A eficácia da ivermectina contra a covid-19 ainda está em estudo
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- Publicado em 31 de dezembro de 2020 às 16:50
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- Por AFP Brasil, Valentina DE MARVAL, AFP Chile
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Em postagens no Facebook (1, 2) e no Instagram (1, 2, 3) foi compartilhada a captura de tela do artigo do jornal Agora RN, de 8 de junho deste ano, em que se lê o título “Ivermectina elimina 97% dos vírus dentro de células em 48h’, diz infectologista Fernando Suassuna”, abaixo da foto de um homem falando no que parece ser um programa de rádio.
De fato, esse homem é o infectologista Fernando Suassuna, que preside o comitê científico municipal de combate à covid-19 da prefeitura de Natal, no estado do Rio Grande do Norte, e tem se posicionado a favor do tratamento com ivermectina contra o novo coronavírus.
A ivermectina é um medicamento utilizado para tratar algumas infecções parasitárias em humanos e também em animais, embora sob outra fórmula. O remédio realmente tem sido objeto de estudos que procuram uma cura para a covid-19, mas ainda não há comprovação de que seja eficaz contra a doença.
No entanto, o texto do jornal Agora RN, omitido das publicações nas redes sociais, esclarece que se trata de um estudo laboratorial: “De acordo com o médico, que vem estudando a ivermectina há alguns meses, em laboratório, a medicação, em 48h, ‘consegue eliminar 97% dos vírus dentro das células e 94% no sobrenadante das células’”.
Ainda em estudo
Cristian Paredes, químico farmacêutico do Hospital La Florida, em Santiago, explicou que a ivermectina é usada contra infecções parasitárias e que seu efeito contra o novo coronavírus ainda está em estudo.
“Em humanos e para infecções por SARS-CoV-2 não existem doses comprovadas. Esquemas com doses três vezes maiores que o normal foram propostos sem considerar os efeitos adversos”.
Isidora Molina, bioquímica da Universidade de Santiago, também apontou que faltam evidências. “Foi relatado que alguns pacientes ambulatoriais com covid leve ou moderada tiveram períodos mais curtos de febre e alguns experimentos in vitro deram pistas sobre um possível efeito inibitório da replicação do vírus ”, disse. "No entanto, não há evidências suficientes para atribuí-lo como um tratamento".
Em 8 de abril deste ano, o site Science Direct publicou um estudo garantindo que a ivermectina pode inibir, in vitro, a replicação do novo coronavírus em 48 horas. Isso quer dizer que os testes não foram realizados dentro de um organismo vivo, mas com instrumentos de laboratório.
Em conversa com a equipe de checagem da AFP, o químico farmacêutico chileno Rubén Hernández explicou que esse resultado em laboratório foi possível porque “a ivermectina inibe uma proteína necessária para que o coronavírus ingresse no núcleo celular e comece a sua replicação”.
De acordo com a Agência de Medicamentos e Alimentos dos Estados Unidos (FDA), a ivermectina ainda não está aprovada para o tratamento da covid-19 e não deve ser administrada, a não ser que seja receitada por um médico.
“Não se deve tomar nenhum medicamento para tratar ou prevenir a covid-19, a menos que este tenha sido receitado pelo seu provedor de assistência médica”, afirma o órgão.
Sobre o estudo que analisa os efeitos in vitro da ivermectina contra a covid-19, a FDA esclarece: “Esses tipos de estudos em laboratório são comumente utilizados nos estágios iniciais de desenvolvimento de fármacos. Testes adicionais são necessários para determinar se a ivermectina pode ser apropriada para prevenir ou tratar o coronavírus, ou a covid-19”.
Atualmente, há 47 estudos em andamento sobre uso de ivermectina para o tratamento de covid-19 registrados no clinicaltrials.gov, um banco de dados de estudos clínicos privados e públicos conduzidos em todo o mundo. Nenhum deles chegou a uma conclusão definitiva sobre supostos benefícios do medicamento para a prevenção ou tratamento de covid-19.
O químico farmacêutico Hernández explicou que os testes in vitro podem não levar aos mesmos resultados que os experimentos em organismos vivos “porque as concentrações utilizadas in vitro podem não ser alcançáveis em doses terapêuticas”.
Em uma nota emitida no dia 10 de julho deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ressaltou que “não existem estudos conclusivos que comprovem o uso desse medicamento para o tratamento da covid-19, bem como não existem estudos que refutem esse uso”. A agência também lembrou que até “o momento, não existem medicamentos aprovados para prevenção ou tratamento da covid-19 no Brasil. Nesse sentido, as indicações aprovadas para a ivermectina são aquelas constantes da bula do medicamento”.
Em conversa telefônica com a equipe de checagem da AFP, o assessor regional de Assuntos Regulatórios da Organização Panamericana da Saúde (Opas), José Peña, explicou que a ivermectina, assim como a cloroquina e a hidroxicloroquina, só tem estudos de caso, e ainda não teve a eficácia comprovada em nenhum estudo clínico.
“Quando nós dizemos que há evidência científica é porque houve estudos clínicos controlados: um estudo sério e robusto onde há um grupo [de pacientes] de controle e um grupo experimental, onde você realiza o experimento e os compara”, explicou Peña.
Em vez disso, um estudo de caso quer dizer que “testaram com um grupo de pacientes apenas com esse produto, mas não houve comparação”, explica. “Funcionar em alguns pacientes não é evidência suficiente, por isso as autoridades regulatórias insistem muito na robustez dos estudos clínicos. Caso contrário, pode ser um caso quase anedótico”.
A farmacêutica da Fiocruz, Claudia Osorio, ressalta que, “se o medicamento não tem uso adequado [no caso da ivermectina por ser usado para combater outras doenças que não são parasitoses], ele só vai gerar falta de segurança”. Quem toma um remédio sem indicação médica, “pode apenas se expor a efeitos adversos”, alerta.
Em resumo, a ivermectina conseguiu inibir a replicação do novo coronavírus, mas em um experimento in vitro, ou seja, fora de um organismo vivo. Sua eficácia em seres humanos com covid-19 ainda está sendo estudada, mas até o momento não foi comprovada.