Estudo japonês sobre vacinas de RNA não relatou “aumento de 4.900%” em problemas cardíacos
- Publicado em 6 de novembro de 2024 às 15:46
- 4 minutos de leitura
- Por Ezzio RAMOS, AFP Peru
- Tradução e adaptação AFP Brasil
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“Estudo japonês expõe aumento de 4900% na insuficiência cardíaca entre vacinados contra a Covid”, afirmam publicações no Telegram e no X.
O conteúdo também circula em espanhol.
A mensagem é compartilhada junto a uma nota em inglês publicada no portal Slay News, cujo conteúdo foi verificado anteriormente pela AFP (1, 2, 3), e cita um estudo publicado em agosto de 2024 pela revista científica Journal of Infection and Chemotherapy.
A pesquisa, desenvolvida no Japão, analisa a associação entre as vacinas de mRNA da Pfizer-BioNTech (BNT162b2) e da Moderna (mRNA-1273) e a ocorrência de casos de miocardite e pericardite, utilizando a base de dados desse país para relatar os efeitos adversos.
O Slay News atribui aos cientistas japoneses a descoberta “de que o risco de miocardite é 20 a 50 vezes maior após receber a injeção”. No entanto, essa conclusão distorce os dados fornecidos pelo estudo.
A pesquisa não indica “aumento de 4.900%”
Erika Castillo, especialista em Ciências Médicas da Universidade de Kyushu, no Japão, revisou a pesquisa completa e explicou à AFP que a pesquisa “em nenhuma parte (...) mostra ou conclui que há um aumento de 4.900% ou algo remotamente próximo a essa cifra”.
O artigo do Slay News produziu uma estimativa das probabilidades de que o evento adverso ocorra em pessoas vacinadas em comparação com pessoas não vacinadas (algo que a pesquisa original não faz), com base nos valores do “reporting odds ratio” ou razão de probabilidades (ROR), um indicador estatístico usado no estudo japonês. Castillo considera “incorretas” as conclusões do Slay News.
Os valores apresentados pelo ROR no estudo original, explica a especialista, provêm de uma análise estatística chamada “desproporcional”. Essa ferramenta não mede riscos absolutos ou taxas exatas de incidência, mas compara a frequência de eventos adversos com base nos dados disponíveis (neste caso, o banco de dados de efeitos adversos), sem um grupo de controle direto. Essa técnica é útil em farmacovigilância para detectar sinais de possíveis problemas de segurança, embora os seus resultados não representem necessariamente a verdadeira probabilidade do evento na população em geral.
Se o valor resultante do ROR “for inferior a 1, então não há maior probabilidade de influência da vacina nos casos de miocardite e pericardite dentro do conjunto de efeitos adversos, em comparação com qualquer outra causa”, disse Castillo. Por outro lado, “se for maior que 1, então existe essa probabilidade”.
A pesquisa japonesa relatou um ROR “significativo” (>1) para casos de miocardite e pericardite entre os eventos adversos já associados às vacinas de RNA. No entanto, esses valores “não mostram frequências nem porcentagens em números reais”, disse a especialista. Por outro lado, a investigação detectou “uma influência estatisticamente significativa da vacina”.
O mesmo artigo científico menciona, entre suas limitações, que o cálculo do ROR “não implicou o uso de um grupo não vacinado como controle, portanto, não se pode estimar o risco de aparecimento [do evento cardíaco]”.
Além disso, para se referir a comparações com pessoas não vacinadas, o estudo cita outras pesquisas. Por exemplo, menciona que: “A base de dados médica dinamarquesa revelou uma taxa de risco de 1,90 a 5,35 para miocardite e pericardite em pessoas que receberam imunização com mRNA contra SARS-CoV-2 em comparação com aquelas que não foram vacinadas”.
Em nenhum momento o artigo do Journal of Infection and Chemotherapy, nem nos dados científicos utilizados como referência, menciona um aumento de “insuficiência cardíaca” de “4.900%” entre vacinados.
Miocardite e pericardite
O artigo do Slay News agrupa indistintamente os casos de miocardite e pericardite em “insuficiência cardíaca”. No entanto, embora essas condições possam levar à insuficiência cardíaca, a grande maioria dos casos observados na pesquisa japonesa (entre 78% e 87%) relatou recuperação ou remissão.
Ambas as condições, que consistem na inflamação do músculo cardíaco (miocardite) ou do tecido em forma de saco ao redor do coração (pericardite), foram reconhecidas desde 2021 como possíveis efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 baseadas em RNA mensageiro, especialmente em pessoas jovens do sexo masculino.
Entidades como a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) , a Agência Espanhola de Medicamentos e Produtos Sanitários (AEMPS) e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos concordam que se trata de um efeito de frequência rara, de menos de um caso por 10.000 pessoas vacinadas.
Referências
- Pesquisa sobre vacinas de mRNA
- Miocardite e pericardite (1, 2, 3)