O protesto de agricultores alemães deste vídeo não tem relação com vacinas ou medidas anticovid

Uma gravação que mostra uma fila de caminhões e veículos agrícolas foi compartilhada mais de 2 mil vezes nas redes sociais desde, pelo menos, 28 de janeiro de 2022. As publicações asseguram que as imagens correspondem a um protesto de agricultores contra a vacinação obrigatória ou contra medidas sanitárias em geral para conter a pandemia de covid-19 na Alemanha, e que seria inspirado nas manifestações de caminhoneiros no Canadá intituladas como “comboio da liberdade”. No entanto, a sequência mostra agricultores alemães queixando-se de novas regulações sobre o uso de fertilizantes.

“A atitude do Canadá se espelha. Agora na Alemanha, caminhoneiros e produtores rurais em protesto contra tudo o que estão fazendo nos tempos atuais em nome da p@ndem1@”, diz uma das publicações compartilhadas no Twitter (1, 2, 3). Conteúdo semelhante circula no Facebook (1, 2, 3, 4) e no TikTok (1).

Mensagens similares também circulam espanhol, inglês e polonês.

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Captura de tela feita em 11 de fevereiro de 2022 de uma publicação no Twitter ( . / )

As imagens começaram a circular no final de janeiro de 2022, depois que centenas de caminhoneiros no Canadá organizaram uma viagem de protesto a Ottawa, a capital do país, em um comboio contra as medidas sanitárias para combater a covid-19 batizado como “freedom convoy” (“comboio da liberdade”). Os motoristas se manifestavam contra uma regulação que, a partir de 15 de janeiro, obrigava-os a se vacinarem contra o SARS-CoV-2 para cruzar a fronteira com os Estados Unidos.

Mas as imagens dos tratores alemães não têm relação com esse episódio.

Protesto de agricultores na Alemanha

Quando a gravação atinge aproximadamente 10 segundos, é possível observar um cartaz no qual se lê “zeigt [símbolo de coração] für uns bauern”, que traduzido para o português significa: “Mostre seu coração aos agricultores”.

Segundo alguns dos usuários que compartilharam o vídeo viralizado (1, 2), as imagens foram obtidas na cidade alemã de Schwerin.

Uma busca no Google pelas palavras-chave “Schwerin” e “protesto”, limitando os resultados para um intervalo entre o final de janeiro e o início de fevereiro de 2022, trouxe como resultado diversas publicações de meios regionais e nacionais alemães que cobriram esse protesto (1, 2, 3).

A emissora pública de rádio e televisão Norddeutscher Rundfunk (NDR), que informa sobre as regiões do norte da Alemanha, intitulou sua reportagem de 28 de janeiro de 2022 como: “Protestos de agricultores: centenas de agricultores com seus tratores em Schwerin”.

“Cerca de 350 agricultores protestaram contra o endurecimento dos requisitos políticos com um comboio de tratores de oito quilômetros em Schwerin”, diz em alemão o primeiro parágrafo do artigo da NDR. A nota aborda a discussão de uma nova normativa sobre o uso de fertilizantes artificiais devido à presença de nitratos nas águas subterrâneas, o que se atribui a um excesso de uso desse tipo de produto por parte dos agricultores.

A Alemanha foi condenada em 2018 pelo Tribunal de Justiça da União Europeia por essa mesma razão.

“Queremos uma regulação que realmente proteja a água e não somente penalize os agricultores”, disse Detlef Kurreck, presidente do sindicato dos agricultores, ao explicar ao meio alemão os motivos para o protesto.

Imagens e vídeos da manifestação aparecem na página de Facebook da Bauernverband Mecklenburg-Vorpommern (Associação de Agricultores de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental) e nas de outras comunidades locais.

Nas diferentes galerias são exibidos slogans que não têm nenhuma relação com a pandemia do novo coronavírus. Alguns exemplos são: “Keine salat ohne nitrat” (“Não há alface sem nitrato”), “Ist der Bauer erts ruiniert, wird das Essen importiert!” (“Quando o agricultor está arruinado, a comida é importada!”) e “Politischer Mist düngt nicht” (“O esterco político não fertiliza”).

A palavra covid-19 ou referências à campanha de vacinação não estão presentes.

Protestos no Canadá

O chamado “comboio da liberdade” começou sua marcha em janeiro de 2022 no oeste canadense, impulsionado por caminhoneiros contrários à vacinação obrigatória ou aos exames para atravessar a fronteira com os Estados Unidos. Com o passar dos dias, o movimento se transformou em um protesto mais amplo contra todas as medidas sanitárias anticovid e, em alguns setores, contra o governo do primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau.

Os caminhoneiros bloquearam algumas das rotas de fronteira que são chave para o desenvolvimento econômico de ambos países norte-americanos. Por isso, em 10 de fevereiro de 2022, os Estados Unidos pediram ao Canadá que usasse seus “poderes federais” para acabar com os protestos.

Sobre os protestos, Trudeau disse, em 10 de fevereiro: “Está na hora de acabar com isso, porque está prejudicando os canadenses”, mas não ofereceu um plano de ação concreto. Seu governo se limitou a indicar que enviariam reforços policiais aos pontos de bloqueio, mas sem dar mais detalhes.

As manifestações inspiraram movimentos semelhantes em países como Nova Zelândia, Estados Unidos, Bélgica e França.

O Checamos já verificou outras alegações relacionadas aos protestos de Ottawa (1, 2).

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