Medir a temperatura com um termômetro infravermelho não danifica a glândula pineal
- Este artigo tem mais de um ano
- Publicado em 20 de agosto de 2020 às 20:47
- 4 minutos de leitura
- Por Marin LEFEVRE, AFP Argentina, AFP Chile
- Tradução e adaptação AFP Brasil
Copyright © AFP 2017-2025. Qualquer uso comercial deste conteúdo requer uma assinatura. Clique aqui para saber mais.
Todas as publicações identificadas pela AFP começam da mesma maneira: alertando contra os supostos riscos dos termômetros infravermelhos por meio do “relato de uma enfermeira australiana”.
Como um dos sintomas da COVID-19 é a febre, durante a pandemia, supermercados, centros comerciais, aeroportos, hospitais e outros locais públicos passaram a controlar a temperatura corporal das pessoas com termômetros em forma de pistola, sem que seja necessário o contato direto.
De acordo com o suposto testemunho, largamente compartilhado no Facebook (1, 2, 3), Twitter e YouTube, medir a temperatura utilizando este tipo de termômetro poderia colocar em risco a glândula pineal, localizada no cérebro.
Captura de tela feita em 19 de agosto de 2020 de uma publicação no Facebook
Mas, a alegação, também enviada ao WhatsApp do AFP Checamos, é falsa: a Agência Nacional de Segurança de Medicamentos e Produtos de Saúde da França (ANSM) indicou à AFP que o “indivíduo testado não é, de forma alguma, submetido a uma exposição à radiação infravermelha durante a medição da temperatura”.
O mesmo foi explicado por Antonio Estay, acadêmico do Departamento de Tecnologia Médica da Universidade do Chile: “O que o sensor [do termômetro] faz é medir a radiação eletromagnética [emitida pelo usuário], não produzir”, afirmou à AFP ao ser consultado sobre uma outra desinformação que assegurava que estes dispositivos provocavam danos oftalmológicos.
O termômetro capta, portanto, os espectros infravermelhos emitidos pelo corpo humano por meio de uma lente em um sensor. De acordo com o comprimento das ondas de radiação recebidas, ele exibe uma temperatura mais, ou menos, alta.
Além disso, mesmo se os raios infravermelhos fossem direcionados contra esta glândula, ela está localizada muito profundamente no cérebro para ser atingida, explicou Gabrielle Girardeau, pesquisadora em neurociência do Instituto Nacional de Saúde e de Pesquisa Médica da França (Inserm), contactada pela AFP.
“A luz tem uma capacidade muito fraca de penetração da barreira constituída pelo crânio, mesmo se os comprimentos de ondas infravermelhas penetram com maior facilidade”, afirmou.
“Seria necessário cruzar completamente a caixa craniana para atingir essa pequena glândula situada no fundo do cérebro”, acrescenta Mireille Rossel, professora e pesquisadora em neurociência na Escola Prática de Estudos Superiores (EPHE), em conversa telefônica com a AFP.
A glândula pineal, ou epífise, é uma pequena glândula de cerca de 8 milímetros “que secreta a melatonina, um hormônio envolvido no ritmo circadiano, ou seja, na alternância entre as fases de sono e de despertar [dia-noite]”, explica Gabrielle Girardeau.
Maude Beaudoin-Gobert, doutora em neurociência afiliada à Universidade Claude Bernard Lyon 1, detalhou à AFP que são as “células da retina [que] detectam a luz e transmitem as informações a um certo número de pontos no cérebro antes de chegar à glândula pineal”. É esse processo que permite ativar a secreção de melatonina durante a noite.
Ilustração da glândula pineal retirada de documento sobre tumores no sistema nervoso central dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos
Não há, além disso, evidências de que o termômetro infravermelho cause danos a qualquer tecido do corpo humano, como já assegurou à AFP Federico Preve, médico neurologista e integrante do comitê executivo do Sindicato Médico do Uruguai, quando contactado para outra verificação sobre o dispositivo.
“Até onde tenho conhecimento, não há nenhuma pesquisa que demonstre que este tipo de dispositivos de recepção de infravermelhos gerem danos, nem neurológicos, nem em qualquer outro tecido do corpo humano”, afirmou.
Após consultar a biblioteca médica digital Pubmed, María Vaccarezza, neurologista infantil do Hospital Italiano de Buenos Aires procurada para a verificação anterior, afirmou não ter encontrado “nada sobre nenhum efeito adverso [provocado pelos termômetros infravermelhos] ou sobre a causa de qualquer complicação, sequela, ou dano”.
“Não há nenhuma pesquisa [que alerte para efeitos adversos destes termômetros]. É preciso sempre olhar os artigos médicos para estas questões, e não se guiar por rumores que circulam”, acrescentou, sinalizando que estes aparelhos são utilizados para medir a temperatura de quem entra no hospital onde trabalha.
Para Maude Beaudoin-Gobert, a origem do rumor sobre o efeito do termômetro contra a glândula pineal “vem do fato de que, nos répteis e pássaros, esta glândula fica efetivamente logo abaixo do crânio e contém células fotossensíveis (e, portanto, sensíveis à luz do espectro visível e infravermelho)”. Mas, este não é caso dos mamíferos.
Alguns destes termômetros infravermelhos utilizam, ainda, um apontador de laser, uma pequena luz que não é composta por radiação infravermelha e que “serve para direcionar o termômetro para a parte do corpo cuja temperatura se deseja medir”, acrescentou a ANSM. Mas sua potência “é baixa e existem avisos para não olhar para o feixe”.
A agência detalha, ainda, não ter “recebido nenhum relato sobre problemas ligados à utilização deste tipo de termômetro” e que “não há fundamento para os riscos associados ao seu uso”.
Em resumo, é falso que os termômetros infravermelhos amplamente utilizados durante a pandemia de COVID-19 possam danificar a glândula pineal. Como explicaram à AFP múltiplos especialistas em neurociência, estes termômetros não emitem radiação infravermelha quando estão sendo utilizados e esta glândula está localizada muito profundamente no cérebro para ser atingida.