Vídeo em que Zelensky atira com duas armas é trecho de filme, não parte de campanha eleitoral
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- Publicado em 16 de março de 2022 às 19:45
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- Por Barbara MEDINA, AFP Chile, AFP Brasil
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“Propaganda eleitoral do comediante Volodymyr Zelensky que ganhou a presidência da Ucrânia!”, afirmam as publicações no Facebook (1, 2), Instagram e Twitter (1, 2).
Na gravação de pouco menos de 40 segundos, o presidente ucraniano aparece usando terno e gravata, e com uma arma em cada mão. Em seguida, ele atira nas pessoas que estão dentro de uma sala que imita o Parlamento ucraniano.
Conteúdo semelhante circula em espanhol e inglês.
A sequência foi compartilhada em 24 de fevereiro de 2022, data em que a Rússia deu início à invasão do território ucraniano, após semanas de tensões e envio de milhares de soldados para a fronteira com o país.
Uma busca reversa pelas cenas do vídeo na ferramenta Yandex levou a um trailer do filme “Servant of the People 2”, (“Servo do povo 2”, em tradução livre para o português), publicado em 1º de novembro de 2016 no YouTube.
Lançado naquele ano, o filme foi estrelado por Zelensky, que antes de assumir a presidência da Ucrânia participou de diversas produções e era conhecido no país como comediante e ator.
O trailer do longa-metragem exibe a mesma cena que viralizou nas redes sociais em 2022 fora de seu contexto. Na produção cinematográfica, o ator interpretou o presidente da Ucrânia atirando em políticos do país no Parlamento. O filme completo está disponível no YouTube desde 2017.
O filme “Servant of the People 2” teve origem na série de televisão homônima, transmitida entre 2015 e 2019 pela produtora ucraniana Kvartal 95, fundada por Zelensky em 2003. No longa, o atual presidente interpretou um professor que inesperadamente se torna o presidente da Ucrânia.
Sem registro do vídeo com fins eleitorais
A campanha presidencial de Zelensky, que foi eleito em 21 de abril de 2019, ocorreu três anos após a estreia do filme "Servo do povo 2".
De acordo com o noticiário da época, Zelensky evitou discursar durante a sua candidatura e se esquivou do contato com eleitores, limitando-se apenas a divulgar monólogos produzidos pela Kvartal 95 e transmitidos nas redes sociais.
A equipe de checagem da AFP analisou as publicações feitas nas contas oficiais no Instagram e no Facebook do atual presidente da Ucrânia no período de janeiro a maio de 2019 e não encontrou registros da cena viralizada de "Servo do povo 2" como parte de sua campanha eleitoral.
A sequência também não foi encontrada em plataformas como WayBack Machine e Archive, que permitem visualizar publicações nas redes sociais e em sites mesmo após terem sido eliminadas.
A AFP também verificou as publicações do partido político Servos do Povo, de Zelensky. No entanto, nem no site oficial da sigla, nem em suas contas no Instagram, Facebook, Twitter e YouTube há registros da cena compartilhada nas redes sociais. O trecho também não aparece nas versões arquivadas dessas páginas (1, 2, 3, 4, 5).
Outras buscas na internet sobre a campanha do político levaram ao Ze Team, também identificado como 3e!, nome da equipe responsável pelo apoio e divulgação eleitoral de Zelensky. O site, ze2019.com, compartilhava diariamente informações, vídeos e fotos do então candidato à presidência na Ucrânia, bem como em seus perfis no Instagram, Facebook, Twitter e YouTube.
A AFP analisou o material audiovisual e os arquivos publicados nessas contas de janeiro a maio de 2019, mas não encontrou o vídeo viralizado. Nas versões arquivadas (1, 2, 3, 4, 5) tampouco foram achados registros nem sequências semelhantes às apresentadas na série e no filme da saga "Servo do povo".
Uma das buscas por palavras-chave no Google levou a uma pesquisa de 2020 feita por Maryana Drach, estudante de jornalismo da Universidade de Oxford, intitulada, em tradução livre para o português, “Como as redes sociais moldaram a vitória de Zelensky na Ucrânia”.
No trabalho, é mencionada a cena em que Zelensky aparece como se estivesse atirando em políticos no Parlamento, mas ela não é identificada como um vídeo de sua campanha presidencial, e sim como um material que foi alvo da crítica de um porta-voz do Ministério do Interior ucraniano pela associação entre política e violência em uma peça de ficção.
Desde o início da invasão russa à Ucrânia, o AFP Checamos verificou diversos conteúdos falsos ou enganosos relacionados ao conflito.