Musk não pode cortar internet de operadoras de telefonia no Brasil; setor é controlado pela Anatel

  • Publicado em 17 de setembro de 2024 às 23:42
  • Atualizado em 18 de setembro de 2024 às 15:38
  • 7 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
A Starlink, do bilionário Elon Musk, não tem alcance técnico nem jurídico para “cortar a internet” das concessionárias de telefonia Claro, Tim e Vivo, ao contrário do que afirmam publicações com mais de 600 mil visualizações nas redes sociais. O conteúdo, que circula desde 2 de setembro de 2024, alega que Musk poderia interromper a navegação virtual no país por ser o proprietário de “todos os satélites” utilizados pelas empresas. Entretanto, essas operações são controladas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a maioria das empresas utiliza cabos submarinos.

“Olha aí o que Lula e Alexandre de Moraes estão arrumando pro Brasil:Elon Musk ameaça cortar o sinal de internet das operadoras Claro, Tim e Vivo no Brasil”, diz uma publicação compartilhada no Facebook. Conteúdos semelhantes ou utilizando o vídeo viral como referência também apareceram no TikTok, no Instagram, no Threads, no Kwai, no Gettr e no X*.

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Captura de tela feita em 9 de setembro de 2024 de uma publicação no Facebook
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O vídeo começou a circular depois que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, na tarde de 30 de agosto, a suspensão do X no Brasil, em embate com Elon Musk, dono da plataforma.

Em 28 de agosto, o magistrado havia dado um prazo de 24 horas para que o X indicasse um representante legal no Brasil, decisão que não foi cumprida pela plataforma. 

Em consequência, no dia seguinte (29), as contas bancárias da Starlink — empresa de internet por satélite de Musk — no Brasil foram bloqueadas

No conteúdo, um homem comenta críticas feitas pelo investidor norte-americano Bill Ackman à suspensão do X e ao bloqueio das contas da Starlink no Brasil. Em algumas publicações também é possível visualizar os termos “NarniaFlix” e “Retaliação contra BR” junto da data “02/09/24”

“Frequências licitadas pela Anatel”

Uma busca por “Retaliação contra BR” no TikTok e no Facebook levou à publicação mais antiga do vídeo encontrada pelo Checamos, feita em  2 de setembro de 2024 pela NarniaFlix, uma conta com vídeos protagonizados pelo Pastor Sandro Rocha, o homem que aparece nas imagens.

O perfil de Rocha no TikTok mostra que ele lidera uma igreja chamada “Porto de Cristo”. Com uma pesquisa pelo nome da instituição no Youtube, o Checamos encontrou programas que são comandados pelo pastor, como uma transmissão ao vivo de 2 de setembro, de onde saiu o recorte viral. 

Na transmissão, Rocha comenta acontecimentos da semana, principalmente decisões do STF sobre Musk.  

Nos primeiros 34 segundos do vídeo recortado da live, Rocha comenta que “duas coisas” estariam para acontecer devido aos bloqueios judiciais, e que a primeira teria ligação com as concessionárias de telefonia.

 “A Vivo, a Tim e a Claro usam o satélite do Elon Musk para distribuir internet pelo Brasil. Então, está [acontecendo] uma conversa que o Musk vai cortar o sinal da Vivo, da Tim e da Claro, não vai mais fornecer sinal de internet, porque o sinal é dele", afirma. Mais à frente, Rocha diz que o sul-africano teria a opção de cortar o acesso à internet brasileira por ser o “único fornecedor de internet para essas empresas”. 

A Conexis Brasil Digital, que atua como o Sindicato das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular Pessoal, afirmou ao AFP Checamos que “a informação divulgada no vídeo não é verdadeira”. “As operadoras associadas à Conexis prestam serviços de internet e telefonia por meio de frequências licitadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)", explicou.

O sindicato também informou ao Checamos que para a oferta de internet as operadoras usam suas próprias infraestruturas. Por exemplo, as frequências adquiridas em leilões da Anatel na rede móvel, complementada por rede terrestre, com fibra e cobre, incluindo o atendimento de banda larga fixa. 

“De forma pontual, em algumas áreas remotas, as empresas podem utilizar serviços de satélite de terceiros, de diferentes empresas que ofertam esses serviços”, acrescentou. 

A Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint) reforçou a informação. A organização afirmou que as telecomunicações no Brasil não dependem de satélites para seu funcionamento, exceto em áreas muito remotas. 

Em sua página, a Anatel explica que mais de 90% da transmissão de dados entre os países e continentes é feita por meio de cabos submarinos.

A Abrint complementou, em nota enviada à AFP: “Os cabos submarinos ancorados na costa brasileira atendem às necessidades do sistema de telecomunicações nacional e viabilizam a interconexão de qualquer sistema de telecomunicações e internet da América Latina com os demais continentes do mundo. O Brasil conta com uma infraestrutura de telecomunicações robusta e resiliente, que não depende de uma única empresa”

Ainda de acordo com a associação, “atualmente, são 16 cabos submarinos que conectam o Brasil aos continentes europeu, africano e americano. Além de empresas de telecomunicações, diversos provedores de conteúdo se utilizam de cabos submarinos para o transporte de dados”. E acrescentou: “Vale destacar que o atendimento por satélite corresponde a menos de 1% das conexões de internet no Brasil”.

A plataforma Submarine Cable Map mostra os cabos submarinos no país.

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Captura de tela feita em 11 de setembro de 2024 da plataforma Submarine Cable Map (.)

“Interferências prejudiciais”

A plataforma de dados Espectro e Órbita da Anatel mostra que existem mais de 40 satélites em operação no país, sendo 31 deles estrangeiros e 16 brasileiros. Não há menção à Starlink. 

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Captura de tela feita em 11 de setembro de 2024 da plataforma de dados “Espectro e Órbita” da Anatel
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Em janeiro de 2022, a agência informou haver concedido direito de exploração ao “sistema de satélites não geoestacionários Starlink”, mas as operadoras de telefonia não dependem desse tipo de satélite. 

O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em telecomunicações Alexandre Caramelo explicou que a Starlink tem um escopo de fornecimento de serviço mais voltado para áreas rurais e remotas, e que as operadoras de telefonia e internet não dependem somente dela para atuar.  

"A informação do vídeo realmente não procede. Ele [Musk] não teria meios técnicos para fazê-lo [cortar o sinal das operadoras de telefonia], porque não domina o controle e a gestão dos equipamentos”, disse. 

Caramelo acrescentou que o bilionário também não tem “forma jurídica de fazer isso”. “Porque as saídas de internet que as operadoras usam são múltiplas e redundantes, se você cortar o sinal em uma, a outra assume. Se você cortar na segunda, a terceira assume, e assim por diante. Por isso que, quando há um problema na internet, ele se propaga muito rápido, porque as redes são extremamente conectadas para dar esse grau de resiliência. Em poucas horas tudo volta ao normal", afirmou. 

A atuação da Starlink no Brasil se rege sob a Resolução nº 671/2016 da Anatel e as disposições da Lei 9.472/1997, conhecida como Lei Geral das Telecomunicações (LGT). Em seu artigo 159, a norma estabelece que, entre os objetivos da distribuição de autorizações pela Anatel, está “evitar interferências prejudiciais”. E define: “Considera-se interferência prejudicial qualquer emissão, irradiação ou indução que obstrua, degrade seriamente ou interrompa repetidamente a telecomunicação”.

O docente ainda recordou que a Starlink só chegou ao Brasil em 2022 e o serviço de telefonia rural, por exemplo, vem sendo feito há anos.

Os dados da Anatel ainda mostram que, atualmente, as quatro maiores operadoras no país são Vivo, Claro, Tim e Oi, que, juntas, são responsáveis por cerca de 90% dos acessos totais dos serviços de telecomunicação no país. 

Ida ao Congresso

No conteúdo viral, Rocha afirma ainda que Musk iria ao Congresso norte-americano na “quarta-feira” (4 de setembro de 2024) para ser aconselhado sobre a forma como o Brasil poderia ser sancionado, por conta do bloqueio do X. 

Uma busca pelas palavras-chave “Musk”, “Congresso”, “EUA”, “setembro” em inglês Google não identificou registros noticiosos de que o bilionário tenha ido ao parlamento dos Estados Unidos nessa data para tratar do assunto. Tampouco há informações sobre uma possível ida ao Congresso no perfil de Musk no X. 

* As publicações do X foram acessadas por integrantes da AFP localizados fora do Brasil devido à suspensão da plataforma no país

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18 de setembro de 2024 Ajusta tipografia das referências.

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