Vista aérea de uma antiga fazenda de gado sendo reflorestada pela Mombak na região amazônica perto de Mãe do Rio, no estado do Pará, Brasil, tirada em 11 de dezembro de 2024. (AFP / Pablo PORCIUNCULA)

Em meio à COP30, desinformação climática que menospreza importância da preservação da Amazônia é difundida em rede nacional

  • Publicado em 18 de novembro de 2025 às 18:29
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  • Por AFP Brasil

É consenso científico que a Amazônia regula o clima mundial graças a processos químicos e físicos que ocorrem em seu interior. Mas, enquanto o ecossistema abriga pela primeira vez a mais importante conferência climática da ONU, alegações infundadas minimizam a importância de sua preservação ao afirmar que a região ocupa apenas 1% do território global. Essa desinformação soma mais de 2 milhões de interações e foi difundida em rede nacional — quando, na realidade, a floresta influencia diretamente as chuvas e a absorção de carbono em escala muito maior que sua área.

Usuários das redes sociais resgataram um vídeo, anteriormente verificado pelo Checamos, de um geólogo que cita o fato de a Amazônia representar 1% do território global para alegar que o bioma “não muda o clima do mundo”

Uma declaração semelhante do apresentador Ratinho, feita em seu programa no SBT em 10 de novembro, repercutiu nas redes sociais. Na ocasião, ele comentava sobre o tornado que atingiu o Paraná dias antes e afirmou que “a Amazonas [Amazônia] tem só 1% de todo o globo terrestre. Então, não vai resolver nada você preservar 1%, tem que preservar tudo”

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Captura de tela feita em 14 de novembro de 2025 de publicações feitas no Facebook (E) e no X (.)

Essa narrativa circula em meio à realização da COP30, em Belém, que teve início em 10 de novembro. Em seu discurso de abertura, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) destacou que a capital paraense foi escolhida para sediar o evento para que os participantes conheçam a realidade da Amazônia, bioma que pode ser beneficiado pelo recém lançado Fundo das Florestas Tropicais.

A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, com cerca de 6,92 milhões de km2 de extensão na América do Sul, sendo 5 milhões somente no Brasil

Já a superfície da Terra tem 510 milhões de km2, sendo 149 milhões de km2 de continentes. Sendo assim, a Amazônia representa 1,3% do total da superfície mundial e 4,6% da área continental, aproximadamente. 

Por que não é correto medir a importância da Amazônia pela sua área?  

“Qual é o sentido de você pensar em área? Se fosse assim, os vulcões seriam inofensivos (...) Mas eles podem fazer um estrago: representar uma queda na temperatura de dois anos, parar toda a aviação aérea, reduzir a produtividade para fazer comida”.

O exemplo é de Luciana Vanni Gatti, coordenadora do Laboratório de Gases do Efeito Estufa  do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que, em conversa com o AFP Checamos, classificou a alegação viral como uma “invenção altamente danosa”

O consenso entre diferentes pesquisadores (1, 2) e órgãos, como a ONU, é de que a floresta sul-americana é essencial para a regulação do clima regional e global através de seus diferentes processos ecossistêmicos.  

“Estudos de Climatologia mostram que alterações em um local do planeta afetam outras partes. O sistema atmosférico e as águas do oceano estão todos conectados”, explicou a pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Flávia Regina Capellotto Costa em 2024, quando um dos vídeos com a alegação começou a circular. 

Sumidouro de carbono 

Segundo a pesquisadora, a floresta sul-americana funciona como uma espécie de “sumidouro de carbono” no planeta ao absorver o elemento da atmosfera e fixá-lo nas árvores. “Isso tem consequências para a regulação da temperatura, já que o CO₂ é um dos principais gases que geram o efeito estufa”

Esse processo se deve pelas características que compõem uma floresta de região tropical: recebem muita energia, possuem muita água e uma alta biodiversidade, como acrescentou Simone Vieira, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp. 

“Aproximadamente 40% do carbono terrestre está estocado em floresta tropical, não só na Amazônia. Mas ela é a maior do mundo. Então, ela vai ter papel muito importante de estocagem de carbono”, detalhou. 

Contudo, com o desmatamento e as mudanças climáticas, esse cenário pode se reverter. Um estudo da pesquisadora Luciana Gatti publicado em 2021 pela revista Nature mostrou como as áreas mais afetadas da Amazônia diminuíram o poder de absorção de carbono da floresta e a transformaram em uma fonte de CO₂. 

Rios voadores 

Além de estocar carbono, a Amazônia também atua na circulação das águas recebidas dos oceanos por meio das chuvas, garantindo padrões climáticos e de ecossistemas na América do Sul. 

Como explicaram as pesquisadoras Gatti e Vieira, a evapotranspiração das árvores — processo que consome energia infravermelha (do calor) ao absorver água líquida do solo e transferi-la para a atmosfera em forma de vapor — atua no resfriamento da temperatura do planeta e na formação de chuvas. 

Esse processo é vital para a formação dosrios voadores, que são correntes de vapores d’água que levam a umidade dos oceanos e da evapotranspiração por todo o continente sul-americano para a formação de chuvas. 

Com o desmatamento das florestas, esse processo fica comprometido e se torna uma reação em cadeia: com a falta de vegetação, a superfície fica mais quente e, quando a nuvem vinda do oceano alcança o topo frio da árvore, o processo de evapotranspiração fica mais intenso e severo. 

Esse desequilíbrio, de acordo com Gatti, acarreta em eventos climáticos extremos e o impacto é sentido dentro da própria floresta e fora dela em diferentes setores, como no agronegócio, que sofre com as secas. 

“Esse é um processo tão gigantesco e importante no ciclo de água do planeta inteiro, no ciclo de energia, que era o que mais nos protegia das mudanças climáticas. Funcionava como um airbag climático”, apontou Gatti, ao acrescentar que a Amazônia coloca na atmosfera 50% do vapor d’água que forma os rios voadores na América do Sul. 

Em uma publicação divulgada em 2021 no perfil da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) no Facebook, o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), explica com imagens ilustrativas como esses processos na Amazônia regulam o clima do planeta por meio de sua atuação como um “gigantesco processador de vapor d’água”. 

O Checamos já verificou outros conteúdos sobre o clima. 

Referências 

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