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A Itália não encontrou a cura da COVID-19 e outras afirmações falsas de uma mensagem viral
- Este artigo tem mais de um ano
- Publicado em 10 de junho de 2020 às 20:48
- Atualizado em 2 de setembro de 2020 às 19:05
- 6 minutos de leitura
- Por Remi BANET, François D'ASTIER, AFP Colômbia, AFP Brasil
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“ÚLTIMA HORA. INTERNACIONAL ITÁLIA. NA ITÁLIA A CURA DO CORONAVIRUS É FINALMENTE ENCONTRADA [sic]”. Assim começa a extensa mensagem que foi compartilhada no Facebook (1, 2, 3, 4) e no Twitter (1).
A informação também circulou amplamente em francês e espanhol.
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Captura de tela feita em 10 de junho de 2020 de uma publicação no Facebook
A grande maioria destes conselhos, no entanto, se baseia em afirmações falsas, ou sem fundamento. Veja a seguir a verificação:
1- A Itália encontrou a cura para o coronavírus: FALSO
“Na Itália a cura do coronavirus é finalmente encontrada [sic]”
Esta afirmação foi desmentida pelo próprio Ministério da Saúde da Itália em um comunicado publicado em 29 de maio. Nele, afirma que “atualmente não existem terapias comprovadas contra a COVID-19. As terapias disponíveis atualmente continuam sendo baseadas no tratamento dos sintomas da doença, proporcionando terapias de apoio (por exemplo, terapia de oxigênio, manejo de líquidos) a pessoas infectadas”.
De acordo com a pasta, estão sendo realizados vários testes clínicos para o tratamento do coronavírus. “A Agência Italiana de Medicamentos (AIFA) fornece informações em seu site sobre os medicamentos para os quais houve aprovação e foram iniciados os testes, realizados sob estrita supervisão médica”, diz o comunicado.
Até a publicação deste artigo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que ainda não há “nenhum medicamento que demonstre prevenir, ou curar essa doença”.
2. O coronavírus nada mais é do que uma trombose: FALSO
“O chamado Covid-19, que nada mais é do que ‘Coagulação intravascular disseminada’ (trombose) [...] Esta notícia sensacional para o mundo foi produzida por médicos italianos, realizando autópsias em cadáveres produzidos pelo Covid-19 [sic]”.
É verdade que existe um estudo sobre necropsias de cadáveres de pessoas que morreram em decorrência da COVID-19 na Itália, especificamente nas cidades de Bergamo e Milão. Nele, é assinalado que foram observados trombos em pequenos vasos sanguíneos em 33 dos 38 pacientes analisados. Os autores concluíram que a COVID-19 está vinculada com “problemas de coagulação do sangue e com trombose”.
No entanto, o texto publicado em 22 de abril não exclui que a pneumonia seja parte das patologias da COVID-19. “No momento da hospitalização, todos os pacientes deram positivo e mostraram sinais clínicos e radiológicos de pneumonia”, indicam os resultados do estudo.
Também é importante assinalar que este estudo ainda está em etapa prévia a sua publicação, ou seja, que as hipóteses ainda não foram validadas por outros especialistas do mesmo campo, um passo imprescindível para verificar a validade e idoneidade de uma pesquisa científica.
À medida que a pandemia de COVID-19 tem avançado, os médicos foram descobrindo novos problemas provocados pela doença, além da questão pulmonar, como é o caso dos coágulos no sangue, que podem levar, inclusive, à amputação de membros.
Outros estudos realizados na França, Irlanda e Holanda, e que já foram revisados, também mostraram a presença de coágulos no sangue em pessoas que faleceram pela COVID-19. Nos três casos é advertido que é possível desenvolver as duas patologias, ou seja, pneumonia e coagulação do sangue.
A OMS também registrou que algumas das complicações associadas aos estados críticos de pacientes infectados pelo novo coronavírus podem ser a tromboembolia venosa, ou a coagulopatia.
Não obstante, o Journal of the American College of Cardiology indica que, por enquanto, os “dados disponíveis sobre o risco trombótico são bastante limitados”.
3. A forma de combater o coronavírus é com antibióticos, anti-inflamatórios e anticoagulantes: ENGANOSO
“A maneira de combatê-lo [o coronavírus], ou seja, sua cura, é com os ‘antibióticos, anti-inflamatórios e anticoagulantes’ [...] o Ministério da Saúde italiano mudou imediatamente os protocolos de tratamento Covid-19... e começou a administrar a seus pacientes positivos Aspirina 100mg e Apraxax [sic]”
A OMS indicou que “até o momento não foi comprovado que nenhum remédio pode curar, ou prevenir, a COVID-19”. Também afirma que “os antibióticos são eficazes contra as bactérias, mas não contra os vírus. Posto que o novo coronavírus (2019-nCoV) é um vírus, não devem ser usados antibióticos nem para prevenir nem para tratar a infecção”.
Nem o napronax (naproxeno) nem a aspirina aparecem na lista de medicamentos essenciais para o tratamento de pacientes com COVID-19 publicada em março de 2020 pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
O paracetamol (acetaminofeno), igualmente recomendado no texto viral, realmente está na lista da Opas, mas é recomendado para tratar a febre.
“O paracetamol tem ação antipirética e, portanto, é muito útil em caso de febre alta, mas não cura as novas infecções por coronavírus”, indica o site do Ministério italiano da Saúde. Um porta-voz da pasta também negou que o país europeu esteja usando aspirina e napronax. “É uma informação falsa”, disse à AFP em 6 de junho.
4. Os ventiladores nunca foram necessários: FALSO
“De acordo com patologistas italianos. ‘Os ventiladores e a unidade de terapia intensiva nunca foram necessários’”.
Segundo um artigo de 28 de abril do meio de comunicação especializado Indústria Italiana, o governo deste país ordenou a fabricação de 500 máquinas de ventilação por mês durante os quatro meses subsequentes.
De acordo com o guia da OMS sobre o tratamento clínico da infecção respiratória aguda (IRAG), “embora a maioria (81%) das pessoas com COVID-19 apresente quadros leves sem complicações […] aproximadamente 5% devem ser tratados em unidades de tratamento intensivo (UTI). Dos doentes críticos, a maior parte requer ventilação mecânica. O diagnóstico mais frequente nos pacientes com COVID-19 grave é a pneumonia grave”.
Atualmente existe um debate científico sobre os casos em que os pacientes devem ser entubados, um procedimento complicado para o corpo e longe de ser sistematicamente bem-sucedido.
Em 27 de abril de 2020, o Centro Nacional de Informação Biotecnológica dos Estados Unidos publicou uma série de pautas sobre o tratamento de pacientes com dificuldades respiratórias pela COVID-19. De acordo com o documento, não existe uma estratégia única de ventilação para todos os pacientes, mas sim muitos cenários diferentes.
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No entanto, adverte que embora “atualmente não existam estudos que abordem as estratégias de ventilação mecânica em pacientes com COVID-19 […] o painel de especialistas acredita que os pacientes com COVID-19 ventilados mecanicamente devem ser tratados de forma similar a outros pacientes com insuficiência respiratória aguda nas Unidades de Tratamento Intensivo”.
5. Os médicos italianos fizeram autópsias burlando uma lei da OMS: FALSO
“Os médicos italianos, desobedeceram a lei mundial da saúde da OMS, para não fazer autópsias nos mortos do Coronavírus”
A OMS não estabeleceu uma “lei de saúde mundial” que proíba realizar necropsias de pessoas que morreram por conta do novo coronavírus.
Essa organização tem um protocolo para a gestão segura de cadáveres infectados com a COVID-19 no qual explica quais medidas de proteção devem ser adotadas para realizá-las. “Se for selecionado para necropsia o cadáver de um paciente com COVID-19 suposta ou confirmada, os centros de atendimento médico devem garantir que foram adotadas as medidas de segurança para proteger quem realiza a necropsia”, assinala o documento, com data de 24 de março de 2020.
Países como Brasil, Equador, Colômbia e Costa Rica implementaram protocolos para realizar necropsias de pessoas que morreram em decorrência da COVID-19.
6. O coronavírus é uma bactéria: FALSO
O coronavírus “não é um vírus como eles nos fizeram acreditar, mas uma bactéria... amplificada com radiação eletromagnética 5G que também produz inflamação e hipóxia”.
De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, o Instituto Pasteur da França e o Ministério da Saúde da Itália, o novo coronavírus é um vírus respiratório e não uma bactéria.
“Os coronavírus são uma extensa família de vírus que podem causar doenças tanto em animais como em humanos. Nos humanos, sabe-se que vários coronavírus causam infecções respiratórias que podem ir desde o resfriado comum até doenças mais graves […] O coronavírus que foi descoberto recentemente causa a doença por coronavírus COVID-19”, apontou a OMS.
Essa organização não associa o vírus à radiação. De fato, também nega a afirmação de que as redes ou antenas 5G de telefonia móvel possam propagar o vírus.
“Os vírus não se deslocam pelas ondas eletromagnéticas nem pelas redes de telefonia móvel. A COVID-19 está se propagando em muitos países nos quais não existe uma rede 5G”, afirmou a OMS.
Em resumo, segundo especialistas e de acordo com informações de organismos mundiais de saúde, as afirmações que circulam em uma extensa mensagem nas redes sociais e que incluem versões sobre uma suposta cura do novo coronavírus encontrada pela Itália são falsas, ou não têm embasamento científico.
Esta verificação foi realizada com base em informações científicas e oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis na data desta publicação.