Não há evidências de que Van Gogh comesse tinta amarela porque iria fazê-lo feliz
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- Publicado em 20 de outubro de 2020 às 15:29
- Atualizado em 20 de outubro de 2020 às 15:45
- 3 minutos de leitura
- Por AFP México
- Tradução e adaptação AFP Brasil
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“Van Gogh tomava tinta amarela porque a considerava uma cor alegre e achava que ficaria feliz fazendo isso. A tinta tinha chumbo. O chumbo no sistema nervoso provoca depressão. Van Gogh tomava tinta amarela achando que aquilo o faria bem, mas não”, afirma uma das publicações, compartilhadas mais de 3,4 mil vezes no Facebook (1, 2, 3) desde fevereiro de 2015, sobre o pintor holandés Vincent Van Gogh (1853-1890).
Há postagens (1) que comparam este suposto hábito do pintor com as pessoas que, por exemplo, usam drogas ou se apaixonam: “não é muito diferente de se apaixonar ou de usar drogas. Existe um grande risco em ter o seu coração partido ou ter uma overdose, mas as pessoas ainda continuam o fazendo todos os dias porque sempre há uma chance de as coisas ficarem melhores. Todos temos a nossa tinta amarela”.
O texto também circulou amplamente no Instagram (1, 2) e no Twitter (1), assim como em versões em inglês e espanhol.
Tinta amarela
Uma das cores favoritas de Van Gogh era o amarelo. Sobre o seu uso existem várias versões, entre elas uma que considera que o pintor tinha uma doença visual conhecida como “xantopsia”, na qual a percepção das cores é alterada e os objetos adquirem um tom amarelado, segundo um artigo publicado pela Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos.
Mas no mesmo texto é afirmado que, na realidade, o uso desta cor por Van Gogh era deliberado e que não se devia a um impedimento de sua percepção visual.
O site do Museu Van Gogh, em Amsterdã, indica que o pintor “nunca bebeu tinta (amarela) para ser mais feliz, ao contrário”. E menciona uma carta que o pintor escreveu ao seu irmão Theo durante o tempo em que esteve na instituição psiquiátrica Saint Rémy, no sul da França:
“Aparentemente pego coisas sujas e as tomo, minhas lembranças desses momentos ruins são vagas”, diz o documento.
O Museu Van Gogh também assinala que as notas de Théophile Peyron, médico que atendia o pintor, revelam que ele “queria se envenenar comendo tinta e bebendo aguarrás [ou terebintina]. Provavelmente essa é a razão pela qual não permitiam que ele entrasse em seu estúdio enquanto sofria de seus ataques”.
O porta-voz do museu, Milou Bollen, assinalou à equipe de checagem da AFP que este assunto é mencionado em uma carta de Jo Van Gogh-Bonger, cunhada de Vincent, a sua irmã Mien:
“Agosto 9, 1989: más notícias de Vincent. No sábado às 6 em ponto recebemos um telegrama do médico: Vincent doente, segue a carta. Estivemos preocupados o domingo todo, mas felizmente chegou uma carta por volta das 4 da tarde; está tendo outra crise e tentou se envenenar com seu pincel e tintas”.
Bollen explicou que “Van Gogh tentou se envenenar com tinta durante a sua doença, o que significa que era suicida. Ele não gostava de comer tinta”.
Em 1988, Wilfred Niels Arnold, professor de Bioquímica e Biologia Molecular na Universidade do Kansas, publicou um estudo sobre o pintor. Nele, diz que Van Gogh consumia terpenos, compostos naturalmente presentes em várias plantas, que poderiam ter causado alucinações e, possivelmente, provocado um “apetite depravado” por coisas não comestíveis, como tinta.
O absinto, uma bebida alcoólica feita à base de plantas e que era consumida pelo pintor, contém vários terpenos.
O estudo de Niels Arnold afirma que isso explicaria alguns dos comportamentos do pintor durante os seus últimos dois anos. Mas não menciona que ele tivesse predileção por comer tinta amarela, ou de alguma cor específica.
Em resumo, não há evidências de que Vincent Van Gogh bebesse tinta amarela porque acreditava que isso o faria feliz. Segundo cartas de sua autoria e especialistas, o artista chegou a ingerir tinta, não de uma cor em particular, mas o fazia por outras razões.