Duas doses da vacina da Pfizer-BioNTech contra a covid-19 em Marselha, França, em 6 de janeiro de 2022 ( AFP / Clement Mahoudeau)

Verificamos as afirmações feitas por uma vereadora de Porto Alegre sobre as vacinas anticovid

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  • Publicado em 17 de janeiro de 2022 às 16:52
  • 9 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
A vacina contra a covid-19 é um “experimento”; nenhum imunizante exige “três, quatro doses em um ano”; o médico norte-americano Robert Malone mostrou que as vacinas de RNA mensageiro são perigosas; Anthony Fauci disse “na semana passada” que “não é a primeira vez que pode acontecer de uma vacina se revelar algo problemático”. Estas foram algumas afirmações feitas pela vereadora Fernanda Barth (PRTB) em 15 de dezembro de 2021. A gravação do seu discurso foi compartilhada mais de 15 mil vezes nas redes sociais, mas essas alegações são falsas, ou inexatas.

“ACORDA Brasil!!! Crianças COBAIAS NÃO!!! Ouçam o que a Vereadora Fernanda Barth fala, e entendam a gravidade da situação. Divulguem por favor!”, diz uma das publicações, compartilhadas no Facebook (1, 2), no Instagram (1, 2) e no Twitter (1).

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Captura de tela feita em 12 de janeiro de 2022 de uma publicação no Facebook ( . / )

O vídeo viralizado nas redes contém um trecho de uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em 15 de dezembro de 2021, que abordou o tema do passaporte vacinal.

A gravação pode ser encontrada no canal do YouTube da TV Assembleia Legislativa - RS e mostra, entre outras pessoas, a vereadora Fernanda Barth (PRTB) questionando a obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19 e, inclusive, a segurança delas.

Abaixo, a AFP verificou as afirmações feitas por Barth.

“Não é vacina, é experimento”

Logo no início do vídeo viral, a vereadora pelo PRTB do Rio Grande do Sul indica que as vacinas contra a covid-19 são, na verdade, “um experimento”. Mas especialistas consultados pela equipe de checagem da AFP já descartaram que isso seja correto.

Para que uma vacina, como as desenvolvidas contra o SARS-CoV-2, chegue até a população, há uma fase pré-clínica de pesquisas com animais. Depois, as análises em humanos são classificadas em estudos de fase I, II, III e IV. A quarta e última fase é aquela na qual a vacina é disponibilizada para o público, e quando seus efeitos são monitorados na população, como explica o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos Bio-Manguinhos, da Fiocruz.

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o desenvolvimento de um imunizante é um processo que leva, em média, dez anos, mas “as vacinas contra a covid-19 são o resultado de anos de pesquisa sobre novas tecnologias e se baseiam nas lições aprendidas ao longo de anos de trabalho para desenvolver vacinas contra SARS e MERS, assim como nas vacinas já disponíveis contra o Ebola”.

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“O que ocorreu de forma excepcional para a covid-19 foi a execução simultânea das fases, visando acelerar o processo diante da escalada de mortes. (...) [Mesmo assim] o acompanhamento da fase 3 continua. Isso é normal. Então sim, os estudos de fase 3 continuam em andamento, assim como a fase 4 - que é um outro tipo de monitoramento, dessa vez populacional”, afirmou ao Checamos em outubro de 2021 Rafael Dhalia, doutor em Biologia Molecular e especialista em desenvolvimento de vacinas de DNA pela Fiocruz.

E acrescentou: “A fase de experimentação de segurança e eficácia em modelos primatas já foi superada. Portanto, as vacinas [contra a covid-19], nesse sentido, não podem ser consideradas experimentais”.

O Checamos já verificou outras alegações (1, 2) de que as vacinas contra a covid-19 seriam “experimentais”.

“Vacina, tu não precisa de três, quatro doses em um ano”

Em seguida, Barth assinala que uma vacina não exige três ou quatro doses em um intervalo de um ano.

Mas, diferentemente do que a vereadora afirma, no Calendário Básico de Vacinação da Criança, que faz parte do Programa Nacional de Imunização, é possível ver que a primeira dose da vacina contra a hepatite B, por exemplo, deve ser administrada “nas primeiras 12 horas de vida do recém-nascido”. O calendário ainda determina: “O esquema básico se constitui de três doses, com intervalos de 30 dias da primeira para a segunda dose, e 180 dias da primeira para a terceira dose”, ou seja, em menos de um ano.

Um segundo exemplo é o da vacina contra a raiva tanto para pessoas que sofreram acidentes com animais como para a prevenção da doença naqueles que estão em risco permanente, como tratadores, veterinários, funcionários de parques e reservas animais, entre outros.

Caso a pessoa tenha tido contato com algum animal com a doença, a vacina é aplicada nos dias 0 (“zero”), 3, 7 e 14. Como no caso anterior, trata-se de um intervalo ainda menor do que se tem utilizado nas vacinas contra a covid-19.

No site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é possível conferir todos os intervalos de cada vacina aprovada no país contra o coronavírus (1, 2, 3, 4).

Robert Malone e a vacina de mRNA

A vereadora Barth também cita o “doutor Robert ‘Marin’”, em referência ao médico Robert Malone, “criador da tecnologia da vacina do RNAm”, cujas alegações já foram verificadas pela AFP em outro artigo.

Segundo ela, repetindo as falas do médico em um vídeo, “esta vacina, que ele ajudou a desenvolver a tecnologia, precisa de, no mínimo, cinco anos a mais de teste”.

Contudo, até o momento, dados científicos não sustentam essa afirmação.

De acordo com a Academia Francesa de Medicina a tecnologia de RNA mensageiro não é algo “novo”, pois “cientistas e industriais [a] desenvolveram e [a] melhoraram por mais de 30 anos” e esta “demonstrou ser muito eficaz para a vacinação contra o SARS-CoV-2”.

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Laboratório para embalagem de vacinas de mRNA contra a covid-19 em Garín, na província de Buenos Aires, em 22 de setembro de 2021 ( AFP / Juan Mabromata)

Além disso, as vacinas autorizadas para o combate à covid-19 são, como qualquer novo medicamento, submetidas a uma fase de farmacovigilância para o controle de seus efeitos colaterais por organizações como a OMS e a Anvisa.

Barth continua: “Hoje se sabe que ela [a vacina] se acumula no sistema reprodutivo, ela se acumula no cérebro, causando dano ao tecido cerebral de jovens e crianças, e, principalmente, causando abortos espontâneos”, ainda mencionando Malone.

Mas a teoria de que as vacinas prejudicam o aparelho reprodutor ou causam infertilidade não tem base científica. O risco de o organismo “perder” essas capacidades é inexistente, conforme explicaram vários especialistas à AFP neste artigo em espanhol de dezembro de 2020.

Um estudo no qual a vacina da Pfizer, que usa a tecnologia do mRNA, foi administrada em animais antes e durante a gravidez não encontrou efeitos adversos relacionados ao imunizante na fertilidade e no desenvolvimento fetal, explica a fabricante em seu site.

Outro estudo, publicado em abril de 2021 no New England Journal of Medicine, avaliou 35.691 mulheres grávidas que haviam recebido a vacina e “não mostrou nenhum risco particular” para a sua saúde.

O Checamos já verificou outras alegações (1, 2) semelhantes.

“Não há absolutamente nenhuma evidência de que a proteína spike possa causar danos permanentes a órgãos vitais de crianças”, assinalou à AFP em dezembro de 2021 Deborah Greenhouse, integrante da Academia Americana de Pediatria.

No mesmo sentido, Alexandra Yonts, especializada em doenças infecciosas pediátricas no Children’s National Hospital em Washington D.C., afirmou na mesma data que os dados mostram que a covid-19 poderia causar os problemas listados por Malone, mas não as vacinas de mRNA.

“Segundo meu conhecimento, as vacinas de RNA que foram usadas em centenas de milhões de indivíduos em todo o mundo nunca mostraram qualquer dano em nível cerebral ou reprodutivo”, indicou também à equipe de checagem da AFP Frédéric Altare, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm).

“Essa vacina injeta dentro do teu DNA a maldita proteína S tóxica”, assinala Fernanda Barth, fazendo referência à proteína spike, substância que tem sido alvo de inúmeros rumores sobre sua alegada periculosidade e viralidade, também checados pela AFP (1, 2, 3).

Localizada na superfície do SARS-CoV-2, a proteína spike permite a adesão e a entrada do vírus nas células humanas para infectá-las, além de lhe dar o formato característico de coroa. Essa partícula é essencial no funcionamento das vacinas de mRNA, que não contêm a proteína em si, mas um manual genético para que ela seja gerada pelo organismo e, assim, possa se proteger quando se depara com o coronavírus.

“O mRNA entra pelas células musculares e instrui o mecanismo celular a produzir uma porção inofensiva de algo chamado proteína S. (...) Uma vez que o corpo fabrica a porção da proteína, nossas células quebram o mRNA e o eliminam”, explicam os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos em seu site, em texto atualizado em 4 de janeiro de 2022.

A teoria de que uma proteína spike vacinal poderia ser perigosa foi desmentida também por vários especialistas nesta verificação da AFP em junho de 2021.

Daniel Dunia, diretor de pesquisa do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica (CNRS), explicou à AFP em 9 de dezembro de 2021 que “a vacina de RNA mensageiro é injetada localmente no músculo, e a expressão da proteína spike é limitada às células que ela inicialmente almeja para desencadear a resposta imune. O mRNA é instável e se degrada rapidamente”.

Anthony Fauci e efeitos adversos da vacina

A vereadora pelo PRTB ainda indica que [Anthony] Fauci deu uma entrevista na semana passada (...) [e] disse que não é a primeira vez que pode acontecer de uma vacina se revelar algo problemático ou que tenha grandes quantidades de efeitos colaterais, porque já aconteceu há uns anos atrás quando eles desenvolveram a primeira tentativa de vacina contra o HIV”.

Uma busca no Google pelos termos “vaccine + Fauci + adverse effects HIV” levou a uma verificação feita pelo site FactCheck.org em dezembro de 2021 sobre a mesma alegação relacionada ao assessor médico da Casa Branca.

Diferentemente do que indicou Barth em 15 de dezembro de 2021, Fauci não deu a entrevista em questão “na semana passada”, mas em março de 2020, quando conversou com o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, sobre a propagação do coronavírus.

Aos 22 minutos e 8 segundos do vídeo, Zuckerberg faz uma pergunta sobre a importância dos ensaios clínicos das vacinas: “Mas uma vez que você tem isso, por que não impulsionar mesmo que não se saiba ao certo o quão eficaz ela é? Qual é a lógica e o pensamento de saúde pública por trás da necessidade de provar que ela é extremamente eficaz antes de desenvolver algo que você sabe que é seguro?”.

Fauci explicou então que os estudos iniciais têm o objetivo de ver o tipo de reação no indivíduo e se ao vaciná-lo, e ele for exposto e infectado pelo vírus, a resposta imunológica induzida tornará a infecção pior.

Em seguida, ele fez a afirmação que foi tirada de contexto: “Essa não seria a primeira vez, se acontecesse, que uma vacina que parece ter uma boa segurança inicial piorasse as pessoas. (...) Uma das vacinas contra o HIV que testamos há vários anos, na verdade, tornou os indivíduos mais propensos a serem infectados”.

E concluiu: “Portanto, não se pode simplesmente ir lá e aplicá-la, a menos que se sinta que, no campo, quando alguém é exposto e infectado, estar vacinado não piora. É por isso que você tem que fazer testes”.

Em março de 2020, quando a entrevista foi realizada, as vacinas contra a covid-19 estavam sendo estudadas e os testes começavam a ser feitos (1, 2, 3). A primeira ocidental a receber um imunizante contra o SARS-CoV-2 foi uma britânica de 90 anos, em 8 de dezembro de 2020.

Esta verificação foi realizada com base em informações científicas e oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis na data desta publicação.

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