Posts compartilham interpretação equivocada de pesquisa sobre refugiados na Suécia

Uma pesquisa de 2022 realizada com estrangeiros residentes na Suécia foi tirada de contexto para alegar que 79% dos refugiados do país passam as férias no lugar de onde fugiram. A afirmação foi compartilhada centenas de vezes em diferentes idiomas desde janeiro de 2025. Mas a pesquisa não considera aqueles que atualmente buscam asilo no país. Além disso, a maioria dos “refugiados” entrevistados vive na Suécia há décadas, algo que tornou mais fácil regressar a seus países, como indicou à AFP a empresa responsável pelo estudo.

“No rastro da grande discussão sobre "remigração", uma notícia que deixa claro que esse é um conceito válido: Suécia: 79 por cento dos "refugiados" passaram férias no país de onde "fugiram" (notícia de 2022) Isso é um abuso, que evidencia que a maioria dos "refugiados" são na verdade imigrantes econômicos”, diz uma das publicações que circulam no Facebook, no Instagram, no X e no Threads.

Publicações semelhantes circulam em inglês e sueco.

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Captura de tela feita em 10 de março de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

O magnata do ramo tecnológico Elon Musk também compartilhou a mensagem em sua conta oficial no X, em um post replicado mais de 70.000 vezes.

A postagem foi realizada dias após Musk participar de um ato eleitoral do Partido Alternativa para a Alemanha (AfD), em 25 de janeiro de 2025. O apoio do bilionário ao partido político tem levantado questões sobre a interferência estrangeira na política europeia.

Dois textos diferentes 

A imagem que acompanha algumas postagens virais contém um título em inglês afirmando que 79% dos refugiados na Suécia saíram de férias para o país de onde fugiram. Abaixo deste título, há um aparente subtítulo sobre atentados com bombas na Suécia.

Mas tratam-se de capturas de tela diferentes, de dois textos distintos. 

Uma busca no Google com o mesmo título levou a um artigo de setembro de 2022 do portal norte-americano Breitbart. A matéria fala sobre um estudo da empresa sueca de pesquisa Novus, encomendado por um de seus clientes, o site de notícias Bulletin.

Mas o estudo desde então tem sido mal interpretado em meios de comunicação, redes sociais e até mesmo por um político sueco em um abaixo-assinado enviado ao governo.

Isso levou a Novus a esclarecer os resultados do estudo por meio de um comunicado de imprensa em 2024 e da participação no podcast de estatística da BBC “More or Less”, em janeiro de 2025.

No entanto, a parte inferior da imagem viral, com o texto: “TERROR NA SUÉCIA: há uma guerra nas ruas - somente este mês, 30 ATENTADOS BOMBAS”, não tem relação com a matéria do Breitbart, nem com o estudo da Novus.

Uma pesquisa por essa frase no Google indicou que o título corresponde a um material publicado em um portal de pesquisa da Universidade de Lund, informando que um de seus professores foi mencionado em um artigo sérvio de 2025 sobre ataques com bombas na Suécia.

A maioria dos participantes saiu de seu país há décadas

Como explica o comunicado da Novus em 2024, a pesquisa foi realizada com moradores estrangeiros, e perguntava suas opiniões sobre a Suécia e questões políticas, assim como se já haviam visitado seu país natal após se mudarem para o território sueco. De acordo com o podcast da BBC, aproximadamente 1.000 pessoas foram entrevistadas como parte do levantamento. 

“A princípio, a pesquisa está correta”, declarou à AFP em 6 de fevereiro de 2025 o CEO da Novus, Torbjörn Sjöström. Segundo ele, o estudo oferece uma amostragem precisa daqueles  que chegaram como refugiados há décadas e agora possuem permissão de residência, assim como de quantos deles retornam nas férias para o país de onde fugiram.

O problema é que a pesquisa é interpretada como se mostrasse a condição das pessoas que atualmente são requerentes de asilo, disse Sjöström. Mas o estudo “não tinha como propósito examinar aqueles que agora buscam asilo e aguardam uma decisão sobre se serão ou não autorizados a permanecer na Suécia”.

A Novus selecionou a amostra de participantes do registro populacional sueco, explicou Sjöström em 11 de fevereiro de 2025. Segundo a Agência de Migração sueca, os requerentes de asilo são incluídos no registro populacional após terem obtido o asilo e receberem uma autorização de residência. 

A maioria dos entrevistados vivia na Suécia há décadas.

A pesquisa perguntou aos participantes quando chegaram à Suécia e por quais motivos: por questões trabalhistas, porque estavam fugindo de uma guerra ou por razões políticas.

Sjöström explicou que a maioria daqueles que buscaram asilo na Suécia chegaram ao país entre 1980 e 1999.

Hjalmar Strid, que liderou a pesquisa na Novus, afirmou no podcast da BBC que 183 dos aproximadamente 1.000 entrevistados foram identificados como pessoas que chegaram à Suécia como refugiados. De acordo com o comunicado de imprensa da Novus, apenas 4% desse total de 183 pessoas chegaram após 2010.

“Depois, você voltar de férias para o país de onde fugiu há 30 ou 40 anos, onde o conflito já terminou há muito tempo, não é algo tão estranho assim”, indicou Sjöström.

A pesquisa não perguntou de que países eram os entrevistados, porém o diretor da Novus apontou que, como um grande número de pessoas chegou durante o período 1980-1999, é provável que “a maioria dos refugiados” fosse “dos Bálcãs, Bósnia-Herzegovina, Iugoslávia e da Romênia”. Refugiados chilenos chegaram à Suécia na década de 1970, e o país também recebeu refugiados iranianos durante o período 1980-1999, após a revolução iraniana de 1979, pontuou Sjöström. Na década de 2010 chegaram refugiados da Somália, acrescentou.

Refugiados que viajam para seu país de origem podem perder seu status 

As pessoas com um status vigente de refugiado poderiam perdê-lo se viajassem para o seu país de origem. Em alguns casos, isso poderia afetar seu direito de viver na Suécia.

Um porta-voz da Agência de Migração da Suécia explicou à AFP em 7 de fevereiro de 2025 que as pessoas que já conseguiram obter uma autorização de residência por necessidade de asilo também possuem uma declaração com o status de refugiado ou como pessoa que necessita de uma proteção subsidiária.

“A condição de refugiado pode ser retirada se a pessoa deixar de requerer proteção ou se o indivíduo pretender utilizar ou se já utilizou a proteção em seu país de origem”, explicou o porta-voz. “Uma possível razão para retirar [o status de refugiado] pode ser que a pessoa viaje ao seu país de origem”.

Ainda que não seja um processo automático, a viagem poderia influenciar a possibilidade de prorrogação do status de refugiado, indicou a Agência de Migração. 

As pessoas que já obtiveram o status de refugiado na Suécia têm uma permissão de residência por três anos. Se ainda precisarem de proteção após o fim do prazo, podem solicitar uma prorrogação. Caso possam se sustentar por conta própria, podem solicitar uma permissão de residência permanente, detalha a Agência de Migração.

Como regra geral, se ocorrerem mudanças substanciais e duradouras em um país em conflito que façam com que a pessoa já não possa mais ser considerada em necessidade de proteção, seu status de refugiada deve ser retirado, explicou o porta-voz.

Porém, isso não significa que a pessoa perca a autorização de residência. “Em muitos casos, as pessoas que estão na Suécia há muitos anos são agora cidadãos suecos”, declarou.

Por sua vez, Sjöström acrescentou que devido aos regulamentos “não é razoável realizar um estudo sobre as pessoas que estão atualmente solicitando asilo e que iriam para os seus países de férias ”.

Além disso, é difícil contatar pessoas com pedidos de asilo vigentes para esse tipo de pesquisa, explicou Strid no podcast da BBC.

Referências

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