Foto de incêndio na Rússia é falsamente associada à teoria da conspiração do adrenocromo na Ucrânia
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- Publicado em 27 de janeiro de 2023 às 21:03
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- Por Juliette MANSOUR, AFP França, AFP Brasil
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“Putin destrói laboratório de adrenocromo na Ucrânia”, diz uma das publicações compartilhadas no Twitter. O conteúdo também circula no Facebook, no Instagram e no Telegram.
Publicações com alegação semelhante circulam também em espanhol e em francês.
As publicações são acompanhadas da foto de um edifício em chamas e algumas delas contêm links para um artigo em português do site Duna Press.
“As Forças Especiais da Rússia invadiram e destruíram na terça-feira [17 de janeiro, segundo a data de publicação do artigo] uma ‘fazenda Adrenochrome’ perto da cidade ucraniana de Shostka, onde forças sinistras torturaram crianças russas sequestradas para coletar fluido de suas glândulas supra-renais, disse uma fonte de Mar-a-Lago que afirma que o presidente russo Vladimir Putin informou o presidente Trump da operação depois que Spetznas resgatou 50 crianças do laboratório medonho”, detalha o texto em português.
O conteúdo em português é baseado em um texto em inglês, do site Realrawnews, publicado em 20 de janeiro, que deu origem ao conteúdo viral.
O mito do adrenocromo
Os rumores sobre o adrenocromo, que seria uma droga poderosa obtida a partir do sangue de crianças torturadas e sacrificadas, e consumida pelas “elites mundiais”, já foram verificados pela AFP em outras ocasiões (1, 2).
Embora os efeitos do adrenocromo não sejam bem conhecidos, a substância não é considerada uma droga. Obtida pela oxidação da adrenalina, ela pode ser sintetizada em laboratório, como explicado pela AFP neste artigo de 2018 em francês.
A teoria é compartilhada, sobretudo, no movimento de extrema direita QAnon e também por alguns apoiadores do ex-presidente norte-americano Donald Trump, que teria como missão interromper o tráfico de crianças organizado por uma seita mundial dirigida pelas elites.
Em 2016, a teoria a respeito do tráfico de crianças pelas “elites” ressoou no episódio conhecido como “Pizzagate”, quando um homem atirou em uma pizzaria em Washington, nos Estados Unidos, acreditando que o local abrigava uma rede de pedofilia supervisionada pela então candidata democrata Hillary Clinton.
Origem da foto
Uma busca reversa no Google mostrou que a mesma foto já havia sido compartilhada em 1º de abril de 2022 em artigos em polonês e em um texto do site ucraniano “Lb.ua” em russo, excluindo a possibilidade que tenha sido feita em 17 de janeiro de 2023.
Os textos mencionam uma “poderosa explosão em Belgorod, na Rússia”.
O artigo em russo inclui a foto de um incêndio no qual o ângulo registrado tem diversas semelhanças com a imagem compartilhada nas redes sociais.
A fotografia tem uma resolução mais alta e foi capturada mais distante, mas é possível reconhecer a localização, como mostram os diferentes elementos destacados na comparação abaixo:
A imagem do site em russo permite identificar diversos edifícios, principalmente um em primeiro plano cuja parte superior da fachada parece estar em obras. Observa-se, também, uma chaminé e duas fileiras de varandas, uma rosa e outra branca logo abaixo.
A AFP pode, então, encontrar a localização exata de onde foi registrada a imagem do incêndio difundida nas redes sociais. Trata-se de uma área da cidade russa de Belgorod, e não da Ucrânia, ao contrário do que afirmam os usuários.
O que aconteceu em 1º de abril de 2022?
Uma busca por palavras-chave no Google filtrando por resultados entre 1º e 2 de abril de 2022 trouxe como resultado artigos em francês e em inglês (1, 2), que explicam que um incêndio ocorreu em um armazém da cidade russa de Belgorod em 1º de abril.
Esse é o depósito de petróleo que é visto queimando ao longe nas imagens compartilhadas nas redes sociais falsamente associadas à destruição de um laboratório na Ucrânia.
As imagens de satélites, visíveis no Google Earth Pro, mostram o depósito de petróleo intacto em julho de 2021, e depois destruído pelo incêndio, em abril de 2022.
Os russos acusaram os ucranianos de terem bombardeado seu depósito de petróleo em 1º de abril de 2022, como reportado pela AFP no mesmo dia, no que seria, então, o primeiro ataque do Exército ucraniano em solo russo depois do início da invasão à Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.
Segundo o governador da região de Belgorod, Viatcheslav Gladkov, os helicópteros ucranianos teriam atingido o depósito de combustível, localizado a cerca de 40 quilômetros da fronteira ucraniana.
Diversos vídeos, geolocalizados por jornalistas, mostraram os helicópteros bombardeando o local russo com mísseis.
Dois helicópteros similares a modelos ucranianos ao sul de Belgorod foram filmados voando em direção à fronteira ucraniana, como informado em 1º de abril de 2022 pelo site CheckNews, alimentando a hipótese de um ataque ucraniano.
Em Kiev, o governo havia recusado confirmar se esteve por trás da origem do incêndio, mas tampouco o desmentiu.