
A Suprema Corte dos EUA não se pronunciou sobre a “vacinação universal”
- Este artigo tem mais de um ano
- Publicado em 10 de março de 2023 às 21:15
- Atualizado em 10 de março de 2023 às 21:27
- 7 minutos de leitura
- Por Juliette MANSOUR, AFP França, AFP México, AFP Brasil
Copyright © AFP 2017-2025. Qualquer uso comercial deste conteúdo requer uma assinatura. Clique aqui para saber mais.
“Finalmente! Vacinas oficialmente anuladas. Após a decisão de hoje não ser mais necessária, VACINAÇÃO UNIVERSAL ABOLIDA! A Suprema Corte dos EUA derrubou a vacinação universal em uma grande vitória para a liberdade!”, começa texto compartilhado no Facebook, no Twitter e que também foi enviado para o WhatsApp do AFP Checamos.
As mensagens se baseiam em conteúdos em inglês onde é utilizada a expressão “universal vaccination”, traduzida literalmente como “vacinação universal”, embora seu real significado seja o de “vacinação obrigatória”. O texto tem circulado desde março de 2021 em francês, espanhol, italiano e sérvio.

Na sequência, o texto afirma que: “Os ‘especialistas’ americanos em doenças infecciosas Bill Gates, Antoni Fauci e a Big Pharma perderam um processo na Suprema Corte dos Estados Unidos por não terem provado que todas as suas vacinas nos últimos 32 anos eram seguras para os cidadãos!”.
E asseguram que o processo foi movido por um grupo de cientistas liderados pelo “senador” Robert F. Kennedy Jr., que teria declarado: “A nova vacina Covid deve ser evitada a todo custo”.
Posteriormente, o texto afirma que as vacinas baseadas no RNA mensageiro (mRNA) "interferem diretamente no material genético do paciente" e que "os danos causados por esse tipo de vacinação serão geneticamente irreversíveis".
Vacinação obrigatória
A obrigatoriedade da vacinação nos Estados Unidos entra no âmbito da jurisdição estadual. Cada estado tem autoridade legal e constitucional para exigir que seus cidadãos sejam imunizados contra doenças contagiosas.
Um exemplo é a legislação vigente em todos os 50 estados que exige a imunização de crianças "contra certas doenças transmissíveis" para frequentar escolas públicas e privadas. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos têm uma lista em seu site de leis estaduais de vacinação obrigatória para esse grupo populacional.
No nível federal, existem certas vacinas obrigatórias para profissionais de saúde e para pessoas que solicitam residência permanente no país.
No entanto, todos os estados permitem isenções médicas, como em casos de reações alérgicas à vacina, e em 44 deles, assim como em Washington DC, a vacinação pode ser evitada por motivos religiosos, conforme prevê a Conferência Nacional dos Legislativos Estaduais.
O fato de a imunização obrigatória ser decidida pelas unidades federativas remonta ao caso de Jacobson v. Massachusetts, que a Suprema Corte julgou em 1905.
“Os estados têm autoridade legal e constitucional para exigir que as pessoas que vivem naquele estado sejam vacinadas, ou para introduzir a vacinação obrigatória”, explicou a acadêmica jurídica Joanne Rose em entrevista publicada pela Escola Bloomberg de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins.
No momento da publicação desta checagem, 20 estados proíbem a exigência do comprovante de vacinação.
Sem decisão do Supremo
Os conteúdos que circulam nas redes sociais afirmam que a Corte anulou a “vacinação universal”. No entanto, até a data da publicação deste artigo, nenhuma decisão sobre “vacinação universal” constava no site do tribunal norte-americano.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, prometeu em dezembro de 2020 que a imunização contra a covid-19 não seria obrigatória em nível federal. No entanto, em setembro de 2021, o governante anunciou a obrigatoriedade da vacinação ou da realização de teste semanal contra a covid-19 para trabalhadores de empresas com mais de 100 funcionários, bem como para profissionais de saúde, terceirizados e funcionários do governo federal - medida que entraria em vigor em janeiro de 2022.
A decisão gerou diversas ações legais no Senado e na Justiça Federal de diferentes estados nos meses seguintes ao seu anúncio. Isso levou um tribunal a ordenar a suspensão da medida em novembro de 2021, embora um mês depois outro tribunal tenha retomado essa decisão.
Após essas polêmicas o Supremo informou, em 22 de dezembro de 2021, que analisaria os argumentos a favor e contra a obrigatoriedade da vacina nesses grupos populacionais em 7 de janeiro de 2022. Em nenhum momento se referiu à “vacinação universal” ou a sua obrigatoriedade para toda a população.
Segurança da vacina
“Os especialistas em doenças infecciosas dos EUA Bill Gates, Antoni Fauci e Big Pharma perderam um processo na Suprema Corte dos EUA por não provar que todas as suas vacinas nos últimos 32 anos eram seguras para a saúde! do cidadão!”, diz o texto viralizado.
A mensagem parece se referir a uma afirmação amplamente divulgada nos Estados Unidos sobre uma ação apresentada em 2018 pela Rede de Ação de Consentimento Informado (ICAN), uma das organizações antivacinas do país, contra o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS, na sigla em inglês) dos EUA, para exigir que autoridades tornassem públicos os relatórios detalhados sobre os efeitos colaterais das vacinas.
O Departamento de Saúde respondeu ao processo afirmando que não encontrou tais relatórios, o que o ICAN e outros grupos antivacina interpretaram como evidência de que o governo federal havia sido negligente no estudo dos efeitos colaterais das vacinas por mais de 30 anos. No entanto, os relatórios estão disponíveis na página do HHS e em outras agências de saúde dos EUA, conforme detalhado pelos cientistas e pelo site de verificação PolitiFact.
Além disso, este caso foi analisado pelo Tribunal do Distrito Sul de Nova York e não pela Suprema Corte, e Gates ou Fauci não são mencionados nele.
“O caso parece ser um trazido sob a Lei de Liberdade de Informação. Não pertence à política de vacinas. O caso parece ter sido decidido no tribunal distrital (de primeira instância), não no Supremo Tribunal. Não poderia derrubar nenhum precedente”, disse Wendy E. Parmet à equipe de verificação da AFP.
Robert Kennedy Jr.
O texto que circula nas redes atribui o ajuizamento da ação a “um grupo de cientistas” liderado pelo “senador Robert F. Kennedy Jr.”.

Mas Robert Francis Kennedy Jr. nunca foi senador. Ele é um advogado ambiental conhecido por suas opiniões antivacina, que têm circulado mais amplamente desde o início da pandemia da covid-19. Ele é filho de Robert F. Kennedy, que era senador democrata na época de seu assassinato em 1968, e sobrinho do ex-presidente dos Estados Unidos John Fitzgerald Kennedy.
A conta do advogado no Instagram foi encerrada em fevereiro de 2021 "por compartilhar repetidamente alegações falsas sobre o coronavírus ou vacinas", de acordo com um comunicado do Facebook em 12 de fevereiro de 2021.
Kennedy apoiou o ICAN em seu processo contra o HHS em 2018, mas não entrou com recurso no Supremo Tribunal sobre as vacinas contra a covid-19.
Vacinas de RNA mensageiro
A mensagem viral afirma que a vacina contra a covid-19 que utiliza tecnologia de RNA mensageiro (mRNA) “não é uma vacina”, mas sim “um instrumento de influência genética” que altera o DNA de uma pessoa.
“Uma vez dentro de uma célula humana, o mRNA reprograma o RNA/DNA normal que começa a produzir outra proteína”, diz o texto.
No entanto, as vacinas que usam mRNA não alteram o DNA humano. A AFP verificou esta afirmação em várias ocasiões (1 , 2 , 3) e, em todas elas, os especialistas concordaram que os imunizantes não alteram o genoma das pessoas nem são equivalentes à terapia gênica.
"As vacinas de mRNA são verdadeiras vacinas vivas que produzem o antígeno desejado, a proteína spike SARS-CoV-2, no local da injeção", disse Grant McFadden, diretor do Centro de Biodesign para Imunoterapia, Vacinas e Viroterapia da Universidade Estadual de Arizona à equipe de verificação da AFP em março de 2021.
"Elas não alteram o DNA das células hospedeiras e não podem alterar os genes das células de quem as recebem", acrescentou.
María Victoria Sánchez, pesquisadora do Laboratório de Imunologia e Desenvolvimento de Vacinas do IMBECU-CCT-CONICET, na Argentina, também disse à AFP nesta verificação que as vacinas de mRNA não podem se infiltrar nos genes de uma pessoa.
“O processo ocorre no citoplasma, não no núcleo da célula”, explicou. "O RNA mensageiro não pode 'entrar' em nosso DNA."
Na mesma linha, Juan Sabatté, médico e doutor em microbiologia e pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina (CONICET), afirmou em setembro de 2021 que “as vacinas para a covid-19 não têm relação com a terapia gênica, pois não modificam o DNA dos indivíduos que os recebem”.
10 de março de 2023 Atualiza imagem de capa