Adenovírus de chimpanzé usado na vacina da AstraZeneca contra a covid-19 não tem relação com a mpox
- Publicado em 23 de agosto de 2024 às 16:43
- Atualizado em 27 de agosto de 2024 às 14:40
- 4 minutos de leitura
- Por Ana PRIETO, AFP Brasil, AFP Argentina, AFP Grécia
Copyright © AFP 2017-2024. Qualquer uso comercial deste conteúdo requer uma assinatura. Clique aqui para saber mais.
“OLHEM ISSO! A VACINA ASTRAZENECA CONTÉM VARÍOLA DE MACACO!”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook, no Instagram, no Threads, no X e no Telegram.
Alegações similares circulam em inglês e espanhol.
Nas imagens virais, são exibidos trechos da bula do imunizante desenvolvido pela AstraZeneca, que indica como um dos seus componentes, em inglês: “adenovírus de chimpanzé”.
As publicações começaram a ser compartilhadas após a recente propagação de uma variante do vírus mpox, chamada de “clado 1b” e detectada na República Democrática do Congo (RDC), desde setembro de 2023, na África.
Em 14 de agosto de 2024, devido ao ressurgimento de casos, a OMS declarou emergência de saúde pública de âmbito internacional — maior nível de alerta da organização. Até o momento, a RDC já registrou mais de 16 mil casos e 570 mortes.
A nova variante “1b” é derivada do clado 1 — que circula há décadas no continente africano —, que registra maior taxa de mortalidade do que o clado 2, principal responsável pelo surto da doença ocorrido em maio de 2022.
Mas, ao contrário do que afirmam as publicações virais, que repetem alegações compartilhadas em 2022 e já verificadas pelo AFP Checamos, a mpox não tem relação com a vacina desenvolvida pela AstraZeneca: ela foi descoberta em colônias de macacos em 1958, mais de 60 anos antes do desenvolvimento dos imunizantes contra a covid-19.
Vacinas de adenovírus
As vacinas baseadas em vetores virais utilizam uma versão modificada de um vírus para transportar o material genético para uma célula hospedeira.
No caso da AstraZeneca, um adenovírus de chimpanzé funciona como “uma espécie de entregador” do material genético do SARS-CoV-2 para as células, fornecendo instruções para que o organismo produza a proteína “spike”, que se encontra no coronavírus, explicou à AFP a professora de Microbiologia e pesquisadora do Laboratório de Vírus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Giliane Trindade, em 19 de agosto de 2024.
Essa nova proteína será reconhecida como “estranha” pelo sistema imunológico, que gerará anticorpos contra ela. Desse modo, se houver algum encontro futuro com o patógeno, o sistema imunológico será capaz de identificá-lo e atacá-lo de maneira mais eficiente.
Segundo Daniela Hozbor, pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina (Conicet) e coordenadora da Subcomissão de Vacinologia da Associação Argentina de Microbiologia (AAM), consultada pela AFP em 21 de agosto, o adenovírus de chimpanzé, que normalmente “provoca gripes comuns”, funciona apenas como um vetor na vacina em questão e “não se replica e não pode provocar doenças”.
Vírus diferentes
Diferentes especialistas em Virologia consultados pela AFP concordam que o adenovírus de chimpanzé “não tem nada a ver” com o vírus causador da mpox, conforme afirmou Hozbor.
Em primeiro lugar, macacos, como o chimpanzé, não são reservatórios do vírus. “A doença foi descrita pela primeira vez em primatas não humanos e por isso recebeu esse nome [de varíola do macaco]. Os primatas, inclusive, são hospedeiros acidentais e os reservatórios naturais são provavelmente roedores endêmicos do continente africano”, detalhou Giliane Trindade.
José Luiz Modena, professor de Virologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), confirmou à AFP em 21 de agosto que os dois vírus são “completamente diferentes, com origem, história evolutiva, complexidade da partícula viral e mecanismos replicativos completamente diferentes”.
“O vírus mpox é de outra família viral (Poxviridae), com tamanho de genoma e características estruturais muito mais complexas que os adenovírus”, indicou.
Similarmente, Trindade estabeleceu que os vírus contêm apenas dois elementos em comum: “ambos possuem genomas de DNA e ambos podem infectar primatas, como centenas de outros vírus”.
Consultado sobre uma possível causalidade entre o surto mais recente de mpox e as vacinas contra a covid-19, assim como a possibilidade do adenovírus sofrer uma “mutação” para o vírus causador da mpox, Modena reforçou que “uma coisa não tem a menor associação com a outra” e que tal mutação “é biologicamente impossível”.
“Mutações não transformam um vírus em outro. Mutações podem originar diferenças num mesmo vírus, mas não o transformando em outro, já existente no planeta”, confirmou Trindade.
O AFP Checamos já verificou outras alegações sobre o recente surto de mpox.
Referências
- Vacinas de vetores virais
- Bula da vacina da AstraZeneca contra a covid-19
- Perfil de Giliane Trindade
- Perfil de Daniela Hozbor
- Perfil de José Luiz Modena
27 de agosto de 2024 Acrescenta etiqueta relacionada à mpox.