Pessoas que se vacinaram contra a covid-19 podem, sim, doar sangue para a Cruz Vermelha dos EUA
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- Publicado em 27 de maio de 2021 às 18:25
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- Por Marion DAUTRY, AFP Belgrado
- Tradução e adaptação AFP Brasil
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“Cruz Vermelha Americana: Pessoas vacinadas não podem doar sangue, porque a vacina destrói completamente seus anticorpos naturais… Nós o havíamos antecipado com nossos estudos, agora a confirmação oficial”, diz uma das publicações, visualizadas mais de 9 mil vezes no Facebook (1, 2, 3), Telegram (1, 2, 3), Twitter (1, 2, 3) e Instagram.
Todas as postagens acompanham o trecho de uma reportagem, que supostamente embasa a alegação viralizada. Conteúdo semelhante circula amplamente em espanhol, inglês, francês e sérvio.
Captura de tela feita em 26 de maio de 2021 de uma mensagem no Telegram
Mas, contactada no último dia 24 de maio pela equipe de checagem da AFP, a Cruz Vermelha dos Estados Unidos negou as afirmações.
“Na maior parte dos casos, você pode doar sangue, plaquetas e plasma após uma vacina contra a covid-19 desde que você esteja se sentindo saudável e bem”, escreveu a porta-voz Emily Osment. Essa informação também foi divulgada no site da Cruz Vermelha dos Estados Unidos em 22 de abril de 2021.
Na seção de seu site sobre doações de sangue e a covid-19, a Cruz Vermelha esclarece que “não há tempo de espera para doadores de sangue elegíveis que foram vacinados com vacinas baseadas em [vírus] inativados ou em RNA produzidas pela AstraZeneca, Janssen/J&J, Moderna, Novavax, ou Pfizer”.
“Doadores de sangue elegíveis que receberam uma vacina contra a covid-19 de vírus atenuado ou não sabem qual tipo de vacina contra covid-19 receberam devem esperar duas semanas antes de doar sangue”, acrescenta a Cruz Vermelha.
Vacinas virais inativadas são compostas por agentes infecciosos mortos, enquanto as atenuadas contêm agentes vivos, mas enfraquecidos a níveis considerados seguros para a aplicação clínica, como explica a Fundação Oswaldo Cruz. Já os imunizantes baseados em RNA contém instruções para que as células da pessoa vacinada produzam uma proteína do novo coronavírus, que estimula seu organismo a fabricar os anticorpos.
No Brasil, o Ministério da Saúde também recomenda que pessoas vacinadas aguardem um período antes de doar sangue, mas deixa claro que essa doação é, sim, possível.
Segundo a pasta, é necessário o tempo de espera “porque o micro-organismo da imunização, ainda que na forma atenuada, ainda circula por um período determinado no sangue do doador” podendo representar riscos para pacientes imunossuprimidos.
Origem da confusão
A confusão parece ter sido desencadeada pela reportagem que acompanha as publicações viralizadas. No vídeo, a apresentadora afirma, em inglês: “A Cruz Vermelha diz que qualquer um que recebeu uma vacina contra a covid-19 não pode doar plasma convalescente para ajudar outros pacientes de covid-19 em hospitais”.
O plasma é a parte líquida do sangue. Com a pandemia de covid-19, alguns pesquisadores propuseram o uso de transfusões de plasma convalescente para estudar seus benefícios potenciais em pacientes infectados.
De maneira simples, quando uma pessoa é contaminada com covid-19, seu corpo produz anticorpos para combater o coronavírus e esses anticorpos ficam concentrados no plasma. O tratamento consiste, então, em transpor os anticorpos de pessoas que foram contaminadas e se recuperaram, o que se chama de plasma convalescente, e injetá-los em pacientes que ainda estão doentes.
Esse método foi testado pela primeira vez em 1892 para combater a difteria e, posteriormente, contra a gripe espanhola em 1918.
Uma técnica de laboratório prepara um frasco de plasma sanguíneo no hospital Saint-Antoine, em Paris, em 1º de janeiro de 1945 (Arquivos / AFP)
No início de fevereiro de 2021, a Agência de Medicamentos de Alimentos dos Estados Unidos (FDA) atualizou suas diretrizes para a utilização da técnica, recomendando apenas o uso do plasma convalescente com “alto nível de presença de anticorpos, e somente para os pacientes hospitalizados, no início da doença”, ou para os pacientes “com imunidade enfraquecida que não conseguem produzir sozinhos quantidade suficiente de anticorpos”.
A agência considerou que a utilização de plasma convalescente, quando contém uma quantidade pequena de anticorpos, não demonstrou nenhum efeito benéfico para os pacientes.
Um estudo publicado em outubro de 2020 no periódico científico britânico BMJ também concluiu que o plasma convalescente demonstrou uma “eficácia limitada” para os pacientes, destacando, no entanto, a necessidade de conduzir novos estudos focados em plasma com altos níveis de anticorpos neutralizantes.
Nesse contexto, a Cruz Vermelha dos Estados Unidos efetivamente suspendeu a demanda por doações de plasma convalescente para ajudar pacientes com covid-19, mas não porque a “vacina elimina os anticorpos tornando o plasma convalescente ineficaz”, como diz o vídeo que acompanha as publicações nas redes.
“Estão circulando alegações que afirmam, incorretamente, que a Cruz Vermelha não aceitará doações de sangue daqueles que foram vacinados contra a covid-19 porque ‘a vacina elimina os anticorpos tornando o plasma convalescente ineficaz no tratamento de outros pacientes com covid-19’. Isso não é verdade”, informou a organização em seu site.
“A Cruz Vermelha descontinuou as doações de plasma convalescente de covid-19 em 26 de março devido ao declínio da demanda hospitalar e ao suficiente abastecimento da indústria”, acrescentou.
Mas o plasma convalescente com alto nível de anticorpos contra o coronavírus ainda pode ser utilizado no tratamento de pacientes com covid-19, como lembra a FDA.
A equipe de checagem da AFP já verificou a alegação de que a vacina contra covid-19 “enfraqueceria” o sistema imunológico.
Cruz Vermelha Japonesa
Algumas das publicações sobre a suposta rejeição da doação de sangue de vacinados contra a covid-19 mencionam que a Cruz Vermelha do Japão teria tomado a mesma atitude. Mas a organização humanitária apenas suspendeu a doação por parte de pessoas que haviam sido imunizadas contra o coronavírus para aguardar a decisão das autoridades oficiais, como já foi verificado pela AFP.
No último dia 28 de abril, a Cruz Vermelha japonesa anunciou que começaria a aceitar doações de pessoas que receberam vacinas de RNA, 48 horas após a injeção.