É enganosa a comparação entre o risco de morrer por covid e de um asteroide colidir com a Terra
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- Publicado em 16 de março de 2021 às 20:49
- 7 minutos de leitura
- Por Marie GENRIES, AFP Bélgica
- Tradução e adaptação AFP Brasil
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“Ainda vamos a tempo de substituir a máscara por um capacete”, ironizam as publicações no Facebook (1, 2, 3) e Twitter, garantindo que “segundo a NASA a hipótese do asteróide colidir com a Terra é de 0.042%”, enquanto “a hipótese de morrer de COVID é de 0.026%”.
As postagens datam ao menos de outubro de 2020, mas voltaram a ser compartilhadas nas redes em março deste ano. Conteúdo semelhante também circula em francês e inglês.
Mas, esta comparação é enganosa: o número de 0,042% parece ser uma distorção de um dado fornecido em agosto de 2020 pela Nasa, a agência espacial norte-americana, sobre um asteroide que não representava nenhum perigo para a Terra.
Na verdade, o risco teórico de um impacto perigoso entre um asteroide e a Terra ao longo dos próximos 12 meses se aproxima mais de 0,005%, um valor consideravelmente inferior ao citado nas redes, segundo indicou a Nasa à AFP.
Já os riscos de morrer devido à covid-19 são muito diferentes, dependendo da idade e das comorbidades das pessoas infectadas com o vírus SARS-CoV-2.
Risco de impacto de asteroide não é de 0,042%
A Nasa conta com um Departamento de Coordenação de Defesa Planetária responsável, principalmente, por antecipar cenários em que um asteroide destrutivo esteja a caminho da Terra. Esse setor criou um programa de observação de objetos próximos ao planeta, o Center for Near-Earth Object Studies (CNEOS, Centro de Estudos de Objetos Próximos à Terra). No site desta iniciativa pode-se verificar a qual distância esses objetos estiveram no passado, mas também estimativas da proximidade mais provável que eles podem alcançar.
Para compreender como interpretar essa tabela, o CNEOS produziu um vídeo explicativo, em inglês.
A AFP contactou a Nasa no último dia 3 de março. Segundo a agência espacial norte-americana, o número de “0,042%” parece ter sido retirado do risco “específico de aproximação do muito pequeno asteroide 2018VP1, que não representava nenhuma ameaça para a Terra” e que passou perto do nosso planeta em 2 de novembro de 2020. O risco avaliado era, contudo, o de entrada do asteroide na atmosfera terrestre, e não de colisão. O número divulgado pela Nasa em agosto de 2020 era de 0,41% e não de 0,042%.
Em 23 de agosto de 2020, o departamento responsável tuitou que o asteroide 2018VP1 era “muito pequeno, de aproximadamente 6,5 pés [1,98 metro]” e que não representava “nenhuma ameaça à Terra”. “Ele tem atualmente 0,41% de chance de entrar na atmosfera do nosso planeta, mas se entrar, ele irá se desintegrar devido ao seu tamanho muito pequeno”.
Asteroid 2018VP1 is very small, approx. 6.5 feet, and poses no threat to Earth! It currently has a 0.41% chance of entering our planet’s atmosphere, but if it did, it would disintegrate due to its extremely small size.
— NASA Asteroid Watch (@AsteroidWatch) August 23, 2020
“O programa de observação de objetos próximos à Terra da Nasa (NEO) acompanha os riscos de impacto sobre a Terra de todos os asteroides cuja probabilidade [de atingir o planeta] supera a de 1 em 1 milhão”, indicou à AFP a assessoria de imprensa do programa NEO.
A AFP conversou com Paul Chodas, diretor do CNEOS, que explicou por e-mail que a probabilidade de um asteroide “específico e conhecido” atingir a Terra pode ser calculada usando modelagem computacional: “O CNEOS projeta os movimentos futuros do asteroide e da Terra para determinar quando o asteroide pode se aproximar do planeta” e, eventualmente, colidir com ele.
Os pesquisadores também podem estimar a probabilidade de um asteroide ainda desconhecido atingir a Terra ao longo do próximo século. “Analisando o ritmo com o qual asteroides de diferentes tamanhos são descobertos, os cientistas formaram um modelo estatístico preciso da população de asteroides próximos à Terra, que varia em função de seu tamanho”, indicou Chodas.
“Os grandes asteroides estão tão dispersos que eles só geram impacto a cada milhão de anos, aproximadamente. Os asteroides pequenos são mais frequentes, até os asteroides minúsculos de um metro, que provocam um impacto mais ou menos a cada mês. A maior parte desses pequenos impactos é tão ínfima que eles produzem apenas bolas de fogo brilhantes na atmosfera”, detalhou.
Já a probabilidade estatística de que um asteroide não descoberto - portanto, puramente teórico - de 100 metros de diâmetro ou mais possa atingir a Terra ao longo do próximo ano é muito baixa, explicou o diretor do CNEOS: “de aproximadamente 0,005%, ou uma chance de 1 em 20.000”, muito inferior ao número citado nas publicações viralizadas.
(Menahem Kahana / AFP)
Em 2021-2022, a Nasa planejou pela primeira vez um exercício espacial destinado a testar e validar um método para proteger a Terra em caso de risco de impacto de um asteroide.
O maior asteroide a se aproximar da Terra este ano passará a dois milhões de quilômetros do planeta, em 21 de março, sem representar nenhum risco de colisão.
Mortalidade por covid-19 depende de múltiplos fatores
“A hipótese de morrer de COVID é de 0.026%”, afirmam as publicações, concluindo que o risco de morrer devido ao novo coronavírus é inferior ao da Terra ser atingida por um asteroide.
Os números de mortalidade e da covid-19 são frequentemente relativizados nas redes sociais. Em fevereiro, a equipe de checagem da AFP verificou um vídeo, em francês, que afirmava que “99,965% das pessoas contaminadas na França sobreviveram ao vírus”, deduzindo que “0,035% das pessoas contaminadas [pelo SARS-CoV-2] morrem” - afirmações incorretas, como explicado abaixo.
É importante não confundir letalidade e mortalidade. Como já explicou a AFP em outro artigo, também em francês, a letalidade se refere ao número de mortes em relação à quantidade de pessoas que foram infectadas por uma doença, enquanto a mortalidade se refere ao número de óbitos por uma determinada causa em relação a uma população inteira.
O texto publicado em outubro assinalava que a IFR (infection fatality rate), a taxa de letalidade por infecção (calculada sobre uma base mais ampla do que a de casos de covid-19 oficialmente confirmados), era então estimada em ao menos 0,6%.
Mas, não é adequado estabelecer uma porcentagem única de “risco de morrer” de covid-19, já que isso depende de múltiplos fatores, como idade e comorbidades, como explicou à AFP em 3 de março Patrick Deboosere, professor da Universidade Vrije de Bruxelas e presidente do Conselho Superior de Estatística da Bélgica, estimando que o número de 0,026% é pouco lógico.
De fato, um estudo do grupo francês Epi-Phare, uma associação de interesse científico formada pela Agência Nacional de Segurança de Medicamentos da França (ANSM) e pelo Fundo Nacional de Seguros de Saúde (Cnam), indicou em fevereiro de 2021 que “os riscos de ser hospitalizado ou de falecer devido a este vírus aumentam exponencialmente com a idade”.
Para avaliar os riscos acarretados pela covid-19, “é mais pertinente observar o excesso de mortalidade na Bélgica e na França em 2020, em comparação com o que poderíamos esperar”, estimou Deboosere, constatando “que houve um excesso de mortalidade provocado pela covid-19 em 2020”.
Efetivamente, os gráficos disponíveis no site de estatísticas do governo belga, o Statbel, mostram que o ano de 2020 foi marcado por uma mortalidade superior a dos três anos anteriores, particularmente entre março e maio e, novamente, a partir de novembro.
O mesmo fenômeno foi constatado na França, como explicaram vários especialistas nesta outra verificação.
Os efeitos da pandemia de covid-19 são múltiplos, assinalou também a epidemiologista Catherine Hill, do Instituto Gustave Roussy de Villejuif, na França, procurada pela AFP em 26 de fevereiro: em 2020 houve “menos acidentes de carros, menos acidentes de trabalho, [menos casos de] gripe”, devido ao confinamento e às barreiras restritivas.
Por outro lado, foram registradas numerosas mortes em casa ligadas à covid-19 e, devido ao afluxo intenso de pacientes graves a hospitais, o vírus gerou o risco de uma saturação dos sistemas de saúde.
“Quando olhamos para tudo isso, mesmo com esses potenciais efeitos compensatórios, nós tivemos um aumento de 10% na mortalidade dos maiores de 65 anos” na França, afirmou Michel Guillot, diretor de pesquisa da unidade de Mortalidade, Saúde e Epidemiologia do Instituto Nacional de Estudos Demográficos (INED) de esse país.
Certamente a maioria dos pacientes de covid-19 sobrevive, acrescentou Deboosere, mas “como sociedade, é aceitável ter repentinamente um grande número de pessoas que vai morrer muito antes do que o esperado? Devemos parar de combater o câncer porque há pouco risco de morrer?”, indagou.
Além disso, lembrou Deboosere, os números mostram a “mortalidade constatada com todas as medidas sanitárias que tomamos. Caso contrário, ela seria provavelmente três vezes maior”. O professor deu como exemplo o caso dos Estados Unidos, que poderiam ter evitado cerca de 36.000 mortes adotando medidas de distanciamento social uma semana antes, segundo indicou um estudo da Universidade de Columbia.