Esta patente, sem relação com a família Rothschild, não mencionava testes para covid-19 em 2015
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- Publicado em 22 de fevereiro de 2022 às 23:25
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- Por Eva WACKENREUTHER, AFP Alemanha, AFP Brasil
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“Você digita US20200279585A1 e sai na patente, registrada por Richard Rothschild, da família Rothschild, em 2015. Patente de quê? Teste da covid-19”, aponta um homem em um vídeo visualizado mais de 33 mil vezes no Twitter (1, 2, 3).
Mensagens compartilhadas no Facebook (1, 2, 3) e no Instagram acrescentam: “A patente do teste de covid foi registrada em 2015, vou repetir, EM 2015 pela família ROTHSCHILD, uma das mais ricas do mundo”.
Desde 2020, a peça de desinformação também circula em outros idiomas como espanhol, francês, alemão e inglês.
Todas as postagens analisadas neste texto utilizam a mesma prova: uma publicação no portal PubChem, uma base de dados aberta dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. A plataforma coleta informações relevantes da área biomédica, o que inclui dados de patentes. “Nesse caso, os dados para a patente vieram do Google Patents”, explicou ao Checamos a assessoria da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos.
A imagem é de um registro intitulado “System and method for testing COVID-19” (Sistema e método para testar covid-19) e seu inventor é descrito como Richard A. Rothschild.
Nas redes, usuários destacam a “data de prioridade” do registro, que é efetivamente 13 de outubro de 2015. No entanto, omitem a “data de envio” da patente, listada abaixo na mesma página: 17 de maio de 2020.
Segundo a PubChem, a data de prioridade é a “mais antiga das principais reivindicações da patente”. Mas o que exatamente isso quer dizer?
Uma família de patentes
A patente registrada por Richard A. Rothschild é norte-americana, por isso antes do código numérico aparecem as letras US, de “United States”.
Ao registrar uma patente nos Estados Unidos, os inventores podem fazer um pedido de patente “CIP”, sigla para “Continuation in Part” (pedido de continuação, em português), como explicou o Instituto Europeu de Patentes à AFP em 6 de outubro de 2020.
Esse pedido de continuação permite que um inventor acrescente novos elementos a uma solicitação de registro já existente. A invenção anterior deve sempre ser parte integrante da nova, detalhou o instituto.
É a essa invenção inicial de Richard A. Rothschild que se refere a data de prioridade de 13 de outubro de 2015, sinalizada nas publicações viralizadas. Esse material pode ser consultado no Google Patents e na PubChem.
Essa patente descreve técnicas de análise de dados biométricos e não menciona o novo coronavírus. “A data de prioridade da patente US-2020279585-A1 fornecida pelo Google baseia-se em uma série de patentes separadas, mas relacionadas datando desde 2015”, destaca a PubChem em um aviso na página da patente:
Com isso, a invenção anterior da patente foi atualizada para que essas técnicas de análises biométricas pudessem ser utilizadas para determinar se uma pessoa está contaminada pelo novo coronavírus.
Os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos têm uma página dedicada à explicação sobre o motivo de o registro “System and Method for Testing for COVID-19” (patente: US-2020279585-A1) mostrar uma data prioritária de 13 de outubro de 2015. Nela, também descreve-se que a patente enviada em 2020 é a única que menciona a doença causada pelo SARS-CoV-2.
Uma busca no sistema público para registro de patentes dos Estados Unidos pelo código US 2020-0279585 A1, que pode ser identificado nas publicações viralizadas, leva à seguinte página, com as mesmas informações:
Ao consultar as abas referentes ao histórico de transações e aos arquivos relacionados à patente, o Checamos identificou apenas registros datados de 17 de maio de 2020 em diante. Já na aba “Continuity Data”, é reiterado que a patente provém de uma inscrição de 2015.
Esse pedido foi analisado pelo escritório de patentes dos Estados Unidos e expedido como patente em 1º de junho de 2021, conforme informou um porta-voz do Escritório de Patentes e Marcas Registradas dos Estados Unidos (UPSTO) ao Checamos em fevereiro de 2022.
A família Rothschild
O sobrenome Rothschild é associado a uma família de banqueiros de origem judaica, uma das mais influentes da Europa no século XIX. O grupo Rothschild & Co. apresentou receita anual de cerca de 1,7 bilhão de euros em 2020.
Um porta-voz do grupo, cujo controle permanece nas mãos da família homônima, disse em 8 de outubro de 2020 à AFP: “Não há nenhum vínculo entre o Rothschild & Co. e a pessoa nomeada na patente”. Segundo a companhia, não há conexão privada ou empresarial entre o grupo e o documento.
Até a publicação deste artigo, o advogado de patentes Richard A. Rothschild não respondeu à tentativa de contato da equipe de checagem da AFP.
“Até hoje, o nome da família Rothschild serve àqueles que justificam a alegação de uma suposta onipotência judaica sobre o sistema financeiro global”, escreveu a historiadora Juliane Wetzel em um artigo para o Centro de Educação Política do Estado da Baviera.
O sobrenome Rothschild é frequentemente alvo de rumores nas redes sociais.
Sobre as teorias envolvendo a família, o Fórum Judaico para a Democracia e contra o Antissemitismo afirma: “Depois do Shoá, o ódio aberto aos judeus era tabu, então os extremistas de direita e outros antissemitas começaram a encontrar palavras em código para a suposta conspiração dos judeus. Assim, o nome Rothschild se converteu em um código internacional para as teorias da conspiração que, consciente ou inconscientemente, identificam os judeus com o controle das finanças ou do capitalismo”.