Estudo não provou que vacina anticovid causa cinco vezes mais miocardite do que o próprio vírus

Um estudo sobre miocardite – uma patologia cardíaca – não concluiu que a vacina contra a covid-19 causa cinco vezes mais miocardite do que a infecção pelo coronavírus, como alegam publicações compartilhadas nas redes sociais desde 5 de fevereiro de 2023. À AFP, um dos autores da pesquisa afirmou que não é possível tirar essa conclusão do trabalho, que examina a natureza da miocardite, e não a sua frequência. Além disso, estudos anteriores mostraram que, na população em geral, o risco de miocardite é maior após a infecção por covid-19 do que depois da imunização contra a doença.

“Novo artigo publicado no BMJ mostra que a vacina Covid causa 5x mais miocardite do que a própria Covid (Vax:530 vs Covid:109). Para os jovens o risco é 10x maior (Vax:202 vs Covid:19)”, afirmam publicações compartilhadas no Facebook e no Twitter.

O conteúdo também circula em francês e inglês.

A mensagem é acompanhada pela imagem de uma tabela do estudo citado, onde as estatísticas mencionadas estão destacadas com um retângulo vermelho.

Image
Captura de tela feita em 9 de fevereiro de 2023 de uma publicação no Twitter ( .)

A miocardite, uma inflamação do músculo cardíaco que causa dores no peito, é reconhecida como um possível efeito colateral das vacinas de RNA mensageiro (mRNA), como explicou à AFP em 1º de fevereiro o professor Mahmoud Zureik, diretor da Epi-phare, agência científica de epidemiologia na França: O que é certo hoje é que as vacinas de RNA mensageiro [Pfizer e Moderna] geram miocardite, a da Moderna mais do que a da Pfizer”.

Mas isso continua sendo muito raro, já que estima-se que a miocardite possa ocorrer em 17 casos por 100 mil doses em homens de 18 a 24 anos (a população de maior risco) para a vacina da Moderna e cinco casos por 100 mil doses para o imunizante da Pfizer, de acordo com uma publicação na revista Nature.

Desde o início da vacinação contra a covid-19, a miocardite tem sido alvo de alegações falsas ou enganosas, que já foram verificadas (1, 2, 3) pelo AFP Checamos.

O que diz o estudo?

O estudo citado nas redes não foi publicado pelo British Medical Journal (BMJ), e sim por um periódico de acesso aberto editado pelo BMJ, cujo nome é BMJ Medicine, lançado em 2021.

O estudo é intitulado “Resultados clínicos de miocardite após vacinação com mRNA de SARS-CoV-2 em quatro países nórdicos: estudo de coorte de base populacional” e foi publicado em 14 de dezembro de 2022.

A pesquisa foi realizada usando registros nacionais de miocardite na Dinamarca, na Finlândia, na Suécia e na Noruega entre 1º de janeiro de 2018 e o final de 2022.

Foram incluídos 7.292 pacientes, maiores de 12 anos, diagnosticados com miocardite nesse período, em uma população de 23 milhões de pessoas.

Dentre esses pacientes, os pesquisadores buscaram saber quais tinham, em um período de 90 dias após sua internação ligada a um episódio de miocardite, desenvolvido uma nova miocardite, insuficiência cardíaca, ou mesmo quantas pessoas morreram em decorrência da doença, e isso dependendo de sua situação antes da miocardite (vacinação contra a covid-19, infecção pela covid-19 ou miocardite clássica).

Image
Captura de tela feita em 14 de fevereiro de 2023 do estudo publicado pelo BMJ Medicine ( .)

O resultado, segundo eles, mostra que “a miocardite após a imunização contra a covid-19 está associada a um menor risco de insuficiência cardíaca 90 dias após a internação em comparação com miocardite ligada à covid-19 e a miocardite clássica”.

Em pessoas mais jovens sem comorbidades, eles afirmam que “a miocardite relacionada à covid-19 foi associada a um risco maior de insuficiência cardíaca ou morte dentro de 90 dias após a internação em comparação com a miocardite associada à vacinação”.

Mais especificamente, a insuficiência cardíaca foi diagnosticada em 4,5% dos pacientes do grupo “vacinação”, em comparação com 11% do grupo “covid” e 7,5% do grupo “miocardite clássica”.

O estudo mostra que três meses após terem desenvolvido miocardite, o risco relativo de readmissão no hospital para pacientes com miocardite pós-vacinação foi de 0,79 (com relação à miocardite clássica) contra 0,55 para pacientes com miocardite pós-covid.

Um resultado que pode refletir, segundo os autores, um “aumento do interesse clínico em pacientes com miocardite pós-vacinal”, enquanto, ao contrário, a taxa de reinternação hospitalar para o grupo “covid” pode ser diminuída pelo “maior risco de morte” no último.

Risco de miocardite após vacinação e covid

As publicações garantem que o estudo mostra uma grande predominância de miocardite pós-vacinação em relação a casos de miocardite pós-covid.

Para isso, baseiam-se nos números dos diferentes grupos de estudo do artigo, que contabilizou no grupo “vacinação” 530 pessoas, contra apenas 109 no grupo “covid” — e 6.653 no grupo “miocardite clássica”.

“Isso é falso”, disse à AFP em 6 de fevereiro Anders Husby, um dos autores do estudo. “É uma maneira incorreta de usar o estudo”, afirma o epidemiologista do Statens Serum Institut em Copenhague, na Dinamarca.

“Nossa publicação não nos permite calcular o ‘risco de miocardite’ de acordo com os diferentes tipos de exposição, como alguns tuítes sugerem”, acrescenta. “Este estudo investiga os resultados clínicos da miocardite, não o risco de miocardite, o que implicaria também na análise de pessoas que não tinham miocardite”, assinalou Husby.

Para comparar a exposição ao risco de miocardite nos diferentes grupos, lembra Husby, “precisaríamos de um modelo de coorte que incluísse pessoas sem diagnóstico de miocardite”, como foi feito nesta pesquisa realizada pela mesma equipe sobre a incidência de miocardite após a vacinação.

Na comparação do risco entre a vacinação e a covid-19, vários estudos já demonstraram um risco maior de miocardite após a infecção por coronavírus do que após a imunização contra a doença, exceto em um grupo específico, o de homens jovens.

É também por essa razão que, em particular na França, a Alta Autoridade de Saúde (HAS), órgão sanitário do país, limitou em novembro de 2021 a utilização da vacina produzida pela Moderna para pessoas com mais de 30 anos.

Mas, para a população em geral, esta metanálise que revisou 22 estudos concluiu que o risco de miocardite é sete vezes maior para pessoas com covid-19 do que para pessoas que acabaram de ser vacinadas.

Há alguma informação que você gostaria que o serviço de checagem da AFP no Brasil verificasse?

Entre em contato conosco