de secretário-geral do Conselho de Segurança e Defesa, segundo um decreto assinado pelo presidente ucraniano. Seu substituto foi Oleksandr Lytvynenko, ex-diretor do serviço de inteligência nacional, de acordo com um segundo decreto publicado no mesmo dia.

Contudo, o vídeo viral de Danilov, no qual ele admitiria a participação da Ucrânia no atentado, é falso.

Uma montagem

Uma busca reversa por fragmentos do vídeo no Google, dando foco na imagem de Danilov, conduziu a uma entrevista publicada no canal do veículo ucraniano Ukrainska Pravda no YouTube, em 19 de março de 2024 — três dias antes do ataque em Moscou.

Na sequência, o então secretário-geral do Conselho de Segurança e Defesa faz os mesmos movimentos e aparece na mesma posição, com a mesma roupa e no mesmo ambiente do vídeo viralizado nas redes sociais.

Entretanto, em nenhum momento Danilov diz as palavras atribuídas a ele pelos usuários. Na verdade, durante a entrevista, ele foi interrogado sobre um possível envio de tropas francesas para a Ucrânia após comentários do presidente Emmanuel Macron em 26 de fevereiro.

Além disso, as pessoas vistas na esquerda do vídeo viral, que parecem estar conduzindo a entrevista, não aparecem nesta sequência. Em seu lugar, está um apresentador do jornal Ukrainska Pravda.

Uma nova busca reversa por fragmentos do vídeo no Google, dessa vez com foco nas imagens dos dois jornalistas, revelou que a entrevista original não mostra Danilov, mas outro funcionário ucraniano: Kyrylo Budanov, chefe da inteligência militar da Ucrânia.

O vídeo foi publicado em 16 de março de 2024 no canal do veículo ucraniano My Ukraina no YouTube, do qual ambos os âncoras fazem parte.

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Comparação feita em 2 de abril de 2024 entre capturas de tela de uma publicação no X (acima) e dois vídeos no YouTube, um publicado por My Ukraina (E) e outro publicado por Ukrainska Pravda (D) (.)

Comentários “muito provavelmente” gerados por IA

As supostas declarações de Danilov apresentadas na sequência viral vão contra as declarações oficiais de Kiev, que pouco após o anúncio do ataque negou qualquer participação da Ucrânia.

Essa inconsistência sugere que o vídeo se trata, na verdade, de um “deepfake”, ou seja, um conteúdo audiovisual falsificado através de tecnologias que utilizam inteligência artificial para produzir atos e falas que não foram ditas ou feitos, por exemplo. A AFP analisou o arquivo utilizando o software classificador de voz ElevenLabs, que estimou em 98% a probabilidade de que a voz na gravação tenha sido feita por IA.

O software também indicou que é “muito provável” que o áudio tenha sido gerado diretamente pela própria plataforma, que permite clonar vozes a partir de extratos de som reais.

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Captura de tela feita em 2 de abril de 2024 do software ElevenLabs.io (.)

A AFP também enviou a gravação para a análise do detector Loccus.ai, que indicou que ela “provavelmente” foi gerada por inteligência artificial.

Referências

Atualiza metadados
26 de abril de 2024 Atualiza metadados

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