Austrália não recolheu imunizantes anticovid, suspendeu a criação de uma vacina em 2020

Publicações nas redes sociais afirmam que o governo australiano anunciou o recolhimento de 50 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 por terem causado falsos positivos no teste de identificação do vírus da imunodeficiência humana (HIV). As afirmações, que foram compartilhadas por dezenas de usuários desde 14 de fevereiro de 2022, circulam junto a um vídeo de uma reportagem de um meio de comunicação australiano. No entanto, o país não suspendeu a aplicação de nenhum imunizante contra o SARS-CoV-2: a reportagem referia-se a uma vacina contra a covid-19 que estava em desenvolvimento, mas não foi aprovada em dezembro de 2020 e, portanto, não chegou a ser produzida.

“Mais de 50 milhões de doses de vacina são recolhidas na Austrália, pois desencadearam 'falsos positivos' em testes de HIV”, dizem as publicações no Facebook (1, 2) e no Twitter (1, 2).

Conteúdo semelhante também circula em inglês, francês, espanhol e servo-croata.

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Captura de tela feita em 22 de fevereiro de 2022 de um tuíte ( . / )

As publicações compartilham um trecho de uma reportagem de um meio de comunicação australiano, o 7News, feita em 10 de dezembro de 2020. Na gravação, o primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, informa que o desenvolvimento da vacina contra a covid-19 realizado pela Universidade de Queensland e a empresa de biotecnologia CSL“não poderá continuar”.

O motivo da interrupção foi a descoberta de que um fragmento de proteína usado no imunizante em estudo poderia desencadear um resultado falso positivo em alguns testes para o HIV, um vírus que ataca o sistema imunológico e pode causar a aids (síndrome da imunodeficiência adquirida).

Em outubro de 2020, a CSL e o governo australiano firmaram um acordo para produzir 51 milhões de doses do imunizante, mas em dezembro decidiram não avançar nas fases 2 e 3 do processo. A produção da vacina, então, não chegou a se concretizar.

O trecho do vídeo em que Morrison aparece corresponde a uma coletiva de imprensa dada em 10 de dezembro de 2020 com o ministro da Saúde, Greg Hunt, e o secretário Brendan Murphy. Na ocasião, o primeiro-ministro ressaltou que a decisão foi tomada “de acordo com pareceres científicos”.

Em 11 de dezembro de 2020, a Universidade de Queensland informou que a vacina em desenvolvimento, nos estudos da Fase 1, “demonstrou que provoca uma resposta robusta ao vírus e tem um perfil de segurança sólida”. E completou: “Não foram relatados eventos adversos graves ou problemas de segurança nos 216 participantes do estudo”.

A universidade também disse no comunicado: “Não há possibilidade de que a vacina cause infecção”. Os “falsos positivos”, explicou, se devem ao fato de o imunizante ter gerado anticorpos contra fragmentos de uma proteína (gp41, utilizada para estabilizar a vacina) que está presente no envelope (camada externa) do HIV.

A instituição afirmou ainda que “a CSL estava trabalhando para assumir o ensaio clínico de fase 2/3 e a fabricação em larga escala da vacina quando os testes fossem concluídos com sucesso”.

O site do governo australiano detalha as vacinas contra a covid-19 que são aplicadas no país: Comirnaty (Pfizer), Spikevax (Moderna), Vaxzevria (AstraZeneca) e Novavax.

Buscas por palavras-chave no Google não mostraram nenhum registro de recolhimento de vacinas na Austrália.

Algumas das publicações viralizadas (1, 2) também afirmam que essa situação foi alertada por Luc Montagnier, que dirigiu a Unidade de Oncologia Viral do Instituto Pasteur de 1972 a 2000. “Em 2008, seu trabalho na descoberta do vírus da aids em 1983 lhe rendeu o Prêmio Nobel de Medicina, que ele dividiu com a professora Françoise Barré-Sinoussi”, explica o instituto em seu site.

No entanto, Montagnier também foi desacreditado pela comunidade científica por sua posição contra as vacinas anticovid e por defender teorias como a emissão de ondas eletromagnéticas pelo DNA ou a prescrição de mamão como remédio para certas doenças.

As vacinas contra a covid-19 não enfraquecem o sistema imunológico nem causam aids, garantiram especialistas à AFP em verificações anteriores (1, 2).

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