O curta animado que parece prever a pandemia tem elementos antigos, mas não é de 1930
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- Publicado em 10 de fevereiro de 2022 às 15:01
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- Por Natalia SANGUINO, AFP Espanha, AFP Brasil
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“Em 1930, um desenho animado sugeria uma série de estratégias para os ditadores assumirem o controle do mundo. 91 anos depois, qualquer semelhança não será mera coincidência”, assinala a legenda de uma das publicações compartilhadas no Facebook (1, 2, 3), com o vídeo legendado em português, fazendo referência à situação da pandemia.
A sequência continua a ser compartilhada em 2022 e foi publicada por usuários no Twitter (1, 2), Instagram (1, 2), YouTube (1, 2) e em canais no Telegram (1, 2), onde somou mais de 40 mil visualizações.
Alegações semelhantes também circularam em inglês, espanhol, russo, italiano e chinês.
Uma busca pelas palavras-chave vistas no vídeo - “early warning cartoon how to take over world” - mostrou como resultado mais antigo esta publicação feita em uma página em maio de 2021.
Este vídeo do YouTube analisa o curta viral e mostra como ele teria aproveitado partes de outros curtas-metragens da década de 1930 para a sua realização. Segundo o usuário, os curtas “When my ship comes in”, “Swing you sinners” e “Red hot mamma” serviram como base para a sequência analisada.
A equipe de checagem da AFP encontrou semelhanças entre o vídeo viralizado a partir de 2021 e os três curtas dos anos 1930 publicados em plataformas como YouTube e Daily Motion:
Estúdios de animação consideram o curta atual
“O curta ‘An Early Warning Cartoon’ não é dos anos 1930. Claramente é contemporâneo”, indicou um porta-voz do Estúdio Fénix, empresa de animação espanhola, em resposta a um questionamento da AFP. E acrescentou que o vídeo viralizado “reaproveita material de outros curtas-metragens animados como ‘Red Hot Mamma’, de 1934, um curta que tem como protagonista Betty Boop”.
A personagem Betty Boop, entre outros, foi criada pelo estúdio de animação norte-americano Fleischer, cuja porta-voz, Kristi Spencer, concordou com a empresa espanhola, em declaração à AFP: “Não, não acreditamos que isso tenha sido feito nos anos 1930. Inclusive, se alguém quisesse pegar essas imagens e criar um filme assim nos anos 1930, a tecnologia para fazê-lo não existia. Os ângulos e os filtros utilizados para criar a sensação de algo antigo não correspondem aos filmes daquele período”.
“O curta não está relacionado em absoluto com os Estúdios Fleischer. Quem quer que o tenha feito parece ter retirado e trocado imagens de vários curtas da Fleischer”, continuou a porta-voz, que negou qualquer relação dos estúdios norte-americanos com a sequência viral.
Segundo o Estúdio Phoenix, no curta viral há “material reaproveitado e manipulado” de várias fontes, e “diversos elementos animados por deformações de pós-produção que são claramente contemporâneas” devido às técnicas usadas.
Outro estúdio de animação espanhol, Alkimia, também destacou que “certas deformações de objetos, como o antigo rádio que dança (...) é indicativo de que pode ser algo feito hoje em dia”.
Cruz Delgado Sánchez, doutor em Comunicação Audiovisual e professor de História do Cinema e da Animação na Escola Superior de Design, Inovação e Tecnologia (ESNE), em Madri, concordou com os estúdios consultados em resposta à equipe de checagem da AFP.
“Efetivamente se trata de uma recriação do que seria um curta-metragem de desenho animado dos anos 1930, feito a partir de imagens copiadas de diferentes ‘cartoons’ daquela época produzidos pelos Estúdios Fleischer e com Betty Boop como protagonista”, apontou.
A fonte que respondeu em nome dos Estúdios Alkimia explicou que às vezes há elementos ou personagens de uma animação que são reutilizados em diferentes projetos.
“Esse tipo de recriação não é novo. Em 2013, os Estúdios Disney fizeram um falso curta antigo”, exemplificou Delgado Sánchez.
Mais pistas em duas palavras do curta
Dois artigos de verificação em inglês, datados de julho e dezembro de 2021, destacam como indício de que o curta-metragem não é da década de 1930 a palavra “weaponised”, usada nos intertítulos do filme e que aparece por volta dos 11 segundos: “Introduce a weaponised influenza”, traduzido para o português nas legendas como “introduza uma falsa gripe”.
O uso da palavra “weaponize” (“armar-se”, em português), no entanto, não foi registrado até a década de 1950, de acordo com o dicionário Merriam Webster, citado pelos verificadores nos textos em inglês.
Além disso, por volta de 1:35 do curta-metragem observa-se a grafia incorreta do intertítulo “And Euthaize The Old” (traduzido como “e para sacrificar o velho”). O verbo “Euthaize” está mal escrito, sendo “euthanize” a grafia correta.