Em meio à COP30, desinformação climática que menospreza importância da preservação da Amazônia é difundida em rede nacional
- Publicado em 18 de novembro de 2025 às 18:29
- 4 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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É consenso científico que a Amazônia regula o clima mundial graças a processos químicos e físicos que ocorrem em seu interior. Mas, enquanto o ecossistema abriga pela primeira vez a mais importante conferência climática da ONU, alegações infundadas minimizam a importância de sua preservação ao afirmar que a região ocupa apenas 1% do território global. Essa desinformação soma mais de 2 milhões de interações e foi difundida em rede nacional — quando, na realidade, a floresta influencia diretamente as chuvas e a absorção de carbono em escala muito maior que sua área.
Usuários das redes sociais resgataram um vídeo, anteriormente verificado pelo Checamos, de um geólogo que cita o fato de a Amazônia representar 1% do território global para alegar que o bioma “não muda o clima do mundo”.
Uma declaração semelhante do apresentador Ratinho, feita em seu programa no SBT em 10 de novembro, repercutiu nas redes sociais. Na ocasião, ele comentava sobre o tornado que atingiu o Paraná dias antes e afirmou que “a Amazonas [Amazônia] tem só 1% de todo o globo terrestre. Então, não vai resolver nada você preservar 1%, tem que preservar tudo”.
Essa narrativa circula em meio à realização da COP30, em Belém, que teve início em 10 de novembro. Em seu discurso de abertura, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) destacou que a capital paraense foi escolhida para sediar o evento para que os participantes conheçam a realidade da Amazônia, bioma que pode ser beneficiado pelo recém lançado Fundo das Florestas Tropicais.
A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, com cerca de 6,92 milhões de km2 de extensão na América do Sul, sendo 5 milhões somente no Brasil.
Já a superfície da Terra tem 510 milhões de km2, sendo 149 milhões de km2 de continentes. Sendo assim, a Amazônia representa 1,3% do total da superfície mundial e 4,6% da área continental, aproximadamente.
Por que não é correto medir a importância da Amazônia pela sua área?
“Qual é o sentido de você pensar em área? Se fosse assim, os vulcões seriam inofensivos (...) Mas eles podem fazer um estrago: representar uma queda na temperatura de dois anos, parar toda a aviação aérea, reduzir a produtividade para fazer comida”.
O exemplo é de Luciana Vanni Gatti, coordenadora do Laboratório de Gases do Efeito Estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que, em conversa com o AFP Checamos, classificou a alegação viral como uma “invenção altamente danosa”.
O consenso entre diferentes pesquisadores (1, 2) e órgãos, como a ONU, é de que a floresta sul-americana é essencial para a regulação do clima regional e global através de seus diferentes processos ecossistêmicos.
“Estudos de Climatologia mostram que alterações em um local do planeta afetam outras partes. O sistema atmosférico e as águas do oceano estão todos conectados”, explicou a pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Flávia Regina Capellotto Costa em 2024, quando um dos vídeos com a alegação começou a circular.
Sumidouro de carbono
Segundo a pesquisadora, a floresta sul-americana funciona como uma espécie de “sumidouro de carbono” no planeta ao absorver o elemento da atmosfera e fixá-lo nas árvores. “Isso tem consequências para a regulação da temperatura, já que o CO₂ é um dos principais gases que geram o efeito estufa”.
Esse processo se deve pelas características que compõem uma floresta de região tropical: recebem muita energia, possuem muita água e uma alta biodiversidade, como acrescentou Simone Vieira, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp.
“Aproximadamente 40% do carbono terrestre está estocado em floresta tropical, não só na Amazônia. Mas ela é a maior do mundo. Então, ela vai ter papel muito importante de estocagem de carbono”, detalhou.
Contudo, com o desmatamento e as mudanças climáticas, esse cenário pode se reverter. Um estudo da pesquisadora Luciana Gatti publicado em 2021 pela revista Nature mostrou como as áreas mais afetadas da Amazônia diminuíram o poder de absorção de carbono da floresta e a transformaram em uma fonte de CO₂.
Rios voadores
Além de estocar carbono, a Amazônia também atua na circulação das águas recebidas dos oceanos por meio das chuvas, garantindo padrões climáticos e de ecossistemas na América do Sul.
Como explicaram as pesquisadoras Gatti e Vieira, a evapotranspiração das árvores — processo que consome energia infravermelha (do calor) ao absorver água líquida do solo e transferi-la para a atmosfera em forma de vapor — atua no resfriamento da temperatura do planeta e na formação de chuvas.
Esse processo é vital para a formação dos “rios voadores”, que são correntes de vapores d’água que levam a umidade dos oceanos e da evapotranspiração por todo o continente sul-americano para a formação de chuvas.
Com o desmatamento das florestas, esse processo fica comprometido e se torna uma reação em cadeia: com a falta de vegetação, a superfície fica mais quente e, quando a nuvem vinda do oceano alcança o topo frio da árvore, o processo de evapotranspiração fica mais intenso e severo.
Esse desequilíbrio, de acordo com Gatti, acarreta em eventos climáticos extremos e o impacto é sentido dentro da própria floresta e fora dela em diferentes setores, como no agronegócio, que sofre com as secas.
“Esse é um processo tão gigantesco e importante no ciclo de água do planeta inteiro, no ciclo de energia, que era o que mais nos protegia das mudanças climáticas. Funcionava como um airbag climático”, apontou Gatti, ao acrescentar que a Amazônia coloca na atmosfera 50% do vapor d’água que forma os rios voadores na América do Sul.
Em uma publicação divulgada em 2021 no perfil da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) no Facebook, o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), explica com imagens ilustrativas como esses processos na Amazônia regulam o clima do planeta por meio de sua atuação como um “gigantesco processador de vapor d’água”.
O Checamos já verificou outros conteúdos sobre o clima.
Referências
- Artigos que tratam sobre o impacto da Amazônia (1, 2, 3)
- Perfil das especialistas (1, 2, 3)
- Estudo de 2021 sobre a perda de absorção de CO₂ pela Amazônia
- Vídeo da FAPESP sobre o papel da Amazônia na regulação do clima
