Um profissional de saúde exibe uma caixa contendo um frasco de ivermectina em Cali, na Colômbia, em 21 de julho de 2020 ( AFP / Luis Robayo)

Especialistas apontam que estudo sobre ivermectina reduzir mortes por covid-19 é falho

Estão fora de contexto as publicações sugerindo que um estudo revisado por pares descobriu que a ivermectina reduz o risco de morte por coronavírus em 92%. A alegação tem sido compartilhada dezenas de vezes nas redes sociais desde 4 de setembro de 2022. Autoridades de saúde pública, no entanto, desaconselham o uso do medicamento antiparasitário para tratar a covid-19, e especialistas alertam que a pesquisa citada online é falha.

“Ivermectina reduz o risco de morte por COVID em 92%, segundo estudo revisado por pares”, afirmam publicações no Twitter (1, 2), Facebook, Instagram e Telegram.

O conteúdo também circula em inglês.

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Captura de tela feita em 11 de outubro de 2022 de uma publicação no Facebook ( .)

A imagem mostra a manchete de um artigo publicado no site Aliados Brasil.

A ivermectina, um medicamento aprovado para tratar infecções parasitárias, tem sido alvo de desinformação durante a pandemia de coronavírus – principalmente entre grupos antivacina.

Em 2021, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos alertaram contra o uso do medicamento para tratar o coronavírus, afirmando que a droga poderia ter efeitos colaterais potencialmente perigosos. A agência de Medicamentos e Alimentos (FDA) dos Estados Unidos também emitiu uma nota contra o uso da ivermectina no tratamento da covid-19.

As publicações compartilhadas nas redes fazem referência a um estudo revisado por pares publicado em 31 de agosto de 2022 pela Cureus, uma revista médica de acesso aberto.

A análise examinou o uso da ivermectina como profilaxia para a covid-19, baseando-se em dados coletados por um programa municipal de Itajaí, em Santa Catarina, que ofereceu aos voluntários ivermectina como prescrição médica entre julho e dezembro de 2020.

Os pesquisadores apontam que a ivermectina preveniu a infecção e a hospitalização por covid-19 – e observaram uma redução de 92% na mortalidade entre os participantes que receberam o medicamento. Mas Flávio Cadegiani, um dos autores do artigo, disse à AFP em e-mail em 7 de outubro de 2022 que o estudo não “é suficiente para a aprovação do medicamento para [o tratamento contra a] covid-19”.

"As limitações quanto à metodologia do estudo são (exatamente) aquelas inerentes aos estudos observacionais", disse.

Um estudo falho

Vários especialistas concordaram que a natureza observacional da análise significa que ela sozinha não pode ser usada para determinar se a ivermectina é eficaz no tratamento da covid-19.

“Um estudo observacional pode fornecer uma hipótese que pode ser seguida por um estudo controlado randomizado”, disse Amesh Adalja, pesquisador sênior do Johns Hopkins Center for Health Security, em 6 de outubro de 2022.

Adalja afirmou que há muitos fatores que não podem ser controlados ao contar com um programa voluntário, incluindo variáveis não mensuradas, como acesso à saúde, economia e idade. Ele acrescentou que ensaios controlados randomizados indicaram o oposto do que o estudo aponta.

"Não houve nenhum dado que tenha mostrado que a ivermectina é benéfica", assinalou.

O Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH, na sigla em inglês) publicou uma nota em abril de 2022 dizendo que não recomenda o “uso da ivermectina para o tratamento da covid-19, exceto em ensaios clínicos”. Essa decisão foi baseada em testes controlados randomizados que não encontraram nenhum benefício da ivermectina no tratamento da doença.

Greg Tucker-Kellogg, professor de Biologia na Universidade Nacional de Cingapura, apontou outros problemas com o estudo publicado no periódico, incluindo o "viés de tempo".

"A análise trata todos como se tudo fosse comparável no mesmo período de tempo, mas não era", indicou, por e-mail, em 7 de outubro de 2022.

Por exemplo, alguém que teve covid-19 em julho de 2020 e ainda não havia se inscrito no programa seria automaticamente contabilizado no grupo de participantes que não faziam uso de ivermectina. Isso significa que "o grupo de não usuários estava acumulando casos infectados enquanto o grupo de usuários estava inscrevendo participantes não infectados", disse Tucker-Kellogg.

Além disso, aqueles que participaram foram aconselhados a parar de tomar ivermectina caso pegassem a doença.

“Esse protocolo infla as taxas de infecção para não usuários e usuários irregulares no que parece ser uma maneira dependente da dose, mas é inteiramente um artefato”, declarou Tucker-Kellog. "As alegações são todas um absurdo, e um absurdo perigoso", concluiu.

Questões sobre ética também foram levantadas sobre o estudo.

Gideon Meyerowitz-Katz, epidemiologista da Universidade de Wollongong, na Austrália, publicou em sua conta no Twitter observações sobre o fato de alguns autores do estudo serem associados a grupos que promovem a ivermectina.

Um deles é Pierre Kory, presidente e cofundador da Front Line Covid-19 Critical Care Alliance (FLCCC, na sigla em inglês), um grupo de médicos que defende o uso de ivermectina para tratar a covid-19, e que já teve alegações verificadas pela AFP.

Depois que Tucker-Kellog disse à Cureus sobre esses potenciais conflitos de interesse, a revista publicou uma nota em seu site.

O AFP Checamos já verificou outras alegações falsas e enganosas sobre a covid-19.

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