Bill Gates, Coca-Cola, vacinas de mRNA: é falso o vídeo que diz que componente pode "controlar" DNA

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  • Publicado em 19 de abril de 2023 às 23:32
  • Atualizado em 19 de abril de 2023 às 23:34
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  • Por AFP Brasil
O empresário norte-americano Bill Gates não inseriu vacinas com RNA mensageiro (mRNA) no refrigerante Coca-Cola para “controlar” o DNA das pessoas. Um vídeo com essa alegação, que reúne diversos elementos de teorias conspiratórias, foi visualizado mais de 800 mil vezes nas redes sociais desde pelo menos 13 de abril de 2023. Entretanto, os imunizantes com essa tecnologia sequer têm essa capacidade e não há registro de alteração na fórmula da bebida.

"A obsessão de Bill Gates pelo controle do nosso DNA passou de todos os limites", diz o texto sobreposto a um vídeo, compartilhado no TikTok, no qual uma mulher afirma que o empresário comprou ações da Coca-Cola e da Heineken para alterar a fórmula do refrigerante, inserindo vacinas de mRNA.

De acordo com o vídeo, a intenção seria “controlar o DNA” das pessoas. Como “prova”, a mulher exibe um comunicado da Coca-Cola Femsa, engarrafadora da marca, com a frase: “Um só DNA KOF”.

O conteúdo também circula no Facebook e no Instagram e foi encaminhado ao WhatsApp do AFP Checamos, para onde os usuários podem enviar conteúdos vistos em redes sociais, se duvidarem de sua veracidade.

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Captura de tela feita em 18 de abril de 2023 de uma publicação no TikTok

As alegações de que Bill Gates teria inserido vacinas com tecnologia mRNA na Coca-Cola circulam depois de o empresário ter adquirido, em 17 de fevereiro de 2023, uma participação minoritária na Heineken Holding NV, acionista controlador da segunda maior cervejaria do mundo, por cerca de US$ 902 milhões.

Notícias relatam que o fundador da Microsoft e filantropo comprou 3,8% da Heineken Holding, totalizando 6,65 milhões de ações, em sua capacidade individual, e outros 4,18 milhões de ações por meio da Fundação Bill & Melinda Gates. A AFM foi procurada pelo Comprova — iniciativa de verificação da qual o AFP Checamos faz parte — para confirmar a informação, mas não retornou.

É possível que as alegações citem a Coca-Cola porque Gates adquiriu a participação no mesmo dia em que a Femsa, engarrafadora e distribuidora da marca de refrigerantes, lançou uma venda de € 3,7 bilhões em ações vinculadas a parte de suas participações na Heineken. Pouco antes, a Femsa havia anunciado planos de se desfazer de sua participação na cervejaria por motivos estratégicos.

Em 2007, Gates comprou uma participação avaliada em US$ 392 milhões (R$ 2 bilhões no câmbio atual) na Femsa. Sete anos antes, a mexicana havia vendido sua cervejaria para a Heineken.

Não há registro de alteração na fórmula da Coca-Cola

Procurada pelo Comprova, a Coca-Cola garantiu que não houve qualquer alteração recente na fórmula do produto. A companhia publicou em seu site uma nota esclarecendo que todos os ingredientes utilizados em seus produtos são seguros, aprovados pelos órgãos regulatórios e constam no rótulo das embalagens.

A assessoria de imprensa da Coca-Cola Femsa declarou que as alegações feitas nas redes sociais são inverídicas e explicou que o termo “DNA KOF” - mencionado pelas publicações virais como "prova" de que se pretende alterar as informações genéticas das pessoas por meio da bebida - é, na verdade, usado em sua comunicação interna como forma de traduzir os valores e comportamentos que envolvem seus colaboradores.

O último registro de mudança de fórmula do refrigerante ocorreu em 23 de abril de 1985, há mais de 35 anos. Na época, a alteração não foi bem aceita pelos consumidores e a fórmula original foi retomada poucos meses depois, em 11 de julho de 1985.

Vacinas não alteram o DNA das pessoas

Tampouco faz sentido a alegação de que inserir vacinas com mRNA em refrigerantes possibilita o controle do DNA. Nem mesmo os imunizantes aplicados nas pessoas para o combate da doença são capazes disso, explicou a biomédica Mellanie Fontes Dutra à AFP em 19 de abril de 2023.

“Não vejo como seria possível [inserir vacinas na Coca-Cola]. Os refrigerantes têm diversos componentes que prejudicariam a viabilidade de qualquer componente das vacinas. Não há viabilidade para isso, e sem os componentes preservados, não haveria efeito [da vacina], ressaltou Dutra.

“Biologicamente falando, não faz sentido cogitar refrigerantes para qualquer fim relacionado à imunização”, acrescentou a biomédica.

Dutra também esclareceu que as vacinas de mRNA não são capazes de modificar o DNA humano:

A falsa afirmação de que o mRNA pode alterar o DNA passou a ser amplamente difundida após a aprovação de duas vacinas contra a covid-19, da Pfizer e da Moderna, que usam a tecnologia. A alegação já foi desmentida pela AFP ao longo da pandemia de covid-19.

Em julho de 2021, a geneticista Jaen Oliveri, professora da Universidade Nacional de Três de Fevereiro, na Argentina, afirmou à AFP que o mRNA, por definição, “não é introduzido no genoma”.

Segundo a especialista, esses imunizantes aproveitam o processo natural que as células usam para produzir proteínas. “Nas vacinas, o mRNA faz o que costuma fazer e não o que é biologicamente impossível. Nesse caso, ele expressa uma proteína do coronavírus que será reconhecida pelas células do sistema imunológico para criar anticorpos”.

O mRNA é uma molécula existente no corpo humano e que leva informações até o núcleo das células para produção de proteínas. Os laboratórios responsáveis pelos imunizantes produziram mRNAs sintéticos, que contêm uma parte da informação genética do novo coronavírus. No nosso corpo, esse RNA vai fazer com que produzamos uma proteína que alerta o sistema imunológico para criar anticorpos.

Sobre alegações desta natureza, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já se posicionou informando que as vacinas que empregam em sua tecnologia o código genético do vírus Sars-CoV-2 não são produtos de terapia gênica porque não utilizam cópias de genes humanos para tratamentos de doenças.

O AFP Checamos já verificou outras desinformações que envolvem Bill Gates e vacinas (1, 2).

Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do Portal Norte de Notícias e do Estadão. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.

Referências

19 de abril de 2023 Ajusta metadados.

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