
Comparação entre a cobertura de gelo na Antártida em 1979 e 2024 não refuta aquecimento global
- Publicado em 29 de maio de 2025 às 21:09
- 7 minutos de leitura
- Por Manon JACOB, AFP Estados Unidos
- Tradução e adaptação AFP Brasil
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"A extensão do gelo marinho da Antártida é 17% MAIOR hoje do que era em 1979. O gelo não mente, mas os cientistas do clima sim", diz uma publicação no Facebook.
Publicações semelhantes circulam no Instagram e no Threads, acompanhadas de uma imagem que compara dois gráficos sobre a extensão do gelo marinho. Um é de 24 de dezembro de 1979, enquanto o outro é de 24 de dezembro de 2024.

Afirmações semelhantes também foram compartilhadas em inglês.
Narrativas que buscam negar o impacto das mudanças climáticas no Ártico e na Antártida — as regiões polares que circundam os polos norte e sul — muitas vezes se baseiam em dados descontextualizados sobre o gelo marinho para fazer alegações enganosas.
No caso das publicações viralizadas agora, os gráficos que circulam são do National Snow and Ice Data Center (Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo, NSIDC na sigla em inglês) e se encontram nos arquivos do NSIDC.
Mas a comparação entre os dois equivale a "um caso clássico de escolha seletiva", disse Walt Meier, pesquisador sênior do NSIDC.
“Analisar dias isolados de dois anos não fornece informações úteis sobre tendências ou sobre a resposta do gelo marinho ao aquecimento [global]”, afirmou, em 14 de maio de 2025.
Dados selecionados
O NSIDC afirma em seu site que os dados sobre o gelo marinho têm sido repetidamente utilizados de forma indevida para disseminar mitos sobre o aquecimento global. Geralmente, os cientistas observam tendências de décadas para analisar a "extensão do gelo marinho", um termo que se refere à área total do oceano onde pelo menos 15% da superfície está congelada.

As medições realizadas em 24 de dezembro de 1979 e em 24 de dezembro de 2024 mostram uma diferença na cobertura de gelo marinho, segundo a agência, mas é um aumento de cerca de 12%, e não de 17% - como afirmam as publicações.
Uma comparação entre outras datas teria produzido, na maioria dos casos, uma impressão diferente.
“De 1º de janeiro a 13 de dezembro, a extensão de 2024 ficou abaixo dos níveis de 1979, em mais de 1 milhão de quilômetros quadrados em alguns momentos”, disse Meier, observando que isso equivale a uma área aproximadamente do tamanho do Egito.
"Somente entre 14 e 31 de dezembro, as extensões de 2024 foram maiores que as de 1979", acrescentou.

Os meses de verão na Antártida, de dezembro a fevereiro, naturalmente apresentam maiores mudanças na extensão do gelo marinho devido às temperaturas mais altas e às horas mais longas de luz solar.
Isso significa que uma pequena mudança no momento do recuo do gelo — e quando exatamente começa a temporada de derretimento — pode alterar rápida e significativamente sua extensão em um mês dezembro em comparação com outro, explicou Meier.
Ao longo de todo o ano de 2024, observou-se aquecimento, e a extensão do gelo marinho foi medida abaixo da média anual de 1979 em cerca de 11%, de acordo com dados do NSIDC.
Ainda segundo a National Oceanic and Atmospheric Administration (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional, em tradução livre), em 2024 a extensão do gelo marinho da Antártida atingiu seu segundo menor nível mínimo anual desde o início do monitoramento em 1979, e o ano de 2025 provavelmente igualará esse recorde.
Possível "mudança de regime"
Mudanças climáticas drásticas já ocorreram na Península Antártica, a parte da Antártida mais distante do Polo Sul. A península está aquecendo a uma taxa cinco vezes maior que a média global — e mais rapidamente do que qualquer outro lugar no Hemisfério Sul.
No entanto, os padrões de mudança de temperatura continentais permanecem incertos, dizem os cientistas.
Ao contrário do Ártico, onde a extensão do gelo marinho vem diminuindo consistentemente em todas as áreas e estações desde o início dos registros, o gelo marinho da Antártida não apresenta um declínio de longo prazo definido.
"O gelo marinho antártico é fino e aberto ao oceano, portanto tem muito mais variabilidade e, assim, o sinal de aquecimento global não é tão evidente", disse Meier.
A última década mostrou flutuações mais extremas, o que, segundo os cientistas, pode indicar uma "mudança de regime" para um novo estado de baixa extensão, possivelmente devido ao aquecimento dos oceanos.
Ambos os oceanos polares estão aquecendo, com o “Oceano Antártico sendo desproporcionalmente e cada vez mais importante no aumento do calor oceânico global”, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, o principal consórcio internacional de cientistas climáticos.
Samantha Burgess, do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo, que administra o monitor climático Copernicus, acrescentou em um relatório de fevereiro de 2025: “Uma das consequências de um mundo mais quente é o derretimento do gelo marinho, e a redução dessa cobertura, que foi recorde, ou quase recorde, em ambos os polos, levou a cobertura global de gelo marinho a um mínimo histórico”.
Quando a neve e o gelo altamente reflexivos dão lugar ao oceano azul, a radiação solar que antes era devolvida ao espaço é absorvida pela água, o que acelera o ritmo do aquecimento global em um círculo vicioso.
A redução da cobertura de gelo também tem impactos sérios e rápidos nos ecossistemas, como a sobrevivência dos pinguins e seus habitats.
Realidade inegável
A preservação ambiental mobiliza os países há mais de 30 anos. Em 1994 entrou em vigor a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e, em 1996, a Convenção de Combate à Desertificação. Em 2015, foi acrescentado o Acordo de Paris, com o objetivo de limitar o avanço do aquecimento global por meio da restrição das emissões de gases de efeito estufa dos 196 países signatários.
Em uma verificação da AFP em 2023, Felipe Kong, geógrafo pela Universidade Diego Portales e doutor em Didática das Ciências e Educação Ambiental pela Universidade Autônoma de Barcelona, recordou que "há evidências concretas e claras que dizem que a temperatura global do planeta aumentou, o que está comprovado desde o século 19" e que esse aquecimento "se acelerou nos últimos 40 anos, o que é um indicador preciso e científico de que a mudança climática é real".
Além disso, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), “as atividades humanas têm sido o principal motor das mudanças climáticas, devido à queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás”.
Referências
- Gráficos no sistema do National Snow and Ice Data Center, NSIDC (1, 2)
- NSIDC sobre dados utilizados de forma indevida para disseminar informação falsa sobre o aquecimento global
- Dados sobre a extensão do gelo marinho da Antártida (1, 2)
- Península Antártica está aquecendo cinco vezes mais do que a média global
- Relatório sobre o aquecimento dos oceanos, do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima