Vídeo reúne notícias fora de contexto que são falsamente relacionadas à eficácia da cloroquina

“Bolsonaro tinha razão. Imprensa brasileira fala a verdade sobre a cloroquina”, lê-se na legenda de um vídeo difundido no Facebook, no Instagram, no Telegram, no TikTok e no Twitter.

O vídeo viral reúne diferentes trechos de notícias veiculadas em jornais da Band, da CNN, da Record, do SBT e da TV Cultura sobre o uso da cloroquina no tratamento da covid-19.

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Captura de tela feita em 9 de março de 2023 de uma publicação no Facebook ( .)

No entanto, os trechos foram retirados de contexto e as matérias originais afirmam que não há comprovação científica sobre a eficácia do uso da hidroxicloroquina em casos de covid-19.

Nota do Ministério da Saúde

Uma busca por palavras-chave no Google localizou os vídeos que fazem menção a uma nota do Ministério da Saúde sobre a recomendação da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. O primeiro trecho que se refere à nota é do Jornal da Band e o segundo, do programa CNN Domingo.

Publicada em 20 de janeiro de 2022, a nota continha uma tabela que rejeitava a eficácia das vacinas anticovid e indicava que o tratamento com hidroxicloroquina era efetivo.

O documento foi uma resposta a outra nota de pesquisadores da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) que recomendava ao Sistema Único de Saúde (SUS) o tratamento sem o uso da cloroquina. Porém, esse documento do Ministério da Saúde não comprova a eficácia do medicamento.

Nas transmissões completas, tanto a Band quanto a CNN enfatizam que a nota não tinha respaldo dos especialistas que ofereciam consultoria ao Ministério da Saúde. As matérias também traziam o posicionamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que reiterou a eficácia das vacinas e afirmou que a hidroxicloroquina não tem eficácia comprovada no tratamento da covid-19.

Além da Anvisa, outras instituições da área de saúde questionaram o documento. Após as críticas, o Ministério da Saúde chegou a retirar a tabela da nota, mas continuou rejeitando as indicações da Conitec.

A atual ministra da Saúde, Nísia Trindade, sinalizou em janeiro de 2023 que a nota seria revogada junto com outras medidas sem respaldo científico.

Recomendação à Fiocruz

Outro trecho mostra uma matéria do Jornal da Cultura, que diz que o Ministério da Saúde recomendou à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a divulgação e a indicação do uso da hidroxicloroquina.

A matéria foi ao ar em 17 de julho de 2020 e cita estudos que já demonstravam que a cloroquina não tem efetividade contra a covid-19. Na época, a instituição afirmou que a recomendação de medicamentos cabia aos médicos , enquanto a Sociedade Brasileira de Infectologia pediu que a cloroquina fosse abandonada no tratamento dessa doença.

Estudo de hospitais brasileiros

O vídeo viral também traz um trecho de uma chamada do Jornal da Record, de 24 de julho de 2020, sobre o resultado de um estudo feito por um consórcio com 55 hospitais brasileiros. Contudo, o trecho foi cortado antes de a âncora Christina Lemos dizer que a pesquisa concluiu que o medicamento não é eficaz no tratamento da covid-19.

O estudo em questão foi feito com 667 pessoas com sintomas leves e moderados, e mostrou que o medicamento não teve qualquer benefício no quadro dos pacientes, além de resultar em efeitos adversos cardíacos e hepáticos.

Estudo publicado pela The Lancet

Outros dois trechos citam um estudo sobre a hidroxicloroquina publicado pela revista científica The Lancet. O primeiro vídeo é do Jornal da Record e foi ao ar em 23 de maio de 2020. O fragmento, entretanto, foi cortado antes de a apresentadora Janine Borba dizer que a pesquisa concluiu que o tratamento com a hidroxicloroquina aumenta o risco de morte em pacientes com covid-19.

O segundo vídeo, também do Jornal da Record, cita o mesmo estudo anterior e foi publicado em 5 de junho de 2020. Na transmissão, a jornalista Adriana Araújo fala que a The Lancet publicou uma retratação dos autores da pesquisa, que afirmaram não ser possível garantir a veracidade dos dados coletados.

Uma verificação sobre esse caso foi publicada pelo AFP Checamos em fevereiro de 2021. No texto é explicado que o estudo foi retratado uma semana após a sua divulgação por terem surgido dúvidas sobre a base de dados usada.

A companhia Surgisphere, que havia fornecido a base, se recusou a enviar os dados completos, alegando que isso seria quebra do sigilo das informações.

Porém, isso não significa que a cloroquina tenha eficácia contra a covid-19. Naquela data e desde então, diversos estudos comprovaram que o medicamento não oferecia benefícios no tratamento da doença.

Medicamento citado por Donald Trump

O trecho de uma matéria veiculada pelo jornal SBT Brasil em 20 de março de 2020 também foi utilizado sem contexto no vídeo viral. Nele, o apresentador Carlos Nascimento cita um “remédio que desapareceu” das prateleiras das farmácias após o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump citá-lo como supostamente eficaz no combate da covid-19.

O medicamento em questão é a hidroxicloroquina. Ao longo da reportagem original, especialistas contrapõem o argumento de Trump afirmando que não havia comprovação científica sobre a eficácia do remédio nos casos de coronavírus. A reportagem também mostra que a Anvisa não recomendou o uso do remédio para pacientes infectados.

Declaração de Bolsonaro

O vídeo viral encerra com uma matéria também veiculada pelo jornal SBT Brasil, em 24 de agosto de 2020, sobre uma declaração do então presidente Jair Bolsonaro no evento “Brasil vencendo a covid-19”.

A matéria completa destaca que o ex-presidente usou a ocasião para defender o tratamento com a hidroxicloroquina, mesmo sem comprovação científica de sua eficácia.