A varíola do macaco não tem relação com o adenovírus usado em uma das vacinas anticovid
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- Publicado em 1 de junho de 2022 às 01:05
- Atualizado em 1 de junho de 2022 às 19:15
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- Por Ana PRIETO, Petros KONSTANTINIDIS, AFP Argentina, AFP Brasil, AFP Grécia
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“A varíola dos macacos já está presente em 16 países. Países esses que nunca relataram essa doença, que é rara. Ela é mais comum no Congo. Pessoas de todo o mundo tomaram a vacina Astrazenica, que é feita de que? Adenovírus de chimpanzé! Coincidência?”, dizem algumas das mensagens compartilhadas no Facebook, Twitter e Instagram.
Outros usuários do Facebook e Telegram também compartilharam imagens da bula do imunizante da AstraZeneca, com destaque para os termos, em inglês, “adenovírus de chimpanzé”, questionando: “Na bula da AstraZeneca, diz que a vacina contém adenovirus de chimpanzés, será coincidência agora o surto de varíola do macaco?”.
Conteúdo semelhante circula igualmente em espanhol, inglês e grego.
As publicações começaram a ser difundidas pouco depois da detecção de um surto de varíola do macaco em países onde esta não é uma doença endêmica, como Portugal, Canadá e Reino Unido.
Em 29 de maio de 2022, a OMS informou que foi registrado “um total acumulado de 257 casos confirmados em laboratório e cerca de 120 casos suspeitos”, acrescentando que até a data em questão não haviam sido “notificadas mortes relacionadas”.
Diferentemente do que sugerem as publicações virais, a varíola do macaco, ou símia, não é uma doença nova, como já foi verificado pela AFP: ela foi descoberta em colônias de macacos em 1958, mais de 60 anos antes do desenvolvimento das vacinas contra a covid-19.
O primeiro caso em humanos foi registrado em 1970 na República Democrática do Congo. Desde então, casos esporádicos têm surgido em algumas partes centrais e ocidentais da selva tropical da África, assinala a OMS.
A organização também explica que a varíola do macaco “é uma doença rara” transmitida a humanos principalmente por animais selvagens, como roedores e primatas, mas seu contágio entre pessoas é limitado. Seus sintomas incluem febre, dor de cabeça, inflamação dos gânglios linfáticos, dores musculares e falta de energia.
Vacinas de adenovírus
As vacinas baseadas em vetores virais utilizam uma versão modificada de um vírus para transportar o material genético para uma célula hospedeira.
Esse é o caso da vacina Oxford/AstraZeneca contra a covid-19, que utiliza um adenovírus de chimpanzé para transportar o material genético do SARS-CoV-2 para as células; mais concretamente, instruções para que nosso organismo produza a proteína “spike”, que se encontra na superfície do coronavírus.
Essa nova proteína será reconhecida como “estranha” pelo sistema imunológico, que gerará anticorpos contra ela. Desse modo, se houver algum encontro futuro com o patógeno, o sistema imunológico será capaz de identificá-lo e atacá-lo de maneira mais eficiente.
O adenovírus que essa vacina utiliza como vetor é o causador do resfriado comum entre os chimpanzés, é inócuo para os humanos e foi modificado geneticamente para que não possa se reproduzir nem se replicar, explicou à AFP o biólogo molecular Federico Prada nessa checagem da AFP em espanhol, de setembro de 2020.
Outras vacinas contra a covid-19, como a Janssen e a Sputnik V, também utilizam adenovírus para provocar uma resposta imunológica ao SARS-CoV-2. No entanto, são adenovírus humanos, não de chimpanzés.
Vírus diferentes
Especialistas consultados pela AFP em 2022 concordam que o adenovírus de chimpanzé não tem relação com o vírus que causa a varíola do macaco.
“Em primeiro lugar, existe um erro semântico de nomenclatura: apesar de se chamar varíola dos macacos, porque foi identificada causando doença em macacos, os macacos não são os reservatórios da doença. O mais provável é que os reservatórios na África, que é o continente de origem desse vírus, onde ele é endêmico, sejam roedores”, disse ao Checamos o professor Flávio da Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.
“Então, obviamente, (...) o fato de o adenovírus ser originário de chimpanzé e a varíola ser chamada de ‘varíola dos macacos’ não tem nenhuma relação”, completou.
Juan Sabatte, doutor em microbiologia e pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet) da Argentina, disse à equipe de checagem da AFP que os adenovírus constituem uma família viral chamada Adenoviridae, “sem nenhuma relação com o vírus causador da varíola do macaco, que pertence à família de vírus Pox (Poxviridae)”, e acrescentou:
“Não há motivo para afirmar que o surto de varíola do macaco esteja relacionado com as vacinas”, explicou também à AFP David Heymann, professor de epidemiologia de doenças infecciosas na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (LSHTM, na sigla em inglês).
“A varíola do macaco é um vírus de DNA que pertence à família orthopox”, apontou Heymann, que investigou surtos da varíola do macaco em humanos na África central e ocidental. Trata-se também de “um vírus muito estável que não modifica; se o faz, é muito pouco”, continuou.
Consultada sobre a possibilidade de que o adenovírus de chimpanzé utilizado em uma vacina sofresse mutação para o vírus da varíola do macaco, Teresa Lambe, professora de vacinologia e imunologia na Universidade de Oxford, enfatizou: “são dois tipos de vírus completamente diferentes, por isso não é possível que o adenovírus se transforme na varíola do macaco”.
1 de junho de 2022 Adiciona metadados