Este vídeo não mostra o coronavírus por microscópio nem prova contaminação de testes
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- Publicado em 14 de julho de 2022 às 23:23
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- Por AFP Brasil
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“O Teste de Covid contaminado vindo da China”, “parece que o teste de covid já vem contaminado”, destacam usuários que compartilham o compilado no Facebook e no Twitter. O conteúdo também foi enviado ao WhatsApp do AFP Checamos para verificação.
O primeiro vídeo do compilado viralizado nas redes mostra grandes caixas de papelão armazenadas sobre poltronas de uma aeronave. O narrador se aproxima das caixas onde se lê na etiqueta “VivaDiag SARS-CoV-2 Ag Rapid Test” e diz: “Um bom negócio”.
Esses testes rápidos para detectar a covid-19 são fabricados pela chinesa Vivachek Biotech e foram registrados na Anvisa.
Já no segundo vídeo, um homem exibe duas caixas: uma do teste rápido QuickVue At-Home, que não tem registro na agência sanitária brasileira, e outra com um microscópio.
"Recebi de vocês um vídeo dizendo que as pessoas estão sendo vacinadas através do teste de covid. [...] Então para comprovar, para tirar a prova dos nove, eu comprei aqui um teste de covid e um microscópio", diz um homem não identificado que pega o swab do kit de testagem e um outro cotonete comum e posiciona um ao lado do outro no microscópio.
Ao comparar as imagens de ambos, ele aponta para fios negros no swab de testes e afirma que o material estaria vivo: "Se move e tem luz própria". Com base nessa imagem, ele atesta que "está comprovado que tem alguma coisa no teste de covid".
O terceiro e último vídeo da sequência mostra uma pessoa tirando um swab da embalagem, com um narrador em off que diz "esse é o cotonete que tem aqueles negócios pretos ali dentro".
O narrador continua: "As pessoas estão se submetendo a esses testes e estão se contaminando. [...] Disseram que estão vindo novas cepas. Depois de testes, depois de vacinações".
Experimento inadequado
A pedido do AFP Checamos, a biomédica Mellanie Fontes Dutra assistiu ao vídeo. Sobre o segundo trecho, ela afirmou que "os pontos observados pelo autor do vídeo [no microscópio] não trazem relação com a vacinação contra a covid-19".
De acordo com Dutra, não é possível identificar o que são os fios pretos que aparecem na imagem, mas que eles podem ser "os próprios fios que compõem o swab num aumento maior com algum tipo de contaminação" já que o homem aparece "manuseando sem os cuidados higiênicos adequados e em local não esterilizado".
A biomédica explicou que as condições em que o experimento foi feito não foram adequadas, sendo "um ambiente não esterilizado e sujeito a vários contaminantes".
Para um conteúdo semelhante, segundo o qual as máscaras de proteção viriam com parasitas, Marina Jovanovic, especialista em Ciências Biológicas e pesquisadora associada ao Instituto de Química Geral e Física de Belgrado, explicou à AFP que, em condições reais de laboratório, o elemento a ser analisado no microscópio deve ser colocado entre ao menos duas camadas de vidro e não deve ser tocado constantemente com as mãos.
Sobre o método do experimento, Dutra acrescenta que não é possível observar a presença de nenhum vírus utilizando o tipo de microscópio que aparece nas imagens.
O Instituto Pasteur explica em seu site a história dos microscópios e, particularmente, a diferença entre os microscópios ópticos e eletrônicos: “Para observar os vírus, os cientistas tiveram que descer ao nível de nanômetro [...] e aguardar até a segunda metade do século XX e a chegada dos microscópios eletrônicos” para “observar elementos ainda menores do que aqueles visíveis com microscópios ópticos”.
Além disso, segundo a especialista, a "luz própria" à qual o narrador se refere não pode servir como uma prova da presença de um vírus, já que "os vírus não emitem luz".
Sobre a alegação de que os swabs estariam sendo usados para vacinar a população, Dutra afirmou que não existe essa tecnologia de vacinação por meio de um cotonete até o presente momento. "O mais próximo disso são as vacinas intranasais, que estão em fase de estudos para a covid-19 e que tem outro tipo de mecanismo não envolvendo cotonetes".
Além disso, "dificilmente [um vírus] sobreviveria por tanto tempo [em um cotonete], dado que o vírus necessita estar dentro de uma célula para sobreviver".
Novas cepas
No terceiro vídeo do compilado, o narrador afirma que os testes contaminados são o motivo das novas cepas.
No entanto, como já explicaram especialistas à AFP, as mutações de um vírus, que dão origem às variantes, ocorrem naturalmente à medida que ele se reproduz nas células humanas.
O que gera as novas variantes é a replicação do vírus. Cada vez que ele se prolifera, ele tem que duplicar o material genético. Cada vez que ele duplica o material genético, ele gera erros no genoma. São esses erros que geram as variantes, disse ao Checamos Maria Carolina Sabbaga, vice-diretora do Centro de Desenvolvimento Científico do Instituto Butantan.
Em seu site, o Instituto Butantan também explica esse mecanismo: “A mutação é um processo natural e evolutivo, ainda mais se o organismo em questão tiver em sua constituição ácido ribonucleico (RNA, o material genético do vírus), como é o caso do SARS-CoV-2. (...) Ao invadir uma célula, o vírus entrega seu material genético aos ribossomos, estruturas nas quais são produzidas as proteínas das células. Os ribossomos montam as cópias do vírus. Sempre que isso acontece, existe a chance de acontecer um erro na réplica. Uma ou outra mutação pode dar vantagem ao vírus e, ao ser passado adiante, ele vai produzir cópias já com essa vantagem”.
“A gente tem que ter em mente que o vírus SARS-CoV-2 sofre mutações sempre que infecta alguém. Ele acumula cerca de duas a três mutações ao mês. Isso é algo natural e esperado da biologia viral. Qualquer vírus acumula mutações quando infecta uma pessoa”, disse Anderson Brito, virologista e pesquisador científico do Instituto Todos pela Saúde (ITpS, São Paulo-SP).
Esse conteúdo também foi verificado pelo Estadão.
Esta verificação foi realizada com base em informações científicas e oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis na data desta publicação.