Máscaras do tipo FFP2 à venda em um mercado em Berlim, em 13 de abril de 2021 (David Gannon / AFP)

Os fios pretos dentro das máscaras não são parasitas, mas fibras têxteis inofensivas

Vídeos com experimentos que supostamente revelam que as máscaras contra covid-19 escondem parasitas em seu interior foram visualizados mais de 100 mil vezes em redes sociais ao menos desde o final de março. Nas gravações, compartilhadas em múltiplos idiomas, é possível ver pequenos fios pretos que, em alguns casos, se movem. No entanto, especialistas consultados pela AFP que recriaram os experimentos asseguraram que o que se vê não são organismos vivos, mas fibras que se aderem às máscaras e que se movem devido a correntes de ar ou por efeito da eletricidade estática.

Os diferentes vídeos circulam no Facebook (1, 2, 3), Telegram (1, 2, 3), Twitter e YouTube. “Olha o que tem dentro dessas máscaras, vermes, testaram, já vêm com o corona”, alerta uma das postagens. Outras versões detalham que os equipamentos de proteção possuem uma espécie de “parasita” denominada “morgellons”

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Combinação feita em 16 de abril de 2021 de capturas de telas de vídeos publicados no Facebook, Telegram e Twitter

Entre os vídeos viralizados, alguns mostram pessoas que utilizam celulares e microscópios para ampliar a imagem das máscaras, enquanto outros utilizam também água quente ou vapor d’água para “ativar” os supostos vermes.

Em todos os casos o resultado é o mesmo: a câmera termina focando em pequenos fios pretos que se movem dentro do tecido das máscaras.

Publicações semelhantes circulam em inglês, espanhol, alemão, francês e sérvio.

Experimentos

Replicando o método utilizado em vários dos vídeos, um jornalista da AFP submeteu diversos objetos cotidianos ao zoom de um celular e comprovou que neles também é possível ver os fios pretos:  

A AFP também pediu que especialistas de diversos países replicassem os experimentos vistos nos vídeos e explicassem seus resultados.

Jana Nebesarova, professora adjunta do laboratório de Microscopia Eletrônica da Academia Tcheca de Ciências, indicou à AFP no último dia 31 de março: “O mais provável é que sejam pedaços de tecido. O ar está cheio destes fragmentos de tecido que flutuam livremente junto com pólen, mofo, partes de células mortas da nossa pele, pedaços microscópicos de terra, etc”.

A professora explicou que as máscaras “podem conter fios que chegaram a elas durante o processo de fabricação ou durante o manuseio, pouco antes de serem utilizadas”.

“Em qualquer caso, não são perigosos para uma pessoa saudável; são coisas que respiramos todos os dias e nosso epitélio ciliado, que cobre nosso sistema respiratório, sabe lidar muito bem com essas partículas microscópicas estranhas”, acrescentou.

Marina Jovanovic, especialista em Ciências Biológicas e pesquisadora associada ao Instituto de Química Geral e Física de Belgrado, questionou as condições dos “experimentos” viralizados e recriou o teste a pedido da AFP. 

 

Jovanovic explicou que, em condições reais de laboratório, um pedaço de máscara no microscópio deve ser colocado entre ao menos duas camadas de vidro e não deve ser tocado constantemente com as mãos, como ocorre nos vídeos compartilhados nas redes sociais. Para se assemelhar aos experimentos viralizados, Jovanovic disse que também não seguiu as condições de laboratório em sua reprodução.

“Quando colocamos uma máscara, a tocamos com as mãos, temos germes nas mãos, tocamos diferentes superfícies que podem conter microorganismos. Além dos micróbios, é possível transferir resíduos às máscaras, como pelos, fibras vegetais e outras impurezas. O que vimos no microscópio em uma máscara usada não são parasitas, nem nada vivo. São apenas restos de material”, disse.

Jeffrey Marlow, professor adjunto de biologia da Universidade de Boston, também replicou o experimento e disse à AFP que só encontrou “fios” em uma máscara nova.

“Ao tirar uma máscara nova da embalagem e analisá-la com um microscópio vertical Nikon a 80x, vi uma rede de fios claros e translúcidos. Aproximadamente uma ou duas vezes a cada centímetro quadrado, havia fios mais escuros, curtos e muitas vezes retorcidos. Durante os 10 minutos que durou minha observação no laboratório, nenhum dos filamentos se moveu”, disse, por e-mail.

Por sua vez, Christian Scarlach, porta-voz da fabricante alemã D/Maske disse à AFP que “as máscaras com uma boa eficiência de filtragem bacteriana têm uma carga eletrostática particularmente alta”. Isso, segundo ele, permite que atraiam e capturem pequenas partículas no tecido.

O mesmo acontece com o local onde a máscara é armazenada. “A carga eletrostática atrai e filtra as fibras. Por exemplo, se você leva uma máscara no bolso, as fibras se aderem automaticamente à máscara”, detalhou.

Mas, por que se movem?

Os especialistas consultados coincidiram ao afirmar que essas fibras se movem por eletricidade estática, pelo efeito do vapor, ou porque são tão leves que acabam sendo levadas por correntes de ar que os seres humanos não costumam perceber.

O físico romeno Cristian Presură, pesquisador principal do Laboratório de Pesquisa Phillips em Eindhoven, na Holanda, também negou a afirmação de que as fibras fossem parasitas, em um vídeo publicado no YouTube no último dia 2 de abril. “Não há parasitas, mas temos fibras têxteis pretas”, concluiu, após fazer experimentos com vários tecidos.

“Aqui vemos como, após serem submetidas ao vapor, essas pequenas coisas pretas parecem se mover, como se se contorcessem, como se ganhassem vida”, descreve no vídeo. “Por que se movem? Porque o vapor que ainda está na máscara sobe e, desta forma, movimenta o que acredito que seja uma fibra têxtil”, indicou, detalhando que essas fibras reagem a mudanças no ambiente.

Em alguns vídeos é usada água quente para “ativar” os “parasitas” que supostamente se encontram nas máscaras. “Quando você tenta pegar um objeto em uma piscina, ele se afasta de você porque você criou uma onda com sua mão. Da mesma maneira, quando você se aproxima de um fio com a ponta de uma pinça, cria uma onda na gota d’água e o fio se move. No entanto, isso absolutamente não demonstra que a partícula esteja viva ou que seja capaz de se mover sozinha”, explicou a professora Nebesarova.

“Morgellons”

Os vídeos que asseguram que os fios negros são “parasitas” chamados “morgellons” fazem referência a uma patologia controversa que alguns cientistas classificaram como um delírio psicótico. Aqueles que dizem sofrer da doença afirmam sentir filamentos por debaixo da pele, como parasitas.

“A doença de Morgellon é uma doença de pele controversa e inexplicável”, diz o site da Clínica Mayo, dos Estados Unidos.

“Este fenômeno foi denominado pelos próprios pacientes como ‘doença de Morgellons’, embora faltem evidências médicas de sua existência”, diz um artigo publicado em 2010 pela Sociedade Alemã de Dermatologia.

Desde o início da pandemia, o AFP Checamos já verificou dezenas de conteúdos sobre máscaras (1, 2, 3).

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