Didier Raoult não disse que a COVID-19 foi criada pela China e pelos EUA para “destruir” a África

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  • Publicado em 18 de maio de 2020 às 22:32
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  • Por Sadia MANDJO, AFP Brasil
Uma mensagem, compartilhada milhares de vezes no Facebook desde 11 de maio, afirma que o infectologista francês Didier Raoult disse que a COVID-19 foi criada pelos EUA e pela China para provocar mais de 30 milhões de mortes na África. Contactado pela equipe de checagem da AFP, o Instituto Hospitalar Universitário de Marselha, dirigido por Raoult, negou que o médico tenha dado tal declaração. Além disso, cientistas afirmam que o novo coronavírus tem origem animal e não foi criado pelo homem.

“Didier Raoult declara: Gostaria de dizer a todos os africanos que o coronavírus foi criado pelos EUA e pela China com o objetivo de destruir [a] África”, começa uma publicação, compartilhada mais de 18 mil vezes no Facebook desde o último dia 13 de maio.

Segundo a mensagem - replicada em outras postagens (1, 2) -, a doença tem como objetivo provocar “mais de 30 milhões” de mortes no continente africano. O texto viralizado afirma, ainda, que a China já está se preparando para “lançar um novo vírus” e acusa de “cumplicidade” Bill e Melinda Gates, cuja fundação tem sido alvo frequente de desinformações.

A suposta declaração de Raoult também circulou em francês, em publicações compartilhadas mais de 164 mil vezes.

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Captura de tela feita em 18 de maio de 2020 de publicação no Facebook

Contactado pela AFP em 14 de maio, o Instituto Hospitalar Universitário de Marselha, dirigido pelo professor Raoult, afirmou, no entanto, que o infectologista “nunca se posicionou sobre este assunto”.

Raoult ganhou destaque internacional ao afirmar que a hidroxicloroquina, associada ao antibiótico azitromicina, é um tratamento eficaz e seguro contra o novo coronavírus. No Brasil, os estudos do infectologista têm sido citados por aqueles que defendem a expansão do uso da hidroxicloroquina por pacientes de COVID-19, incluindo o deputado federal e filho do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro.

A hidroxicloroquina é um derivado da cloroquina, um fármaco muito conhecido na África, uma vez que é utilizado no tratamento da malária, doença que afeta severamente este continente.

Estudos clínicos estão sendo realizados para avaliar a sua eficácia no tratamento da COVID-19, questionada por parte da comunidade científica e das autoridades médicas.

Os chefes de Estado de diversos países africanos, como a Costa do Marfim e o Senegal - onde Raoult nasceu -, também autorizaram a realização de testes em seus territórios. No Senegal, as autoridades anunciaram, em 2 de maio, que continuarão a administrar a hidroxicloroquina em pacientes de COVID-19, uma vez que uma análise “preliminar” teria demonstrado que seu uso resulta em uma redução no tempo de hospitalização.

Origem do novo coronavírus

A mensagem viralizada se embasa, em grande parte, na alegação de que o novo coronavírus - identificado no final do ano passado na cidade chinesa de Wuhan - não tem origem animal, mas foi fabricado pelo homem em um laboratório.

Essa teoria ganhou força após ser defendida pelo ganhador do prêmio Nobel de Medicina de 2008, Luc Montagnier, que afirmou que o SARS-CoV-2 - nome científico do novo coronavírus - foi criado acidentalmente em um laboratório na tentativa de fabricar uma vacina para a aids.

A hipótese de Montagnier foi, no entanto, amplamente rejeitada pela comunidade científica, uma vez que múltiplas análises dos genomas do vírus indicaram que ele possui origem natural.

Estas pesquisas apontam para a probabilidade de que o novo coronavírus tenha surgido em morcegos, antes de ser transmitido ao homem através de um intermediário de outra espécie animal. Cientistas chineses afirmaram que este intermediário pode ter sido um pangolim, um pequeno mamífero com escamas ameaçado de extinção.

“A maioria dos vírus emergentes vem de um reservatório animal”, explicou à AFP no início de abril Etienne Simon-Lorière, especialista em vírus RNA (ácido ribonucleico, código genético semelhante ao DNA), do Instituto Pasteur, em Paris.

“Se um cientista, por mais genial que fosse, buscasse criar um vírus, seria complexo demais porque se trataria de criar uma coisa completamente nova”, afirmou.

“O que nós poderíamos tentar fazer, seria criar alguma coisa a partir de elementos de vírus já conhecidos, como o SARS-CoV-1, por exemplo”, imaginou o pesquisador. “Mas, então, nós teríamos indicações na sequência de RNA que corresponderiam às partes de genomas de vírus já conhecidos”, o que não é o caso, apontou.

Marie-Paule Kierny, virologista, vacinologista e especialista em saúde pública, descartou, da mesma maneira, a hipótese de que o vírus tenha surgido a partir da “manipulação laboratorial” de qualquer outro vírus.

“O sequenciamento do RNA do vírus SARS-2 CoV mostra que a sequência de um coronavírus de morcego RaTG13 isolado na China é o parente mais próximo do SARS-2 e, particularmente, das cepas que circularam no início em Wuhan”, detalhou Kierny, que é também diretora de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm) da França, em 6 de abril.

No último dia 19 de fevereiro, dezenas de cientistas de diferentes países condenaram “as teorias conspiratórias que sugerem que a COVID-19 não tem origem natural”, em uma coluna publicada na reconhecida revista científica The Lancet.

A África, o continente menos afetado

As publicações viralizadas afirmam, ainda, que o objetivo deste vírus supostamente fabricado seria de provocar “mais de 30 milhões” de mortes na África.

No entanto, segundo um balanço feito pela AFP a partir de fontes oficiais, até o dia 17 de maio, 2.702 mortes haviam sido registradas na no continente africano.

O número de casos confirmados era de mais de 80 mil, o equivalente a 1,7% do total mundial, embora o continente possua 17% da população global. Em todo o mundo, o novo coronavírus deixou mais de 315 mil mortos, até este dia 18 de maio.

Em resumo, é falso que o infectologista francês Didier Raoult tenha dito que o novo coronavírus foi criado pelos Estados Unidos e pela China para “destruir” a África. A alegação foi negada pelo Instituto Hospitalar Universitário de Marselha, dirigido por Raoult.

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