Fotos do Rio de Janeiro de 1880 a 2020 não desmentem aumento do nível do mar

As mudanças climáticas e seus impactos no nível do mar são cientificamente comprovados. No entanto, mensagens com mais de 4.800 interações nas redes sociais questionam o aumento no nível do mar ao comparar três fotos do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro. Mas medições independentes e especialistas consultados pela AFP explicam que o nível do mar subiu significativamente tanto no Rio como no resto do mundo. 

“O Rio está a salvo do aumento do nível dos mares”, ironiza a legenda de uma publicação com uma combinação de três imagens no X.

A comparação com alegações que questionam o aumento do nível do mar em 140 anos também circula no Instagram e no Facebook, além de outros idiomas, como inglês, espanhol e alemão

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Captura de tela feita em 14 de junho de 2024 de uma publicação no X (.)

O conteúdo viral é uma montagem com comparações do Pão de Açúcar, cartão postal do Rio de Janeiro, em três anos distintos: 1880, 1910 e 2020.

Uma busca reversa no Google encontrou fotos idênticas ou similares ao cenário das imagens de cada ano: 1880, 1910 e 2020, demonstrando que as datas utilizadas no conteúdo viral são próximas da realidade.  

As fotos não são evidências científicas  

Contudo, as três fotos não são evidências que demonstram as variações no nível do mar, segundo a avaliação de Torsten Albrecht, doutor em física que investiga o aumento do nível do mar e a dinâmica dos gelos no Instituto Potsdam de Pesquisa das Mudanças Climáticas (PIK), na Alemanha.

“Estas fotos à distância podem mostrar apenas diferenças em escala centimétrica”, afirmou Albrecht à AFP. 

As imagens são “instantâneas, e não valores médios”, refutou o especialista ao detalhar que “as tendências locais poderiam neutralizar a tendência global”. Outro aspecto apontado é que o nível do mar pode se apresentar completamente diferente em fotos devido ao tempo e a maré, mas isso não prova uma tendência geral.

Ingo Sasgen, cientista do Departamento de Glaciologia do Instituto Alfred Wegener (AWI) da Alemanha e porta-voz da iniciativa Helmholtz para o Clima (Reklim), confirmou à AFP, em 7 de junho, que “as fotos à distância são um método equivocado neste caso. O aumento do nível do mar foi de centímetros ao longo dos séculos”, o que não é possível ser representado em uma imagem de uma montanha com quase 400 metros de altura. 

“As melhores medições para a mudança no nível do mar em relação à costa são as estações maregráficas”, acrescentou Sasgen. 

Uma das estações de medição no Rio de Janeiro encontra-se próxima ao Pão de Açúcar desde 1963, na Ilha Fiscal. O Serviço Permanente para o Nível Médio do Mar (PSMSL) do Centro Nacional de Oceanografia (NOC) do Reino Unido é o responsável por medir o nível das marés em intervalos regulares nas estações de todo o mundo, além de divulgar e analisar os dados.

De acordo com os dados difundidos na plataforma do PSMSL, o nível relativo do mar em frente ao Rio de Janeiro subiu em média 2,35 milímetros por ano, o que representa um aumento de mais de 14 centímetros desde que começaram as medições em 1965.

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Captura de tela feita em 11 de junho de 2024 do site do Serviço Permanente para o Nível Médio do Mar (PSMSL) com as medições da Ilha Fiscal (.)

O nível do mar não sobe de forma uniforme 

Por mais que os dados mostrem que o nível do mar subiu no Rio de Janeiro nas últimas décadas, os especialistas assinalam que apenas uma estação de medição não é o bastante para fazer afirmações confiáveis sobre as mudanças no nível do mar em escala global.

Para isso, é necessário analisar os dados do maior número possível de estações maregráficas distribuídas pelo mundo, que são corrigidos com base na elevação e subsidência do terreno e de outros fatores locais de influência. 

“A maior parte do aumento do nível do mar global procede atualmente do degelo da Groenlândia, da Antártida e dos glaciares de todo o mundo”, afirmou Albrecht referindo-se aos estudos atuais. O aumento das temperaturas como consequência da mudança climática está provocando a expansão térmica da água, o que também contribui significativamente para o aumento do nível do mar e para a queda das reservas de água doce em terra firme. 

No entanto, Sasgen explicou que o nível do mar não aumenta de forma igualitária em todo o mundo. Fatores regionais como  mudanças no ciclo da água, ventos,  correntes oceânicas ou pressão da atmosfera, assim como movimentos tectônicos da massa terrestre e forças gravitacionais, podem fazer com que as medições se diferenciem em muitas das cidades costeiras.

“À medida que diminui a massa das capas de gelo, menos água é atraída para esse lugar regionalmente. Isso significa que o nível do mar sobe com uma força particular na região oposta do mundo”, disse Sasgen. 

Com base em dados da Nasa, Albrecht explicou que “o nível médio global do mar subiu 22 centímetros desde 1880 nos maregráficos costeiros de todo o mundo”. O ritmo da elevação acelerou, consideravelmente, nas últimas décadas.

Sasgen também destacou que, “hoje em dia, o nível do mar pode ser determinado com grande precisão através de satélites e bóias automáticas à deriva, e decomposto em quantidades individuais. No período compreendido entre janeiro de 1993 e dezembro de 2016, a taxa média de GMSL [nível médio global do mar] foi de 3,05 ± 0,24 milímetros por ano”

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Em um informe de 2021, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) das Nações Unidas afirmou que pelo menos desde 1971 “é muito provável” que a influência humana seja a principal causa da subida do nível do mar em todo o mundo. 

O impacto das construções 

Luiz Paulo de Freitas Assad, oceanólogo e professor de meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apontou que as consequências da mudança climática são notáveis no Brasil nos últimos anos.  

“Não somente na costa do Rio de Janeiro, como também em outras regiões costeiras do país, estamos observando claros processos de erosão causados pelo aumento do nível do mar e por fenômenos meteorológicos extremos cada vez mais frequentes e intensos”, reforçou à AFP em 10 de junho.

O professor também destacou a influência da intervenção humana no desenho da região costeira do Pão de Açúcar: o fato de que imagens de 1880 a 2020 mostrem diferenças tão expressivas se deve, em grande parte, às modificações feitas na Baía de Guanabara por conta de projetos de recuperação de terras e infraestrutura. 

“Os processos de urbanização das regiões costeiras não são produzidos de forma organizada em muitos lugares. Os manguezais estão sendo afetados, o que, por sua vez, impacta na resistência dessas zonas aos efeitos das mudanças climáticas, como o aumento do nível do mar”, explicou.

O AFP Checamos já verificou anteriormente alegação similar sobre o aumento do nível do mar. 

Referências 

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