Gravação mostra técnica de combate às chamas em 2020, e não brigadistas causando queimadas em 2024

  • Publicado em 18 de setembro de 2024 às 17:31
  • 5 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Desde agosto de 2024, uma onda de incêndios atinge diferentes regiões do Brasil, deixando um rastro de fumaça sobre cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, e até países vizinhos. Nesse contexto, um vídeo em que agentes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) colocam fogo em áreas de vegetação seca acumula mais de 4 mil visualizações em publicações que acusam os brigadistas de causar as queimadas. Mas isso é falso: na gravação, feita em 2020, os profissionais estavam combatendo incêndios florestais com a técnica de queima de expansão.

“REPASSEM ESSE VÍDEO QUE MOSTRA QUE SÃO OS PRÓPRIOS BRIGADISTAS, QUE ESTÃO TOCANDO FOGO NOS PASTOS QUE SERVEM PARA ALIMENTAR OS ANIMAIS, FAZENDO COM QUE A FLORESTA E OS ANIMAIS SEJAM DESTRUÍDOS PELO FOGO. O PLANO DESSES DEMÔNIOS É DESTRUIR TUDO, DAS FLORESTAS AO AGRONEGÓCIO”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook, no Instagram, no Threads, no Kwai e no X*.

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Captura de tela feita em 18 de setembro de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

Nos primeiros 12 dias de setembro de 2024, o Brasil registrou quase 50 mil focos de incêndio, que assolam diferentes regiões e biomas como a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal. Os incêndios são impulsionados por uma seca histórica, mas contêm indícios de origem criminosa, segundo a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.

Na sequência viral, cinco homens com casacos amarelos andam por uma área de vegetação rasteira, queimando pequenos trechos de folhas secas. Atrás deles, um sexto homem grava a ação e pode ser ouvido dizendo: “Os brigadistas, ao invés de apagar o fogo, tão tacando fogo. É brincadeira? Quem é que taca fogo no Pantanal?”. Na parte de trás de seus uniformes, é possível identificar o nome do ICMBio.

Contudo, o mesmo vídeo já circulou em 2020, quando foi falsamente relacionado a incêndios florestais que ocorriam no Pantanal.

Vídeo de 2020

Em uma nota publicada em 15 de setembro de 2020, o ICMBio informou que as imagens viralizadas mostram uma operação de seus agentes realizada na Estação Ecológica de Taiamã, unidade de conservação federal localizada em Cáceres, no Mato Grosso, entre 12 e 13 de setembro daquele ano.

No entanto, ao contrário do sugerido pelo narrador da gravação e por usuários nas redes sociais, o ICMBio explicou que os homens do vídeo não estavam provocando um incêndio florestal, mas realizando uma manobra de combate indireto das chamas conhecida como “queima de expansão”.

Essa técnica, segundo o instituto, “consiste em eliminar o combustível [a vegetação seca] em pequenas faixas do terreno através da aplicação do fogo”.

“O controle dessa técnica exige pessoal treinado e experiente, pontos de ancoragem muito bem definidos e condições meteorológicas favoráveis para que o fogo não se alastre e inicie um novo incêndio. Todas essas condições foram obedecidas e a queima foi considerada um sucesso”, detalhou a organização.

Sobre as publicações viralizadas nas redes, o instituto afirmou que o vídeo teria “gerado diversos mal-entendidos sobre as ações do ICMBio”: “Ele foi produzido e divulgado por um brigadista que esteve em campo, trazendo uma versão errônea sobre a prática de que ele participara”.

Em setembro de 2020, a pedido do Comprova — projeto de verificações colaborativas do qual o AFP Checamos faz parte — o analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) Alexandre Pereira avaliou o vídeo viralizado e confirmou que mostra uma técnica de combate às chamas.

Queima de expansão

A prática da “queima controlada” é prevista no Manual de Formação de Brigadista de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais do ICMBio. Segundo o guia, “para se apagar o fogo é preciso neutralizar ao menos um dos lados do triângulo do fogo”, sendo eles o combustível (ou seja, a vegetação), o calor e o oxigênio.

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Captura de tela feita em 13 de setembro de 2024 do Manual de Formação de Brigadista do ICMBio (.)

Para eliminar o combustível, o manual recomenda a construção de uma linha de controle, ou seja, de um perímetro de segurança ao redor do setor afetado pelo incêndio para impedir sua propagação.

Isso pode ser feito com diversas técnicas, entre elas a queima de expansão: “Pode-se empregar o fogo e apagá-lo quando a faixa queimada atingir a largura desejada para a eliminação de combustíveis no lado da linha que irá queimar (queima de alargamento ou de expansão)”.

A técnica não é exclusiva do Brasil, sendo utilizada em diversos países, como Chile, Argentina e Espanha.

"Fogo contra fogo"

O uso do “fogo contra fogo” para combater incêndios também já foi explicado pelo Comando de Policiamento Ambiental de São Paulo, procurado pela AFP em setembro de 2024, por conta de outro vídeo que mostraria um suposto crime ambiental em Igaraçu do Tietê.

“A técnica de ‘fogo contra fogo’ é uma técnica defensiva de combate a incêndio que consiste em atear fogo de forma controlada em um trecho de vegetação para impedir que o fogo se espalhe. A técnica funciona incendiando um pequeno trecho de vegetação de forma controlada enquanto o fogo se alastra. O fogo queima a vegetação que seria combustível para o incêndio, eliminando-a. Quando o fogo criado encontra o incêndio já existente, por não haver mais vegetação que sirva como combustível no solo, ambos perdem força e se apagam”, detalhou o órgão.

Em um vídeo publicado no YouTube em 15 de julho de 2020, o próprio ICMBio já explicava como a instituição utiliza queimas controladas para evitar a propagação de incêndios.

De acordo com o Código Florestal Brasileiro, o uso de fogo em vegetação é proibido. Contudo, algumas exceções são permitidas por lei, entre elas o “emprego da queima controlada em Unidades de Conservação, em conformidade com o respectivo plano de manejo e mediante prévia aprovação do órgão gestor da Unidade de Conservação, visando ao manejo conservacionista da vegetação nativa, cujas características ecológicas estejam associadas evolutivamente à ocorrência do fogo”.

O AFP Checamos já verificou outras peças de desinformação sobre os incêndios no Brasil em 2024.

* As publicações do X foram acessadas por integrantes da AFP localizados fora do Brasil devido à suspensão da plataforma no país.

Referências

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