Vacina contra a dengue não causa câncer nem altera DNA, explicam especialistas

  • Publicado em 15 de fevereiro de 2024 às 20:13
  • 6 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Em dezembro de 2023, o Ministério da Saúde incorporou ao Sistema Único de Saúde (SUS) a vacina QDenga, que protege contra o vírus da dengue. Desde então, passou a circular nas redes um vídeo com mais de 28 mil visualizações do médico Drauzio Varella junto às alegações de que a vacina é transgênica, causa câncer e altera o DNA. Mas nenhuma dessas afirmações é feita pelo profissional na gravação. À AFP, especialistas informaram que nenhum imunizante tem a capacidade de mudar o DNA ou causar câncer. 

“A vacina da dengue é transgênica, altera o DNA e causa câncer. Veneno OGM: organismo geneticamente modificado”, diz o texto sobreposto ao vídeo que circula no Facebook, no Instagram, no Telegram, no X e no Kwai

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Captura de tela feita em 6 de fevereiro de 2024 de uma publicação no Instagram (.)

O recorte viral mostra o médico e escritor Drauzio Varella, conhecido por apresentar informações sobre saúde em programas de televisão, explicando como a vacina QDenga, do laboratório Takeda, foi produzida. 

Ele diz em um trecho: “Essa vacina, feita pelo laboratório Takeda, foi feita baseada na tecnologia do DNA recombinante. Ela não tem o vírus. Ela retira o DNA do vírus por meio de uma série de técnicas muito sofisticadas. O DNA usado é o vírus 2 para poder preparar a vacina, e ao mesmo tempo modificaram com os vírus 1, 3 e 4 da dengue”.

O conteúdo começou a circular após a vacina QDenga ser incorporada ao SUS em dezembro de 2023. O início da vacinação acontece em meio ao aumento de casos e mortes pela dengue no país, fazendo com que estados e cidades decretem situação de emergência.

Contudo, Varella não faz nenhuma das alegações viralizadas no vídeo compartilhado nas redes, que ainda omite o trecho em que o médico afirma que a vacina é segura — informação corroborada por outros especialistas à AFP. 

Vídeo recortado

Em uma busca no canal do YouTube de Drauzio Varella, foi possível identificar que o trecho viral foi retirado de um vídeo intitulado “Qdenga: tudo o que você precisa saber sobre a nova vacina contra a dengue”. 

 

No vídeo, o médico explica os sintomas da dengue e como ela afeta o corpo. Ele também aponta que a dengue possui quatro sorotipos, ou seja, subespécies com materiais genéticos diferentes. É a partir desse momento, em 1 minuto e 55 segundos, que o recorte viral foi retirado. 

Após explicar sobre a produção da vacina, Varella diz que é devido à combinação dos sorotipos que o imunizante consegue proteger contra todas as formas da doença. Esse trecho não é compartilhado nas peças de desinformação. 

Outro momento que é omitido das publicações virais é quando o médico reafirma a segurança do imunizante, aos 3 minutos e 24 segundos: “A dengue é uma doença grave. Nós temos que levar isso a sério. Um esforço internacional enorme permitiu que a gente obtivesse uma vacina, que vem sendo procurada há muitos anos, testada.  É segura e deve ser usada na vacinação”

Sem evidências  

O trecho viralizado é sobreposto por um texto que assegura que a vacina “altera o DNA e causa câncer”. Mas especialistas consultados pelo AFP Checamos destacaram que essas afirmações não possuem nenhuma evidência científica.  

A bula da vacina QDenga informa que o imunizante é feito com vírus atenuado e que foi produzido com a tecnologia de DNA recombinante, o que permitiu associar fragmentos dos quatro diferentes sorotipos do vírus para criar uma resposta imunológica mais abrangente, como explicou Alexandre Naime Barbosa, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia:

“Nesse vírus tipo 2 são feitas algumas modificações na sua estrutura, no seu arcabouço com proteínas, antígenos do sorotipo 1, 3 e 4, de forma que em uma dose de vacina tenha uma combinação de vírus vivo, mas o vírus atenuado enfraquecido, que tem na sua estrutura externa antígenos dos quatro sorotipos”.

Essa composição fará com que a vacina combata “os quatro sorotipos quando a pessoa for exposta ao vírus selvagem, dando a ela proteção não só de anticorpos neutralizantes, mas ativando o que chamamos de resposta imune celular”, complementou. 

Não há nenhuma menção na bula sobre possíveis efeitos adversos que indiquem que a vacina cause câncer ou altere o DNA. 

Como explicou a imunologista e professora da Universidade de São Paulo (USP) Ester Sabino, o vírus natural da dengue não é capaz de integrar o DNA. Uma vez que a vacina é produzida com um vírus mais fraco que o original, não é possível afirmar que há alteração de DNA ao tomar o imunizante. 

“É absurdamente fantasiosa [essa alegação]. As vacinas não possuem componentes que alteram o DNA”, reiterou Fernanda Grassi, médica infectologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).  

Naime reforçou que não há evidências científicas de que alguma vacina consiga alterar o DNA e que cause câncer, alegação também desmentida pelo Ministério da Saúde

“As primeiras vacinas que surgiram, a de febre amarela, por exemplo, já no começo do século passado, são por vírus atenuado e nunca houve modificação genética do ponto de vista de criação de vírus mutante que pudesse ser prejudicial ao ser humano (...). Nunca houve qualquer tipo de suspeição de relação de causa e efeito em relação a essas vacinas e o surgimento de câncer”, relembrou o infectologista. 

A QDenga teve sua biossegurança assegurada pela Comissão Técnica Nacional em Biossegurança (CTNBio) do Ministério da Saúde em fevereiro de 2023. No mesmo ano, ela foi aprovada pela Anvisa em março e passou a ser recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em outubro.  

“Não haveria nunca a autorização de agências reguladoras caso as vacinas tivessem insumos cancerígenos”, reforçou Fernanda Grassi. 

Vacina transgênica 

Sobre a alegação de que a vacina é transgênica, o entendimento não é unânime. A professora Ester Sabino ressaltou que o processo para a produção gerou um novo “ser vivo”

“Nós chamamos de transgênico o DNA ou um novo ser vivo que não tem o que você encontraria na natureza. Então, para poder fazer com que o vírus da dengue não cause infecção, você tem que torná-lo menos efetivo. O vírus original é modificado para ficar mais fraco. Tudo o que você modifica é chamado transgênico.”  

Já Alexandre Naime considerou errôneo o uso do termo transgênico para a medicina. 

“Eu suponho que, como existe uma ‘polêmica’ em relação a produtos alimentares transgênicos, queiram levar o termo para ‘atacar’ as vacinas que usam DNA recombinante. Em termos científicos, OGMs são transgênicos por definição, mas não se usa essa terminologia em produtos médicos.”

Todos os especialistas pontuaram que o processo de produção do imunizante não representa nenhum risco ao organismo humano. 

Outro conteúdo sobre a vacina da dengue já foi verificado anteriormente pelo AFP Checamos. 

Alegações similares já circularam sobre os imunizantes da covid-19 (1, 2). 

Este conteúdo também foi verificado por Aos Fatos e UOL Confere

Referências

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