Lula e Maduro não obtiveram 51,2% dos votos; presidente brasileiro foi eleito com 50,9%
- Publicado em 9 de agosto de 2024 às 18:33
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- Por AFP Brasil
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“Simples coincidência”, diz o texto sobreposto a uma imagem que circula no X, no Facebook, no Instagram, no Threads, no LinkedIn, no TikTok, no YouTube e no Reddit.
O conteúdo traz uma foto de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, apertando a mão do presidente brasileiro, Lula. Sobre a imagem de cada um, há a porcentagem de 51,2%. Por fim, abaixo da fotografia, duas imagens de urnas eletrônicas.
A imagem, que chegou a ser publicada e descrita como um “meme” pela Revista Oeste, circula após as eleições venezuelanas de 2024.
Em 29 de julho de 2024, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) concedeu a vitória a Maduro para um terceiro mandato de seis anos. Em seguida, milhares de opositores saíram às ruas para reivindicar a vitória do candidato da oposição Edmundo González Urrutia. As mobilizações, reprimidas pela polícia, já deixaram mais de duas dezenas de mortos.
Além das denúncias da oposição sobre supostas fraudes, vários países pedem que a Venezuela permita uma verificação “transparente” dos resultados eleitorais. Por sua vez, o chefe da diplomacia norte-americana, Antony Blinken, reconheceu Edmundo González Urrutia como o vencedor das eleições.
Esse cenário difere das eleições brasileiras de 2022. Na ocasião, o ex-presidente Lula (PT) foi eleito para um terceiro mandato. Sua vitória foi rapidamente reconhecida pela comunidade internacional, apesar dos protestos de apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro (PL), que disputava a reeleição.
Para além dos diferentes contextos, a informação contida na imagem viral é falsa: embora o CNE venezuelano tenha declarado que Maduro recebeu 51,2% dos votos, cifra depois atualizada para 51,95%, o mesmo não se aplica a Lula. O presidente brasileiro foi eleito em 2022 com 50,9% dos votos válidos no segundo turno, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Sistemas eleitorais diferentes
A imagem também induz a uma leitura de que ambos os presidentes teriam sido eleitos graças a uma suposta fraude nas urnas eletrônicas, usadas tanto no Brasil quanto na Venezuela.
Como o Checamos informou em verificação anterior, a Venezuela usa urnas eletrônicas em suas eleições desde 2004, com máquinas que imprimem o comprovante dos votos. A partir de 2012, passou a adotar a identificação biométrica para liberar o funcionamento dos equipamentos, segundo informa o Conselho Nacional Eleitoral (CNE). As urnas utilizadas foram desenvolvidas pela empresa Smartmatic. A página do CNE se encontra fora do ar desde o domingo eleitoral de 28 de julho de 2024.
A empresa, fundada nos Estados Unidos, trabalhou em 15 eleições venezuelanas entre 2004 e 2017.
Em agosto de 2017, porém, a Smartmatic afirmou que os resultados da eleição da Assembleia Constituinte Nacional naquele ano haviam sido “manipulados”.
Desde então, a empresa Ex-Cle Soluciones Biométricas substituiu a Smartmatic.
No sistema atualmente usado na Venezuela, o eleitor se identifica e faz o reconhecimento biométrico, usando sua impressão digital, para poder votar. Em seguida, o eleitor se dirige à urna eletrônica, em cuja tela são exibidos os nomes dos candidatos para o cargo em questão. O eleitor registra seu voto, e a urna, então, imprime um registro em papel para que o eleitor verifique se sua escolha foi corretamente computada. Esse registro impresso, por sua vez, é depositado em outra urna.
Os votos são enviados eletronicamente, sem uma conexão com a internet, e totalizados. É feita, também, uma verificação por amostragem entre os votos registrados nas urnas eletrônicas e os registros em papel dos votos.
Já a urna brasileira foi desenvolvida pela Justiça eleitoral do país. Diferentemente da urna venezuelana, o dispositivo de votação do Brasil não emite um comprovante impresso do voto. Esse registro é armazenado sob a forma de um arquivo eletrônico chamado Registro Digital do Voto (RDV).
Após a votação, a urna imprime o Boletim de Urna (BUs), um documento físico que indica quantos votos foram registrados naquele equipamento para cada partido e para cada candidato.
Desde 2022, tanto os BUs quanto os RDVs são publicados online pelo TSE. É possível acessá-los na página Resultados, da Justiça Eleitoral, na seção “Dados de Urna”.
“Só funcionam na urna eletrônica os programas e sistemas oficiais criados, assinados digitalmente e lacrados pela Justiça Eleitoral. O equipamento realiza uma série de conferências automáticas para garantir a integridade de tudo que roda dentro dele”, afirmou o TSE à AFP em 1º de agosto de 2024.
Em 2020, a corte eleitoral também reforçou que “todo o projeto da urna eletrônica brasileira e do sistema eletrônico de votação foi concebido e é gerido inteiramente pela Justiça Eleitoral do país”. Na ocasião, o tribunal negava boatos de que a Smartmatic teria fornecido urnas ou softwares de votação ao Brasil.
Após o segundo turno do pleito de 2022, o International Institute for Democracy and Electoral Assistance (Idea) — que monitora eleições em diversos países — emitiu um comunicado no qual destacou que “a urna eletrônica no Brasil mais uma vez provou sua confiabilidade e rapidez no processamento dos resultados”.
Referências
- Resultados das eleições de 2022 divulgados pelo TSE
- Página do TSE a respeito do Registro Digital do Voto (RDV)
- Página do TSE a respeito dos Boletins de Urna (BUs)
- Página do TSE a respeito da divulgação de dados eleitorais a partir de 2022
- Página do TSE sobre suposto fornecimento de urnas por parte da Smartmatic
- Comunicado do Idea a respeito do segundo turno das eleições de 2022