Os protestos no Cazaquistão foram causados pelo aumento do preço do gás, não pelo passe sanitário
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- Publicado em 31 de janeiro de 2022 às 22:09
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- Por AFP Colômbia
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A gravação compartilhada, que mostra um grupo de pessoas correndo em meio ao trânsito e jogando objetos em um veículo militar, é narrada por um homem que diz, em português: “O que aconteceu lá foi que o governo impôs o QR code, que você tem que ter o aplicativo de vacinação no seu telefone e só com ele ativado que você pode retirar o seu dinheiro do banco”.
O conteúdo circula no Facebook (1, 2, 3, 4) e no Twitter (1, 2) com comentários como: “O presidente e o primeiro-ministro fugiram do país”, “as pessoas que trabalham nos centros de vacinação estão sendo presas” e “a mídia internacional está mentindo que o povo se revoltou pelo aumento do preço do combustível”.
Conteúdo similar também circulou no Telegram.
Publicações semelhantes também são compartilhadas em inglês (1, 2, 3) e espanhol (1, 2, 3).
Imagens reais, contexto falso
Ao realizar buscas reversas de capturas de tela do vídeo, utilizando a ferramenta InVID WeVerify*, verificou-se que a gravação foi publicada originalmente no Twitter, em 4 de janeiro de 2022, por Abdujalil Abdurasulov, videojornalista da rede britânica BBC que cobriu as recentes manifestações em Almaty, no sul do Cazaquistão. Os protestos ocorreram naquele país da Ásia Central no início de janeiro.
No entanto, na descrição das imagens, o jornalista não se refere à suposta obrigação de apresentar o certificado de vacinação para sacar dinheiro no banco como causa dos protestos:
“Os manifestantes no #Cazaquistão afugentam um APC [veículo blindado leve de combate]. A tropa de choque usou gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral para dispersar os manifestantes. As autoridades decretaram estado de emergência e toque de recolher na região de Mangystau e em Almaty. Os protestos generalizados eclodiram por causa do aumento dos preços dos combustíveis”, tuitou ele em inglês.
Protesters in #Kazakhstan chase an APC away. Riot police used tear gas and stun grenades to disperse protesters. The authorities have introduced a state of emergency and curfew in Mangystau region and in Almaty. Mass protests broke out over fuel price hike pic.twitter.com/BVbPGKX3w0
— Abdujalil A (@abdujalil) January 4, 2022
As manifestações no Cazaquistão eclodiram no Ano Novo de 2022 na cidade de Zhanaozen (província de Mangystau, no oeste do país), devido ao aumento do preço do gás liquefeito de petróleo (GLP), usado para carros. Nos dias seguintes, os protestos se espalharam para outras regiões da ex-república soviética, incluindo Almaty, a maior cidade e antiga capital do país.
Os protestos também foram alimentados pela queda do poder aquisitivo e pela desigualdade que atinge a população, apesar de o país ser rico em hidrocarbonetos e minerais.
Em 4 de janeiro, o presidente Kassym Jomart Tokayev declarou estado de emergência em Almaty e Mangystau, depois de anunciar que reduziria o preço do GLP. Mas essas medidas não aplacaram os protestos, que o governo classificou como uma “tentativa de golpe” perpetrada por “terroristas” estrangeiros.
Ao contrário do que dizem as publicações viralizadas, não é verdade que Tokayev tenha fugido do país devido aos distúrbios.
Em 5 de janeiro de 2022, o presidente destituiu todo o seu gabinete, incluindo o primeiro-ministro Askar Mamin. Porém, como essa medida não impediu os ataques e incêndios em prédios do governo, o chefe de Estado pediu ajuda à Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), liderada pela Rússia, para reprimir os protestos.
As manifestações diminuíram devido ao envio de tropas da OTSC, compostas por mais de 2.000 soldados, que começaram a se retirar em 13 de janeiro.
“A missão principal das forças de paz da Organização do Tratado de Segurança Coletiva foi concluída com sucesso”, disse o presidente cazaque às vésperas da retirada das forças estrangeiras. Ele também prometeu reconstruir Almaty após os distúrbios.
Os protestos acabaram com pelo menos 225 mortos, 12.000 prisões e mais de 100 bancos e lojas saqueadas.
Restrições para sacar dinheiro?
Nas publicações viralizadas, é mencionado que a verdadeira causa dos protestos foi que “as pessoas não conseguiam mais sacar dinheiro do banco sem o passaporte de vacinação e o código QR”. Mas no país a imunização contra a covid-19 não é necessária para acessar bancos nem caixas eletrônicos.
O correspondente da AFP para a Ásia Central explicou que o Cazaquistão tem um aplicativo oficial para celulares de controle epidemiológico contra a covid-19 chamado Ashyq, lançado em maio de 2021, que tem três status: “verde”, para pessoas vacinadas; “azul”, para quem não teve teste positivo recente de coronavírus, e “vermelho”, para quem recebeu um diagnóstico positivo recentemente.
As informações de contágio e imunização são obtidas no banco de dados do Ministério da Saúde local.
Na véspera do Ano Novo de 2022, o governo publicou uma lista exaustiva dos estabelecimentos em que os cidadãos, para entrarem, devem apresentar seu status em relação ao coronavírus através do aplicativo, que contém um código QR escaneável. Os caixas eletrônicos não estão listados.
Além disso, o correspondente da AFP informou que “para entrar em um banco, é suficiente um status ‘azul’, que indica que você não testou positivo para o coronavírus recentemente”.
Devido à circulação da variante ômicron no Cazaquistão, as autoridades ordenaram que a partir de 5 de janeiro de 2022 “a entrada em centros comerciais e de entretenimento, lojas, redes de varejo [exceto as que vendem alimentos] e redes de varejo [que vendem alimentos, mas que tenham uma área de vendas superior a 6.000 m2]” é permitida depois da apresentação de um status “verde” no aplicativo oficial, um teste de PCR com resultado negativo, realizado no máximo 7 dias antes, ou prova de que foi infectado e curado nos últimos três meses para quem tem doenças ou contraindicações médicas.
De acordo com o correspondente, “os bancos não foram incluídos nesse endurecimento das restrições”.
De fato, em 21 de janeiro de 2022, as autoridades cazaques desmentiram uma desinformação que circulava no WhatsApp. Segundo a mensagem viralizada, seriam multados os cidadãos que estivessem infectados com o SARS-CoV-2 (com um status “vermelho” no aplicativo) e fizessem pagamentos, enquanto estivessem com esse status, com um cartão bancário ou um código QR, porque isso implicaria que eles saíram de casa e não mantiveram a quarentena.
A Comissão Sanitária de Controle Epidemiológico do Ministério da Saúde do país disse que há multa para quem descumprir o isolamento, mas que não tem nada a ver com a forma de pagamento. Da mesma forma, o comitê esclareceu que “o status vermelho [para infectados] somente é revelado quando uma pessoa digitaliza seu aplicativo Ashyq ao ingressar em um lugar, não ao pagar com cartão bancário ou digitalizar um código QR” para efetuar um pagamento.
*Uma vez que a extensão InVid-WeVerify esteja instalada no navegador Chrome, clique com o botão direito do mouse na imagem. O menu que aparece oferece a possibilidade de iniciar uma busca por ela em vários navegadores.