Reportagem de 2018 noticiava morte após vacina contra febre amarela, não por imunizante anticovid
- Publicado em 29 de dezembro de 2023 às 16:42
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- Por AFP Brasil
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“Sobre a vacina ‘bivalente’.O QUE SERÁ QUE ACONTECEU QUE A GLOBO ESTÁ FALANDO A VERDADE? PELO MENOS UMA VEZ ESTÃO ASSUMINDO O PERIGO DAS VACINAS”, diz a legenda de publicações no Facebook e no X.
A alegação é compartilhada junto a um vídeo, de pouco mais de 30 segundos de duração, no qual o jornalista Cesar Tralli diz: “Gente, é importante lembrar o seguinte: a vacina tem, sim, contraindicações, tem riscos à saúde. O secretário municipal da Saúde aqui de São Paulo, Wilson Pollara, me confirmou agora há pouco por telefone que duas pessoas já morreram aqui em São Paulo depois de tomar a vacina: um homem e uma mulher”.
E continuou: “Os médicos suspeitam que eles estavam com a imunidade baixa. E outras três mortes de pessoas que tomaram a vacina também estão sendo investigadas. Uma delas deve se confirmar, mais um homem. Todas essas pessoas tomaram a vacina de outubro para cá”.
Sobreposta à gravação lê-se: “Vacinas (a verdade proibida)”. E, no canto inferior, há as frases: “Vacinas matam” e “2 pessoas morreram depois de tomar a vacina aqui na Capital”.
Em um dos trechos da gravação observa-se o logo do programa “SP1”, transmitido pela Rede Globo.
Uma busca por palavras-chave no Google revelou que o vídeo viral é um fragmento de uma reportagem veiculada em 19 de janeiro de 2018.
Em 2018, como menciona o apresentador, Wilson Pollara chefiou a Secretaria de Saúde da capital paulista, mas em 2023 esse cargo passou a ser ocupado por Luiz Carlos Zamarco. Atualmente, Pollara é secretário de Saúde de Goiânia, no estado de Goiás.
Mas, ao contrário do que sugerem as publicações, a reportagem traz notícias sobre o imunizante contra a febre amarela, e não sobre a vacina bivalente contra a covid-19.
Ao assistir a íntegra da matéria, vê-se que no início do vídeo o apresentador informa que “só deve tomar essa vacina contra a febre amarela quem for viajar ou mora em área de risco”. Contudo, esse trecho é omitido no conteúdo viral e não é exibida a explicação sobre qual imunizante o jornalista se referiu.
No primeiro semestre de 2017, foi registrado um surto de febre amarela no país (1, 2).
Uma comparação entre fragmentos da sequência viral e o vídeo original permite observar os mesmos elementos e também a manipulação do texto descritivo da reportagem: as palavras “febre amarela” foram substituídas por “vacinas matam”:
Em março de 2018, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) descartaram que uma das mortes teria ocorrido devido a uma reação adversa à vacina da febre amarela. Os pesquisadores constataram que a paciente havia sido infectada pelo vírus dias antes de ser imunizada e veio a óbito antes que a proteção tivesse tido tempo de fazer efeito.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) destacou em boletim de 22 de fevereiro de 2018 que a “vacina contra febre amarela é raramente associada a eventos graves” e que as reações mais comuns incluem dor de cabeça e no corpo.
De acordo com a bula do produto, publicada pela mesma fundação, os “eventos muito raros” incluem reações de hipersensibilidade, reações anafiláticas, doença neurológica e doença viscerotrópica — com “maior risco de tais eventos graves em pessoas idosas”.
No Brasil, a vacina contra o coronavírus começou a ser distribuída em janeiro de 2021 — dois anos depois da matéria ser veiculada.
Os imunizantes contra a covid-19 também já foram associadas a óbitos e efeitos adversos graves, mas assim como no caso da febre amarela, essas ocorrências são muito raras.
Em boletim epidemiológico publicado em junho de 2023, o Ministério da Saúde informou que foram registradas até aquele momento apenas 50 mortes com “relação causal consistente com a vacinação”.
Os imunizantes contra a covid-19 são seguros e evitam casos graves da doença. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) monitora as vacinas utilizadas no Brasil e afirma que os benefícios superam os riscos.
E assegura: “Além das notificações espontâneas de suspeitas de eventos supostamente atribuíveis à vacinação ou imunização, a farmacovigilância monitora relatórios periódicos de avaliação benefício-risco, literatura científica e decisões de autoridades reguladoras estrangeiras para continuamente detectar sinais de segurança, analisar o equilíbrio entre os benefícios e os riscos, tomar medidas regulatórias oportunas e comunicar eventuais riscos à população e aos profissionais de saúde”.
O AFP Checamos já verificou outras publicações com desinformação sobre a segurança das vacinas anticovid (1, 2, 3).
Conteúdo semelhante também foi checado pelo Estadão Verifica.