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Lula não confessou ter doado refinarias à Bolívia; elas foram vendidas por US$ 112 milhões
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- Publicado em 16 de março de 2022 às 21:22
- 5 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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“Acredite se quiser. Lula confessa que deu refinaria da Petrobras para Bolívia”, diz uma das publicações com o trecho do vídeo compartilhado no Facebook (1, 2). O mesmo fragmento, com alegações similares, circula no Instagram (1, 2), Twitter (1, 2) e YouTube (1).
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Nas publicações viralizadas, o ex-mandatário (2003-2010) fala no Instituto Lula ao lado de Álvaro García Linera, ex-vice-presidente boliviano, sobre sua relação com o governo do ex-presidente da Bolívia Evo Morales (2006-2019).
No registro compartilhado em redes, Lula relata uma conversa que teria tido na presença de Morales antes que ele assumisse o governo, quando lhe perguntaram qual seria sua reação caso a Bolívia nacionalizasse a Petrobras. “E eu disse: ‘Olha, o gás é de vocês, o petróleo é de vocês, portanto, sabe, vocês fazem o que vocês quiserem’. E foi assim que nós nos comportamos”, diz Lula.
Em algumas publicações, o vídeo viralizado ainda é acompanhado de um texto com a afirmação de que se estima que o Brasil tenha perdido R$ 5 bilhões com essa situação.
Uma busca no Google pelos termos “Lula refinaria Petrobras Bolívia” trouxe como resultado um artigo publicado no jornal Gazeta do Povo em 2015, que fazia referência à fala e citava que as instalações supostamente doadas por Lula valeriam US$ 1,5 bilhão (o que seria equivalente, atualmente, a mais de R$ 7 bilhões).
Uma nova pesquisa com as palavras-chave “Instituto Lula Bolívia 2015” em “vídeos” no Google levou à gravação completa publicada no site da instituição. No evento, intitulado “Bolívia: Dez anos de transformações políticas, étnicas e sociais”, o trecho viralizado aparece após 2 horas, 30 minutos e 19 segundos da filmagem.
No vídeo pode se confirmar que se trata da mesma fala viralizada, na qual o ex-mandatário não “confessa que deu” refinarias da estatal brasileira para a Bolívia.
Nacionalização de hidrocarbonetos
Alegações similares a respeito da venda das duas refinarias brasileiras na Bolívia circulam ao menos desde 2018 nas redes sociais (1, 2) e já foram verificadas pela AFP.
Uma nova busca no Google em março de 2022 pelas palavras-chave “Bolívia refinarias Petrobras” mostrou como resultado matérias de 2007 sobre a venda de duas refinarias da estatal brasileira para a Bolívia (1, 2), tendo como contexto a decisão do país vizinho de nacionalizar a produção de petróleo e gás, em 1º de maio de 2006 (1, 2).
Em setembro de 2020, o Checamos já havia entrado em contato com a assessoria de imprensa da Petrobras, que enviou uma nota datada de 10 de maio de 2007 comunicando sobre a “venda da totalidade da participação acionária da companhia nessas refinarias pelo valor de 112 milhões de dólares”.
A Petrobras ainda especificou que o valor proposto “foi calculado com base no fluxo de caixa futuro, produzido por instituição financeira internacional independente, conforme práticas usuais dos negócios”.
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“A partir da decisão do governo boliviano, em 1º de maio de 2006, de nacionalizar 50% mais uma das ações da PBR, a companhia passou a negociar uma indenização prévia e justa com as autoridades daquele país. (...) Com este objetivo, a Petrobras apresentou, em 11 de maio de 2007, uma proposta final, no valor de US$ 112 milhões, para a venda das ações”, diz outra nota da estatal brasileira, datada de 26 de junho de 2007.
O texto também informa que, após a aceitação da proposta pela empresa estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), a primeira parcela do pagamento, no valor de US$ 56 milhões, foi depositada no dia 11 de junho de 2007. A segunda parcela foi paga em agosto daquele ano (1, 2).
A nacionalização dos hidrocarbonetos bolivianos ocorreu durante o último ano do primeiro mandato do presidente Lula (2003-2006), enquanto a negociação do pagamento com a Petrobras se concretizou no primeiro ano de seu segundo mandato (2007-2010).
O líder petista sofreu críticas na época por ter emitido, em 2 de maio de 2006, uma nota oficial indicando que “a decisão do governo boliviano de nacionalizar as riquezas de seu subsolo e controlar sua industrialização, transporte e comercialização, é reconhecida pelo Brasil como ato inerente à sua soberania”.
“Perda de R$ 5 bilhões”
Alguns dos vídeos viralizados finalizam com a seguinte alegação: “Estima-se que o Brasil tenha perdido 5 bilhões de reais com essa situação”.
Uma busca pelas palavras-chave “Petrobras 5 bilhões Bolívia” levou a reportagens (1, 2) a respeito de um suposto investimento que seria feito pela Petrobras na Bolívia. Os textos informavam, porém, que a estatal brasileira afirmou que não iria arcar sozinha com esse valor.
Outra pesquisa com os termos “Lula prejuízo Petrobras Bolívia” levou a notícias sobre uma perda de R$ 872 milhões que teria sido causada por um acordo fechado com a estatal boliviana YPFB (1, 2). O valor, no entanto, não chega a R$ 5 bilhões e estaria relacionado à venda do chamado “gás rico” ao Brasil.
Outras reportagens também apontam que a estatal brasileira havia investido US$ 1,5 bilhão (mais de R$ 7 bilhões atualmente) na Bolívia desde a década de 1990 (1, 2).