Este parto ocorreu na Costa Rica em janeiro, quando ainda não havia registro da COVID-19 no país
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- Publicado em 21 de maio de 2020 às 22:13
- Atualizado em 22 de maio de 2020 às 00:23
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- Por AFP México, AFP Brasil
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“Mãe com Corona Virus.Médicos tiraram o bebe na bolsa sem estourar, para não contaminar o recém nascido [sic]”, são as legendas que acompanham os vídeos compartilhados mais de 32,3 mil vezes no Facebook (1) ao menos desde o último dia 6 de maio. As imagens mostram o nascimento de um bebê que saiu do útero de sua mãe ainda dentro do saco amniótico, membrana que protege o embrião durante a gestação.
A gravação também circulou em menor escala no Twitter e no YouTube, e em outros idiomas, como o espanhol, registrando mais de 120 mil compartilhamentos em apenas uma postagem.
Captura de tela feita em 20 de maio de 2020 de publicação no Facebook
Muitos usuários ficaram impressionados com a cena mostrada no vídeo e fizeram comentários como: “Q triste, a mãe nao podera nem amamenta-lo de inicio.... não poderá segura-lo.... mas graças a Deus ele nascerá sem o vírus [sic]”, “Milagre da vida, médicos de bom coração e competentes . Parabéns” e “Que coisa mais linda de se ver. Que Deus abençoe essa família e esses profissionais”.
Outros, no entanto, apontavam a beleza da gravação, mas demonstravam desconfiança a respeito da mãe do bebê estar infectada pelo novo coronavírus: “Kkkkkkkkkk video lindo e antigo, essa legenda pelo amor de Deus né. Nada ver [sic]”, “O vídeo é antigo e o texto é extremamente Fake, mas não deixa de ser emocionante ver o mundo sendo apresentado a vida” e “E lindo o vídeo...mais é bem antigo nada a ver com corona vírus [sic]”.
Uma busca reversa* com a ferramenta InVID-WeVerify por um dos fotogramas da gravação forneceu vários resultados no Google, entre eles um vídeo no YouTube intitulado “MILAGRO EN COSTA RICA !!!” (“Milagre na Costa Rica”, em tradução livre), publicado em 27 de abril de 2020. Este foi o resultado mais antigo mostrado pelo Google.
Em resposta à equipe de checagem da AFP, o usuário que postou a sequência disse: “O vídeo não é meu, compartilharam comigo e eu publiquei com consentimento, mas várias pessoas publicaram-no já que quem o filmou viralizou na Costa Rica, mas isso aconteceu na Costa Rica, no Hospital Adolfo Carit Eva, a menina foi concebida por meio de FIV, e tanto a mãe como a criança estão 100 % saudáveis. De fato, no áudio são ouvidas palavras como ‘mãe’, ‘tuanis’, próprias da Costa Rica”.
Uma pesquisa no Facebook por publicações feitas em abril de 2020 com os termos “vídeo parto costa rica” levou à publicação de um usuário no dia 28 com a seguinte legenda: “Gente, por favor, ajudem a compartilhar que esta publicação é completamente FALSA, esse vídeo é do nascimento de uma das minhas sobrinhas em janeiro deste ano”.
Outra usuária, também localizada na Costa Rica, segundo a informação de seu perfil, se expressou no mesmo sentido ao compartilhar a postagem em seu perfil: “Desgraçados, as gêmeas nasceram há quase 4 meses, o coronavírus nem havia chegado ao país”.
A mãe
Depois de entrar em contato com várias pessoas que compartilharam mensagem similares, a AFP contactou Verónica Salazar, a mulher cujo parto foi gravado em vídeo na Costa Rica e posteriormente viralizado com a afirmação de que mostraria o nascimento de um bebê de uma mulher infectada com a COVID-19. Por telefone, ela negou a veracidade dessa informação.
Salazar declarou que o nascimento de suas gêmeas ocorreu em 8 de janeiro de 2020 no Hospital San Vicente de Paúl, em Heredia, um hospital da Caixa Costa-riquenha de Seguro Social (CCSS).
“O vídeo foi gravado pelos próprios funcionários do hospital porque eles ficaram muito impressionados que a bebê nasceu no saco amniótico intacto, na bolsa, então eles gravaram [...] tinham as pessoas que gravaram no hospital e tínhamos nós, da família. Para mim é um vídeo muito pessoal, em nenhum momento sequer publiquei na minha página do Facebook, porque no Facebook eu fiz apenas um resumo do nascimento das bebês e coloquei partes do vídeo, mas o vídeo completo guardamos para nós”, explicou.
A mulher acrescentou que no final de abril uma amiga do seu marido lhe avisou que o vídeo do nascimento de suas filhas estava circulando na Internet com a afirmação de que se tratava do parto de uma mulher com a COVID-19. “E realmente o vimos [...] efetivamente era o vídeo [...], mas quando nós nos demos conta, o vídeo já estava por todos os lados”, contou.
Para mostrar que a gravação corresponde, na realidade, ao nascimento de suas gêmeas, Salazar compartilhou com a equipe de checagem da AFP a sequência que publicou em sua conta no Facebook em 21 de janeiro de 2020 com “um resumo do nascimento das bebês”.
O vídeo contém fragmentos que são idênticos aos que aparecem na gravação viralizada, mas de outro ângulo.
Combinação de capturas de tela de publicações no Facebook feita em 21 de maio de 2020
Salazar disse à AFP que a divulgação do vídeo do nascimento de sua filha com uma informação falsa fez com que ela e seu marido se sentissem “bastante incomodados”. “Sinto que era algo muito pessoal, nosso, e me incomodou muito não poder saber quem foi a pessoa que se atreveu a postá-lo, publicá-lo sem o nosso consentimento [...] esse vídeo eu guardo com todo o amor do mundo porque a minha bebê nasceu assim, e saber que o vídeo anda por todos os lados e saber que anda com uma informação completamente falsa, doeu muito”, acrescentou.
Nascer empelicado
Um bebê que nasce em um parto empelicado é aquele que sai do útero ainda dentro do saco amniótico, que contém o feto e o líquido amniótico. De acordo com o Dicionário Médico da Clínica Universidade de Navarra, “o feto verte as suas secreções [...] cumpre também uma missão hidrodinâmica [...] amortecendo os golpes que o feto pode receber”.
Segundo este estudo realizado por especialistas do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Southside, em Nova York, um parto empelicado ocorre em menos de 1 em cada 80 mil nascimentos.
Consultada pela AFP por e-mail, a ginecologista Karla Hernández explicou que “não existe uma razão específica” para que um bebê nasça com o saco amniótico intacto. “Sabemos que isto é visto com mais frequência em bebês prematuros”, acrescentou.
“Nos casos de parto vaginal, a força de contração e puxo empurram o bebê, suas membranas e líquidos para o exterior e, por pressão, geralmente se rompem. Contudo, em casos muito raros, não acontece assim. No caso das cesáreas [...] vê-se em bebês pequenos, ou prematuros”, disse Hernández.
A especialista indicou que um nascimento deste tipo “não dá nenhum benefício, mas tampouco confere algum risco [ao bebê]”.
COVID-19 durante o parto
Sobre o novo coronavírus e os partos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) assegura em seu site, consultado em 21 de maio de 2020: “Ainda não sabemos se uma mulher grávida com COVID-19 pode transmitir o vírus ao feto, ou bebê, durante a gravidez, ou parto. Até o momento, o vírus ativo não foi encontrado em amostras de líquido amniótico, ou leite materno”.
Sobre a dúvida da necessidade de uma gestante com COVID-19 dar à luz por meio de uma cesárea, a OMS indica: “Não. A OMS aconselha que cesarianas só devem ser realizadas quando clinicamente justificadas. O modo de parto deve ser individualizado e baseado nas preferências da mulher, em conjunto com as indicações obstétricas”.
Parto com COVID-19 na Costa Rica
Embora seja falso que o vídeo viralizado corresponda ao nascimento de um bebê de uma mulher contaminada pelo novo coronavírus, é verdade que na Costa Rica nasceu um bebê de uma mulher com COVID-19 no último dia 25 de abril.
O site da Caixa Costa-riquenha de Seguro Social (CCSS) informou que o parto ocorreu no Hospital San Juan de Dios, em San José, às 20h14 no horário local. “O doutor Joaquín Bustillos, chefe de Obstetrícia do hospital e especialista em alto risco, e que estava a cargo da cesárea, explicou que foi um processo bem-sucedido que durou 50 minutos, acrescentou que não houve complicações e que a bebê está em perfeito estado”, acrescentou a CCSS.
Um dia depois do parto, a CCSS anunciou: “Boas notícias: O teste para COVID-19 realizado na bebê que nasceu ontem e que a mãe deu positivo para esta doença SAIU NEGATIVO”.
A Costa Rica já registrou ao menos 900 contágios pelo novo coronavírus até 21 de maio, e seu primeiro caso confirmado foi no último dia 6 de março, informou a AFP.
Em resumo, é falso que o vídeo viralizado no qual observa-se um bebê nascer envolto no saco amniótico intacto corresponda ao parto de uma mulher contaminada pelo novo coronavírus na Costa Rica. A gravação é de janeiro de 2020, quando ainda não haviam sido detectados casos da doença no país.
*Uma vez instalada a extensão InVid-WeVerify no navegador Chrome, clica-se com o botão direito sobre a imagem e o menu que aparece oferece a possibilidade de pesquisa da mesma em vários buscadores.
EDIT 21/5: Atualiza número de casos na Costa Rica