Esta patente, sem relação com a família Rothschild, não registrou testes para covid-19 em 2015

Publicações compartilhadas centenas de vezes em redes sociais desde o final do último mês de setembro afirmam que a família Rothschild patenteou, em 2015, “um método para testar o covid-19”. Mas, isto é falso: embora a patente seja real, a parte relacionada ao novo coronavírus foi acrescentada em março de 2020. Além disso, a família Rothschild não tem qualquer relação com o documento, como informou um porta-voz do grupo homônimo à equipe de checagem da AFP.

“Que coincidência....!!! A Família Rothschild patenteou em 2015 um método para testar o COVID-19. É ser visionário, ou ... talvez deva dizer um cúmplice?”, diz uma das publicações compartilhadas desde 28 de setembro no Facebook (1, 2, 3). “Rothschild patenteou o falso resultado positivo do Covid-19 há anos atrás”, diz o título de um artigo, publicado alguns dias depois.

Versões semelhantes da alegação mencionam a mesma patente que provaria que testes para a covid-19 foram registrados em 2015, sem atribuí-la explícitamente à família Rothschild. “Em 2015!  Quatro anos antes da doença existir, foi desenvolvido um método de teste para COVID-19. Bem vindos ao teatro global”, diz um tuíte compartilhado mais de 850 vezes desde 30 de setembro.

A desinformação também circula em outros idiomas como espanhol, francês, alemão e inglês

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Captura de tela feita em 15 de outubro de 2020 de uma publicação no Facebook

Todas as postagens analisadas utilizam a mesma prova: uma publicação no portal Espacenet, desenvolvido pelo Instituto Europeu de Patentes para acessar mais de 120 milhões de registros de todo o mundo.

A captura de tela e o link que acompanham as publicações viralizadas correspondem à versão holandesa do Espacenet. A imagem é de um registro no banco de dados intitulado “System and method for testing COVID-19” (Sistema e método para testar covid-19) e seu inventor é Richard A. Rothschild.

Uma busca pelos termos “covid-19” e “Rothschild” ou pelo código US2020279585, que pode ser identificado nas publicações viralizadas, leva à seguinte patente: 

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Captura de tela do site Espacenet, feita em 13 de outubro de 2020

No resultado da busca, é possível ver que o pedido da patente foi publicado em 3 de setembro de 2020, como indica a data junto ao código numérico do documento. Mas o que os usuários destacam é a “data de prioridade” (Prioriteitsdatum, nas capturas de tela compartilhadas nas redes): 13 de outubro de 2015.

Segundo o Espacenet, “a data de prioridade é a data em que se depositou o primeiro pedido de patente para uma invenção específica”.

Mas, o que exatamente isso quer dizer?

Uma patente norte-americana

A patente registrada por Richard A. Rothschild é norte-americana, por isso antes do código numérico aparecem as letras US, de “United States”.

Ao contrário do que acontece com as patentes europeias, os inventores dos Estados Unidos podem, ao registrar uma patente, fazer um pedido de patente “CIP”, sigla para “Continuation in Part” (pedido de continuação, em português), explicou o Instituto Europeu de Patentes à AFP no último dia 6 de outubro. As patentes CIP aparecem da mesma maneira no banco de dados europeu.

Este pedido de continuação permite que um inventor acrescente novos elementos a uma solicitação de registro já existente. A invenção anterior deve sempre ser parte integrante da nova, detalhou o instituto.

O pedido da primeira invenção de Richard A. Rothschild, que funciona como matriz e é sinalizado nas publicações viralizadas, data de 13 de outubro de 2015. Este material inicial pode ser consultado no Google Patents e no Espacenet.

Esta patente descreve técnicas de análise de dados biométricos e não menciona o novo coronavírus. Portanto, o pedido de patente “anterior a 2020 não está vinculado à covid-19”, confirmou à equipe de checagem da AFP Rainer Osterwalder, porta-voz do Instituto Europeu de Patentes.

O novo coronavírus foi relacionado pela primeira vez a esta patente em seu registro de 2020, quando o SARS-CoV-2 já havia sido detectado. Com isso, a invenção anterior da patente foi atualizada para que essas técnicas de análises biométricas pudessem ser utilizadas para determinar se uma pessoa está contaminada pelo novo coronavírus.

Este pedido de patente está atualmente sendo analisado pelo escritório de patentes dos Estados Unidos. Rothschild registrou o novo método em 17 de maio de 2020 e ele foi publicado em 3 de setembro deste ano.

A família Rothschild

O sobrenome Rothschild é associado a uma família de banqueiros de origem judaica, uma das mais influentes da Europa no século XIX. O grupo Rothschild & Co. apresentou receita anual de cerca de 1,2 bilhão de euros em 2019.

Um porta-voz do grupo, cujo controle permanece nas mãos da família homônima, disse em 8 de outubro à AFP: “Não há nenhum vínculo entre o Rothschild & Co. e a pessoa nomeada na patente”. Segundo a companhia, não há conexão privada ou empresarial entre o grupo e o documento.

Até a publicação deste artigo, o advogado de patentes Richard A. Rothschild não respondeu à tentativa de contato da equipe de checagem da AFP.

“Até hoje, o nome da família Rothschild serve àqueles que justificam a alegação de uma suposta onipotência judaica sobre o sistema financeiro global”, escreveu a historiadora Juliane Wetzel, em um artigo para o Centro de Educação Política do Estado da Baviera.

O sobrenome Rothschild é frequentemente alvo de rumores nas redes sociais.

Sobre as teorias envolvendo a família, o Fórum Judaico para a Democracia e contra o Antissemitismo afirma: “depois do Shoá, o ódio aberto aos judeus era tabu, então os extremistas de direita e outros antissemitas começaram a encontrar palavras em código para a suposta conspiração dos judeus. Assim, o nome Rothschild se converteu em um código internacional para as teorias da conspiração que, consciente ou inconscientemente, identificam os judeus com o controle das finanças ou do capitalismo”.

Em resumo, a parte da patente mencionada que se refere à covid-19 não é de 2015, mas foi publicada em 2020 como um acréscimo a uma patente anterior. Os registros mais antigos do documento não citam o novo coronavírus. Além disso, o grupo Rothschild & Co. negou qualquer relação com o inventor da patente.

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