A Universidade de Yale não inventou uma vacina que é transmitida pelo ar

A Universidade de Yale, nos Estados Unidos, não desenvolveu uma nova forma de imunizante de RNA mensageiro (mRNA) que é transmitido “pelo ar” para vacinar as pessoas sem o seu consentimento, como alegam publicações compartilhadas dezenas de vezes nas redes sociais desde 30 de setembro de 2023. As postagens citam um estudo que realizou testes exclusivamente em camundongos, vacinados através de gotículas aplicadas diretamente no nariz, e não inaladas pelo ar, como confirmaram seus autores à AFP. Vacinar os seres humanos pelo ar é impossível, afirmam vários especialistas.

“SEM AGULHAS, SEM CONSENTIMENTO, SEM VOCÊ SABER: Cientistas desenvolvem ‘mRNA aerotransportado’ para vacinar populações sem necessidade de consentimento”, diz uma das publicações que circulam no X (antes Twitter) e no Facebook.

Conteúdos semelhantes também circulam em inglês, espanhol e francês.

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Captura de tela feita em 13 de dezembro de 2023 de uma publicação no Facebook ( .)

Alguns usuários compartilham uma imagem de Bill Gates, retirada de um texto do Tribuna Nacional, publicado em 30 de setembro de 2023, com o título: “Cientistas desenvolvem ‘mRNA aerotransportado’ para vacinar populações sem necessidade de consentimento”.

O artigo é uma tradução de outra matéria, em inglês, do site Slay News, com o mesmo título.

O portal, por sua vez, se refere a um trecho de uma publicação do The Epoch Times, site que já difundiu desinformação sobre a vacinação e a pandemia de covid-19, no qual também afirma que os pesquisadores de Yale conseguiram desenvolver “um novo método de administração aérea de vacinas de RNA mensageiro”.

O estudo mencionado nos artigos foi publicado em 16 de agosto de 2023 na plataforma PubMed, um mecanismo de buscas online por textos científicos médicos gerenciado pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. O artigo é intitulado, em inglês: “Nanopartículas poliméricas transportam mRNA ao pulmão para a vacinação de mucosas”.

No entanto, o estudo não menciona a criação de uma nova forma de vacina de transmissão aérea, nem de vacinação à distância.

Alguns dos autores da pesquisa, assim como vários virologistas, disseram à AFP que o método não existe e que não funcionaria.

Vacinação nasal

Contactada pela AFP, Hee-Won-Suh, uma das autoras do estudo e pesquisadora do Departamento de Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Medicina de Geisel, explicou em 3 de novembro que a pesquisa revelou que a administração de moléculas de RNA mensageiro por via intranasal poderia vacinar de modo eficaz os camundongos contra o vírus da covid-19.

As vacinas nasais atuam no organismo da mesma forma que um vírus, ajudando a reforçar a imunidade da membrana mucosa que reveste o nariz e a boca, evitando, assim, que as pessoas se infectem e contribuindo para frear a propagação da doença.

Mas o estudo em questão “não incluía os seres humanos” e “uma técnica aerotransportada não funcionaria em humanos”, disse Hee-Won-Suh.

Para que uma vacina seja eficaz, “os seres humanos devem receber uma dose controlada, administrada diretamente no nariz”, acrescentou.

Outro autor do estudo, W. Mark Saltzman, professor da Faculdade de Medicina de Yale, disse à AFP que as doses da vacina administradas devem estar bem ajustadas para serem eficazes. Isso seria “impossível” no caso de uma administração por via aérea.

Consultados pela AFP, outros virologistas sem relação com o estudo também afirmaram que não é possível vacinar as pessoas sem que elas saibam, utilizando um método aerotransportado.

Para Dorothee von Laer, professora do Instituto de Virologia da Universidade Médica de Innsbruck, na Áustria, essas afirmações “não passam de teorias da conspiração”.

“Dado o estado atual das pesquisas, é inconcebível que uma concentração suficiente de vacina possa se alojar na mucosa nasal, ou nos pulmões, administrando a vacina em forma de aerossol pelo ar”, explicou Von Laer.

O Instituto Federal de Vacinas e Biomedicina da Alemanha (Paul-Ehrlich-Institute), por sua vez, declarou à AFP em 2 de novembro de 2023 ser “inconcebível que se possa vacinar corretamente as pessoas sem que elas percebam, seja pelo ar, ou de qualquer outra forma”.

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Um assistente médico prepara uma seringa com a vacina Pfizer-BioNTech para crianças em um centro de vacinação em Iserlohn, oeste da Alemanha, em 5 de janeiro de 2022 ( AFP / INA FASSBENDER)

Como funciona o RNA mensageiro?

O RNA mensageiro está presente em todas as células e permite que elas trabalhem para garantir o bom funcionamento do organismo. Ele atua como um intermediário entre o código genético do DNA e a atividade da célula para produzir proteínas.

Mais especificamente, é uma cópia temporária de uma pequena parte do DNA presente de forma permanente no núcleo da célula. A célula utiliza essa cópia como código para produzir proteínas específicas.

Em um tratamento com RNA mensageiro, esses fragmentos do código genético se inserem externamente. Portanto, eles são criados artificialmente em um laboratório, e não a partir do DNA.

Isso leva as células a produzirem proteínas presentes no vírus (antígenos) para treinar o sistema imunológico a reconhecê-lo e neutralizá-lo.

Uma vacina convencional pretende acostumar o organismo a um vírus, ou a outros agentes infecciosos, porém o introduz diretamente no corpo de forma atenuada, ou desativada. Algumas vacinas mais recentes injetam apenas os antígenos do vírus.

A revolução das vacinas de RNA mensageiro é o fato de fazer com que as células trabalhem diretamente para produzir esses antígenos. Como ocorre com outras vacinas, o sistema imunológico reage posteriormente, em particular gerando anticorpos.

O AFP Checamos já verificou anteriormente outras alegações relacionadas a vacinas.

Referência

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