É falso que a ONU recomende que crianças tenham parceiros sexuais

  • Este artigo tem mais de um ano
  • Publicado em 17 de maio de 2023 às 21:05
  • 5 minutos de leitura
  • Por AFP México, AFP Brasil
Em 2018, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), junto com Organização Mundial da Saúde (OMS), publicou o documento “Orientações técnicas internacionais de educação em sexualidade”. Em maio de 2023, publicações visualizadas mais de 3 mil vezes nas redes sociais alegam, de forma deturpada, que esse guia estimularia as crianças a terem parceiros sexuais. Mas o texto não contém nenhuma informação com esse teor e as versões distorcidas fazem parte de teorias da conspiração que circulam há anos relacionadas à Organização das Nações Unidas (ONU).

“‘As crianças devem ter parceiros sexuais’ dizem a ONU e a OMS”, diz O texto que acompanha a foto de uma criança pequena em publicações no Facebook, no Telegram, no Twitter, no Kwai e em sites.

O conteúdo foi encaminhado ao WhatsApp do AFP Checamos, para onde leitores podem enviar alegações vistas em redes sociais se duvidarem de sua veracidade, e também circula em espanhol.

Image
Captura de tela feita em 17 de maio de 2023 de uma publicação no Facebook ( .)

Em algumas publicações também é dito que a ONU instruiu “professores a se certificarem de que as crianças tenham parceiros sexuais e comecem a fazer sexo o mais cedo possível”.

Site conhecido por compartilhar desinformação

As publicações citam uma página chamada “Stop World Control”, que compartilha diversas teorias da conspiração já verificadas pela AFP em português e espanhol, como a ideia de que a Agenda 2030 da ONU teria por objetivo “impulsionar o aborto e fomentar a eutanásia” e que a pandemia de covid-19 foi uma “farsa” e não houve registros de mortes.

A página também compartilha declarações de conhecidos desinformadores, como o promotor do dióxido de cloro Andreas Kalcker, e o advogado alemão Reiner Fuellmich (1, 2), que arrecadou grande quantia de dinheiro supostamente para processar cientistas e a OMS durante a pandemia de covid-19, o que nunca aconteceu.

Uma pesquisa pelo código-fonte do site revela que ele está ativo desde março de 2022. Fora esses dados, a página não fornece informações sobre quem o criou ou é responsável por seu conteúdo.

A imagem da menina que circula nas redes sociais ilustra um artigo intitulado “‘As escolas devem preparar as crianças para terem parceiros sexuais’, dizem a ONU e a OMS”.

No texto, disponível em vários idiomas, lê-se que a OMS e a ONU estão “sexualizando” as crianças em idade escolar em todo o mundo e que as diretrizes oficiais das instituições assinalam que “crianças pequenas são seres sexuais que devem ter parceiros sexuais, e começar com o sexo o mais cedo possível”.

Em outro trecho do texto se lê que as organizações teriam estabelecido que “os jardins de infância e as escolas primárias devem ensinar as crianças a desenvolver a luxúria e o desejo sexual”.

Relatório distorcido

A publicação no site inclui capturas de tela de um relatório em inglês da Unesco intitulado “International technical guidance on sexuality education”.

O informe foi publicado em vários idiomas em janeiro de 2018 em colaboração com a OMS e outras divisões da ONU. A versão em português tem como título “Orientações técnicas internacionais de educação em sexualidade: uma abordagem baseada em evidências”.

Uma revisão do documento mostra que não há qualquer menção de que as crianças devam ter parceiros sexuais, começar a praticar relações sexuais, ou “desenvolver a luxúria e o desejo sexual”, como citado no texto publicado no site Stop World Control.

O relatório da Unesco é dirigido a profissionais da Educação e da Saúde para ajudá-los a desenvolver e implementar programas e materiais educativos para que crianças e jovens tenham uma preparação segura, informada e responsável em relação à sua sexualidade.

A publicação do Stop World Control cita as páginas 16 e 17 do relatório da Unesco, afirmando que estas assinalam que “seu objetivo é equipar as crianças...para desenvolver relações sexuais” e que esse guia pretende que “essas habilidades” ajudem “as crianças a formar relacionamentos com... parceiros sexuais”.

No entanto, a página 16 do relatório original explica que a educação sexual abrangente é um processo que busca ensinar aspectos cognitivos, emocionais, físicos e sociais da sexualidade.

A educação integral em sexualidade “tem por objetivo transmitir conhecimentos, habilidades, atitudes e valores a crianças, adolescentes e jovens de forma a fornecer-lhes autonomia para: garantir a própria saúde, bem-estar e dignidade; desenvolver relacionamentos sociais e sexuais de respeito; considerar como suas escolhas afetam o bem-estar próprio e o de outras pessoas; entender e garantir a proteção de seus direitos ao longo de toda a vida”.

Image
Comparação feita em 17 de maio de 2023 entre uma publicação do site “Stop World Control” (E) e o relatório original da Unesco em português ( .)

Já na página 17, o guia da Unesco aponta que a educação sexual integral ajuda a “desenvolver as habilidades para a vida necessárias para apoiar escolhas saudáveis”.

“Tais habilidades podem ajudar crianças e jovens a formarem relacionamentos respeitosos e saudáveis com familiares, colegas, amigos e parceiros amorosos ou sexuais”, diz o documento original.

As publicações virais também citam a página 71 do texto da Unesco, alegando que ele instrui os professores a ensinar crianças de cinco e nove anos a beijar, abraçar, tocar e praticar comportamentos e estímulos sexuais.

O texto original, na realidade, refere-se ao comportamento e à resposta sexual, e aos objetivos de aprendizagem apropriados à cada idade.

Em relação à idade de cinco aos oito anos, indica-se que as crianças devem saber que “as pessoas podem demonstrar seu amor por outras por meio do toque e da intimidade”, mas também “entender quando é ou não apropriado tocar”.

Dos nove aos 12 anos é mencionado que os estudantes devem saber que “as pessoas têm um ciclo de resposta sexual, onde a estimulação sexual (física ou mental) pode produzir uma resposta física”.

O documento não ensina as crianças a terem relações sexuais ou as encoraja a ter relações com pessoas do mesmo sexo.

Desinformação recorrente

A ONU e a OMS não promovem, nem em seus princípios nem em seus programas, condutas ou comportamentos que ameacem a segurança ou a integridade sexual de menores de idade.

Essa não é a primeira vez que compartilham desinformação relacionada a essas organizações internacionais.

A AFP já verificou várias alegações falsas envolvendo o nome das instituições, como o impulsionamento de aborto e eutanásia, incitação à pedofilia, ou a implementação de chips na humanidade.

Referências

Há alguma informação que você gostaria que o serviço de checagem da AFP no Brasil verificasse?

Entre em contato conosco