Zelensky não comprou uma antiga casa de Joseph Goebbels; suposto contrato de venda é falso

O ministro de propaganda nazista durante o Terceiro Reich, Joseph Goebbels, morou em uma mansão chamada Vila Bogensee, nos arredores de Berlim, Alemanha. Desde 27 de dezembro de 2023, publicações que somam centenas de interações nas redes sociais compartilham um suposto contrato no qual o presidente da Ucrânia, Vladimir Zelensky, teria comprado a propriedade. No entanto, o documento é falso, como confirmou à AFP a tabeliã a quem atribuem o ofício. Além disso, autoridades locais afirmaram que a vila segue sendo patrimônio do estado.

“‘Zelensky comprou uma villa que anteriormente pertenceu a Joseph Goebbels ‘House on Bogensee’ é o nome de uma vila à beira do lago que foi um presente de Adolf Hitler ao ministro da propaganda nazi Joseph Goebbels no seu 39º aniversário. Desde 2000, o governo da cidade de Berlim tenta encontrar um comprador para esta propriedade. O novo proprietário é uma empresa offshore propriedade de Zelensky”, diz uma das publicações que circulam no Facebook e no Telegram.

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Captura de tela feita em 19 de janeiro de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

Conteúdo semelhante circula em inglês, alemão, espanhol, holandês e polonês.

As publicações incluem imagens da mansão, localizada a 40 quilômetros de Berlim, em Brandemburgo, que Goebbels utilizava como casa de campo para levar suas amantes. Após o estado comprar a propriedade em 1936, seu status de monumento histórico passou a ser questionado.

Além disso, as publicações são acompanhadas por imagens de um suposto contrato de compra e venda no valor de € 8,1 milhões (US$ 8,8 milhões), que teria sido assinado por uma empresa ligada a Zelensky.

No entanto, essas imagens foram fabricadas.

Contratos com erros

O cabeçalho do suposto contrato de compra e venda mostra que o documento foi elaborado pela tabeliã Friederike Schulenburg, em um escritório localizado em Berlim.

No título, em alemão, aparece “Contrato de compra” e a descrição, “negociado em Berlim, em 11 de outubro de 2023. Frente a mim, a tabeliã assinante Dr. Friederike Schulenburg, com residência em Berlim”.

Segundo o ofício, a propriedade à venda está localizada na “Platz der Freundschaft 1A”, em Wandlitz, Alemanha, que corresponde ao endereço da Vila Bogensee.

O comprador é a “Film Heritage Inc”, que, de acordo com a investigação jornalística Pandora Pepers, pertencia a Zelensky, porém em 2019 foi transferida para a sua esposa, Olena Zelenska.

Uma busca pelo nome da tabeliã no Google levou a um artigo de verificação do site t-online, na qual uma mulher de 80 anos negou ter expedido o ofício e assegurou que o documento era falso.

Contatada pela AFP em 3 de janeiro de 2024, Schulenburg explicou por telefone que não trabalha como notária há mais de dez anos porque a lei a impede.

Na Alemanha, o Regulamento Federal de Notários, na seção 48ª, estipula o limite de idade para exercer a profissão em 70 anos, e Schulenberg já tem 80 anos. Por isso, ela não poderia ter certificado um contrato de venda em 11 de outubro de 2023.

Ela também aparece como advogada aposentada no site oficial da Ordem dos Advogados de Berlim.

“Trata-se de uma falsificação”, declarou Schulenberg, acrescentando que “nem a aparência nem o conteúdo coincidem”.

Segundo ela, por exemplo, é incomum que o canto superior direito da primeira página seja riscado, ou que o título seja “Contrato de compra e venda”. É um “absurdo completo”, disse, já que este deveria incluir a palavra “negociado”.

O título também deve conter o nome e o endereço do solicitante, porém isso não está presente no documento viral. “Somente diz ‘residência oficial’”, afirmou Schulenburg, explicando não ser comum que apareçam os nomes de ambos os negociadores.

Além disso, assinalou que a sua assinatura aparece incorreta, já que sempre assinou “Dr. Schulenburg”, e não “F. Schulenburg”, como se vê nas publicações.

A notária também disse à AFP que “tem intenção de tomar medidas legais”.

O estado de Berlim e a Vila Bogensee

Um porta-voz da Administração Financeira do Senado de Berlim confirmou em 4 de janeiro de 2024 que “o imóvel é propriedade do estado de Berlim” desde 1913, quando foi designada como a residência secundária do ministro de propaganda nazista, Joseph Goebbels, e hoje se encontra registrada como monumento no âmbito da Lei de Proteção de Monumentos de Brandemburgo.

Desde 1946, a Juventude Alemã Livre (FDJ, em alemão) utilizou parte da propriedade sob o nome “Waldhof” como edifício para suas escolas, tanto como espaços de ensino como de residência.

Consultada pela AFP, a porta-voz da Berliner Immobilienmanagement GmbH (BIM) — filial do estado de Berlim que gerencia múltiplas propriedades de suas autoridades —, Johanna Steinke, desmentiu a veracidade do documento em 3 de janeiro de 2024.

Além disso, a última vez em que a BIM tentou vender a propriedade foi há dez anos, afirmou Steinke. “Este foi um processo complexo, no entanto, terminado sem êxito anos atrás”, explicou, o que foi confirmado pela Administração do Senado Alemão.

Steinke disse ainda que “há muitos anos os terrenos de propriedade do estado não são vendidos” e, no caso da vila em particular, apontou: “Estamos conversando com o governo federal, com o município de Wandlitz e o estado de Brandemburgo para um possível desenvolvimento de todo o local”. Isso se deve à condição deteriorada da propriedade.

A porta-voz da Administração do Senado também declarou à AFP que “a propriedade não tem sido usada desde 2001”.

Referências

Corrige tipografia do nome de Joseph Goebbels
22 de janeiro de 2024 Corrige tipografia do nome de Joseph Goebbels

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